Bruxela.PT - A Política de Coesão

por Andrea Neves correspondente Antena 1 em Bruxelas

Episódio original publicado a 16 de fevereiro de 2023 | Foto: Denis Lomme © European Union 2021 - Fonte : EP

Uma conversa da jornalista Andrea Neves com Sofia Alves, Diretora Geral da Política Regional e Urbana da Comissão Europeia.

Para que serve a Política de Coesão da União Europeia.

Eu costumo ilustrar a Política de Coesão como sendo uma política de discriminação positiva. Enquanto as outras políticas do Mercado Comum visam eliminar obstáculos e fazer com que a circulação seja possível e facilitada para todos, a Política de Coesão visa beneficiar, através do financiamento, as regiões e os territórios que estão menos desenvolvidos de forma a dar-lhes uma espécie de vitamina extra. De forma a que possam ter condições para concorrer no mercado comum e a nível global.
Fundos de Coesão e Fundo para uma Transição JustaQuais é que são os Fundos de Coesão?

Temos o Fundo da Coesão, que não abrange todos os países, apenas os países menos ricos. São 15, neste momento, os países que beneficiam do Fundo de Coesão dos 27.

Portugal incluído?

Portugal incluído. Portugal beneficia de todos.

Portanto, temos o Fundo da Coesão, o Fundo de Desenvolvimento Regional –que se aplica a todos os países – e temos um fundo novo neste orçamento 21/27 que é o Fundo de Transição Justa. O Fundo Transição Justa tem um objetivo muito específico que é o de financiar a transição dos territórios que vão ser mais impactados pela neutralidade carbónica, pela necessidade que nós temos de diminuir a nossa dependência das energias carbónicas. Em Portugal temos 3 regiões nesta situação: a região do Pego, no Centro; Sines no Alentejo e Matosinhos.

Portanto, são regiões em que há duas centrais elétricas com base em carvão e que vão reduzir a sua atividade, e a região do Centro onde a situação está relacionada com as emissões de CO2.

Ora, para compensar, no fundo, a redução da atividade económica com base no carvão, criamos um fundo que é o Fundo de Transição Justa para permitir uma transição industrial e um acompanhamento dos trabalhadores e das populações, de modo a que ninguém fique para trás. Para que esta transição se possa fazer com menos impacto social possível.
O Fundo de Desenvolvimento RegionalE o Fundo de Desenvolvimento Regional, o FEDER?

O Fundo de Desenvolvimento Regional é o fundo, eu diria, clássico de apoio aos investimentos e ao desenvolvimento regional e que pode ser aplicado em investimentos. Nós temos cinco áreas de investimento: primeiro a da economia mais inteligente – portanto, uma economia mais digitalizada o que implica investimentos nas pequenas e médias empresas para, no fundo, enfrentarem os desafios económicos do futuro, para se modernizarem; temos toda a parte da sustentabilidade – quer energética, quer a parte de proteção do ambiente; temos a parte social – que se refere ao investimento nas populações mais desfavorecidas e nos grupos mais vulneráveis, em transportes e banda larga; e depois temos uma quinta prateleira, que não é temática e que não visa investimentos num determinado setor da economia, mas visa investimentos que são de caracter territorial.

Como por exemplo?

São investimentos como as Estratégias Integradas na Política de Coesão.

Como eu costumo dizer os fundos são uma parte importante – porque é o dinheiro que está por trás da política – mas a política visa sobretudo desenvolver estratégias de desenvolvimento territorial – a nível local, municipal e regional – que sejam integradas, ou seja, em que os territórios comunicam uns com os outros e desenham estratégias de desenvolvimento comuns. Esta quinta prateleira da Política de Coesão visa exatamente financiar este tipo de estratégias.

Como por exemplo, nas regiões transfronteiriças?

Esse é outro programa que é o programa INTERREG.

Mas para dar um exemplo mais concreto, em Portugal as estratégias integradas visavam, no período anterior, sobretudo projetos a nível municipal. Agora, neste período 2021/2027 são estratégias um pouco mais alargadas em termos territoriais, vão abranger estratégias intermunicipais que são regidas pelas Comunidades Intermunicipais.

O Município tem as suas necessidades de desenvolvimento – a nível de transportes, de infraestruturas, de educação, sociais, culturais – mas as suas necessidades não devem ser vistas isoladamente. Há uma integração com o resto do território que o circunda em termos de necessidades de redes de transportes, por exemplo. Não faz sentido pensar numa rede de transporte apenas a nível municipal, porque há pessoas fora do município que vêm para o município e vice-versa.

O exemplo do Porto, do Metro do Porto que se está a construir, a estender, pode ser um exemplo?

É, sem dúvida, um exemplo de uma infraestrutura, de um projeto de infraestrutura que que se vai aplicar no território mais alargado da Área Metropolitana do Porto.

As Estratégias Integradas que Portugal desenhou para este projeto visam nomeadamente as duas Regiões Metropolitanas de Lisboa e Porto.
A candidatura dos projetos a financiar pela Política da CoesãoJá me disse a que projetos é que se destinam estes fundos, mas tem de ser apresentados projetos concretos?

A Política de Coesão é de responsabilidade partilhada entre a Comissão Europeia e os Estados-Membros. Os Estados-Membros desenham um grande acordo global de parceria no qual que explicam quais são os objetivos da política de coesão que vão atingir naquele período 2021/2027 e quais são os programas nos quais se vão aplicar estes investimentos.

Portugal tem quatro programas a nível nacional e tem sete programas a nível regional, um por cada região. Cada programa vai buscar às cinco temáticas do FEDER os investimentos que fazem mais sentido para aquela região. As cinco temáticas não são obrigatórias. Cada país e cada região vai desenhar o seu programa e vai buscar fundos à prateleira que mais lhe convém.

Vamos especificar, outra vez, quais são essas cinco temáticas.

Com certeza: é o desenvolvimento económico inteligente que visa sobretudo as pequenas e médias empresas e a pesquisa e inovação, não só privada, mas também pública; a sustentabilidade que visa sobretudo investimentos na área do ambiente e da energia, das energias renováveis, dos transporte e também da banda larga nas zonas rurais; depois temos a política social, que inclui tudo o que seja apoio de investimento ao nível de grupos sociais vulneráveis, combate à exclusão, à pobreza, etc…; e depois temos a tal prateleira que não é temática, mas que visa apoiar as estratégias territoriais integradas.

E como é que se sabe quanto é que cada região vai receber? Como é que é feito esse cálculo?

Os fundos são distribuídos, numa primeira fase, pelos Estados-membros. É o chamado envelope nacional de que se fala em Portugal, e dentro do envelope nacional há uma chave de repartição em função do PIB da população de cada região. Obviamente que as regiões menos desenvolvidas têm uma maior dotação.
As Zonas RuraisE há alguma diferença, por exemplo, se for para uma cidade, ou se for para uma zona mais rural? Isso é tido em conta?

Não. A Política Regional aplica-se tanto às zonas urbanas, como as zonas rurais. Não deve haver uma distinção estrita entre o urbano e o rural, porque muitas vezes estão interligadas e qualquer cidade tem uma zona abrangente que, necessariamente, será também uma zona rural. Portanto, para nós o importante é que haja uma estratégia de desenvolvimento regional que tenha esses elementos em conta.

Mas o facto é que se ouve falar cada vez mais de fundos dirigidos às regiões rurais. Há uma preocupação maior da Comissão Europeia com as zonas rurais mas dentro destes fundos não há nada específico para essas áreas. Mas poderá haver noutros?

Dentro da Política Agrícola Comum há outro fundo, que é o Fundo de Desenvolvimento Rural, que visa especificamente investimentos nas pequenas aldeias, nas pequenas vilas.

Mas a Política Regional também apoia infraestruturas em zonas rurais –infraestruturas escolares, infraestruturas de saúde, centros de saúde até hospitais – a região pode decidir que há necessidade de construir escolas, jardins de infância, centros de saúde ou hospitais em zonas rurais, e obviamente que a Política Regional vai apoiar esses projetos. Pode-se também decidir que é necessário criar uma rede de transportes de autocarros inteligentes que ponha em contacto as pessoas que vivem em zonas rurais com a capital do distrito ou com a cidade mais próxima. São só alguns exemplos.

Tudo isto é financiado pela Política Regional, mas se esses projetos são apresentados pelas regiões quem é que os avalia?

Em Portugal são as CCDR, as Comissões de Desenvolvimento Regional, que são as estruturas que foram criadas exatamente para a gestão dos fundos a nível regional em Portugal. São elas que lançam os avisos de concurso, nas diferentes temáticas, e depois os potenciais beneficiários candidatam-se aos com os seus projetos. Os projetos são avaliados por um júri e, depois, os subsídios são atribuídos com base nesta avaliação.

Há algum fundo de emergência para situações de catástrofe? Ultimamente temos visto muitas relacionadas com o clima, por exemplo, com os incêndios?

Sim, há um fundo específico que também é gerido pela Política Regional, que é o Fundo de Solidariedade Europeu, que é um fundo muito diferente. Não é um fundo de Política de Coesão mas tem o objetivo de ajudar os Estados-Membros a fazer face a catástrofes naturais. Foi o que aconteceu em Portugal com os incêndios de 2017. No entanto, e desde a covid-19, este fundo destina-se também as emergências sanitárias. Portugal beneficiou de mais de 50 milhões de Euros para poder pagar vacinas e equipamento médico. Aliás, como muitos outros Estados-Membros que também beneficiaram deste fundo na altura da pandemia.
O INTERREGExiste também um outro fundo que é o INTERREG.

Exato. Se há territórios que têm dificuldades na União Europeia são as regiões fronteiriças e, portanto, há um fundo específico para desenvolver projetos que visam estas regiões menos desenvolvidas. Para, por exemplo, permitir o acesso aos serviços públicos e fazer com que as regiões vizinhas, apesar de terem uma fronteira a passar pelo meio, cooperem para os diferentes desafios. Temos alguns exemplos no Minho. Realço que estes projetos podem estar relacionados com a preservação da biodiversidade de recursos que são partilhados com a Espanha – onde temos um projeto de preservação e de manutenção dos habitats no rio Minho, entre Norte de Portugal e a Galiza.

E podemos também pensar que quando falamos de catástrofes naturais precisamos que as regiões transfronteiriças cooperem primeiro em termos de estratégia de mitigação dos incêndios e das inundações, por exemplo. Isto para que depois, quando as catástrofes acontecem, as autoridades possam ter já um plano de emergência pronto que permita que todas as entidades de proteção civil, nomeadamente as que estão no terreno, já saibam trabalhar em conjunto. E também temos projetos desta natureza entre Portugal e Espanha.

Será certamente o tema de outra conversa, mas e as Regiões Ultraperiféricas?

As RUP são regiões ainda mais desfavorecidas que as outras e, por isso tem uma dotação específica nos Fundos de Coesão, ou seja, têm mais financiamento. Além do mais, há sempre um filtro em relação ao que é aplicado às Regiões Ultraperiféricas que têm um papel especial também nas outras políticas – seja na política de transportes, seja na política energética, por exemplo – e há sempre medidas específicas que visam a situação concreta das Regiões Ultraperiféricas. Somos nós que, no fundo, chamamos a atenção das outras políticas europeias para o facto de terem que fazer uma aplicação distinta, específica e especial para as Regiões Ultraperiféricas.

O Fundo de Coesão é um daqueles fundos que pode estar em causa no caso do alargamento da União Europeia?

Dificilmente estará em causa uma vez que a União Europeia nunca poderá cumprir o seu objetivo de ser uma união solidária e uma união coesa sem os Fundos de Coesão e sem a Política Regional. Poderá ter que ser transformada, porque nós temos sempre o grande desafio das verbas que existem e da falta de financiamento. É preciso muito dinheiro para a Coesão Territorial. E nós vimos que, apesar de os países, como Portugal, terem construído muitas infraestruturas, terem criado muitas condições para as pessoas se fixarem nos territórios fora das grandes cidades, a verdade é que há outras políticas e outros desafios a nível internacional e global que fazem com que as pessoas se desloquem e que haja a desertificação.

E isto é comum a todos os Estados-membros. Todos os Estados-membros da União Europeia têm esse desafio da falta de população, da falta de trabalho qualificado. Isto afeta o desenvolvimento económico desses territórios e vamos continuar a ter esse desafio com o alargamento.

Obviamente, mais países significa mais contribuições para o Orçamento da União Europeia mas significa também mais pessoas a beneficiarem dos fundos. E convém referir que haverá, talvez, países com ainda mais necessidades do que os países que tradicionalmente mais beneficiam das Política de Coesão, neste momento, como é o caso de Portugal.

Para consulta:
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