Bruxelas.PT - A Política Agrícola Comum

por Andrea Neves correspondente Antena 1 em Bruxelas

Episódio original publicado a 26 de janeiro de 2024 | Foto:Christen Michel © European Union 2021 - Source : EP

Uma conversa da jornalista Andrea Neves com Tereza Pinto de Rezende, Chefe de Unidade da Comissão de Agricultura do Parlamento Europeu.

A Política Agrícola Comum
O que é a Política Agrícola Comum (PAC) e que interesses defende na União?

A Política Agrícola Comum é a política da União Europeia mais antiga em vigor, e é composta por um conjunto de regras e financiamentos que se destinam a ajudar os agricultores no papel fundamental que desempenham que é o de fornecer alimentos de qualidade aos cidadãos da União Europeia, a preços comportáveis, garantindo que o mercado não é objeto de grandes divergências, vamos dizer assim, e garantindo também a segurança alimentar. É uma definição que coincide com a definição dos objetivos da própria PAC.
O Primeiro Pilar da PAC Sendo que a PAC tem, pelo que ouvimos todos falar, dois pilares.

Sim, tem dois pilares que são conhecidos por o pilar do apoio direto e pelo pilar do desenvolvimento rural, sendo que o Primeiro Pilar é consideravelmente maior que o segundo..

Mas apoio direto significa apoio a quem e a quê? O que é que os agricultores têm que fazer para receber esse apoio direto?

Ora bem, os agricultores têm apoio direto para cultivarem as suas terras, cumprindo determinadas normas de segurança e, hoje em dia, também ambientais – apesar de a parte relativa à Política Agrícola comum no Tratado da União Europeia não falar das questões ambientais, as questões ambientais são incontornáveis hoje em dia – normas que respeitem o bem-estar animal – que também é um elemento que está presente e que na última reforma foi o Parlamento Europeu que exigiu que estivesse claramente identificado – que tenham em consideração a natureza dos seus terrenos – porque é evidente que num terreno ultra alagado provavelmente não se vai cultivar trigo. Os agricultores necessitam de dar garantias de que produzem bens que interessam ao consumidor – portanto, tem que haver uma relação direta entre o que o consumidor precisa e usa e o que o agricultor produz – e tem que cumprir requisitos relativos à saúde pública, à saúde dos animais, à saúde das plantas – há um debate que nós temos ouvido recentemente, que é o que se refere às doenças das plantas ou dos frutos e legumes que vêm de terceiros países e que depois invadem a agricultura europeia. Portanto, tudo isto são, digamos, obrigações que o agricultor tem de cumprir para receber esses pagamentos.

Cumprindo essas obrigações, recebe esses pagamentos que são os tais pagamentos diretos. É este o Primeiro Pilar da PAC?

Sim. É Primeiro Pilar.
O Segundo Pilar da PAC E o que é o Segundo Pilar da Política Agrícola Comum?

O Segundo Pilar é a Política de Desenvolvimento Regional que é, digamos, um pouco menos claro, no sentido de que existe sobretudo para apoiar as regiões mais desfavorecidas da União Europeia. Portanto, há um elemento de coesão que, no fundo, eu acho que toda a gente sabe ver o que é mas que por vezes é difícil de identificar concretamente. São fundos, nomeadamente, para a modernização das explorações agrícolas, por exemplo, recorrendo à tecnologia, ou para investimentos em conectividade e em serviços básicos.

Mesmo que – e de facto essa é uma particularidade do desenvolvimento rural – não sejam situações especificamente ligadas à agricultura, mas desde que sejam para benefício das zonas rurais – que são zonas agrícolas, maioritariamente, ou florestais – continuam a estar no âmbito do setor primário. Por isso, podem ser medidas para melhorar os serviços básicos, como o serviço de fornecimento de eletricidade, água ou painéis solares. Não conheço nenhum caso em concreto, mas imagino que havendo uma justificação especifica sobre o que se pretende favorecer, é possível utilizar esse Fundo de Desenvolvimento Rural.

E quem é que pode aceder a estes fundos são os agricultores? São as empresas?

São os agricultores.

Sejam ou não empresas agrícolas?

Sejam ou não empresas agrícolas, sim. Aliás, é interessante porque qualquer agricultor pode aceder, mas as condições para os pequenos agricultores – que é uma categoria importante para Portugal – são ligeiramente diferentes porque eles não têm que preencher toda uma lista de requisitos que é uniforme em termos da União Europeia. Percebe-se que um pequeno agricultor tem uma dimensão que não deverá exigir a prestação de contas de forma tão específica, digamos assim.

E os agricultores apresentam as suas candidaturas à União Europeia ou ao Estado a que pertencem?

Ao Estado a que pertencem. Apresentam as suas candidaturas a organismos pagadores com quem o agricultor tem esse contacto. Ainda que, segundo sei, muito é tratado online mas ainda assim sempre com a administração nacional.
Fundos de emergência Existem também fundos de emergência para responder a catástrofes. Esses fundos são contabilizados à parte do que é o fundo normal da PAC?

Chama-se uma reserva. É posto de reserva. Em termos de fundos é um fundo à parte, portanto, não faz parte nem do Primeiro Pilar nem do Segundo Pilar. Está guardado precisamente para situações excecionais, sendo certo que o debate a que temos assistido ultimamente – ainda que há cada vez mais necessidades extraordinárias porque há cada vez mais secas, inundações e questões de impacto climático urgentes – refere-se a se, de facto, essa reserva deve existir com caráter excecional ou se não deve passar a ser mais outro parâmetro incluído nos fundos disponíveis.
Jovens agricultores Estamos no Parlamento Europeu e a pergunta que eu lhe faço é se o Parlamento Europeu, por exemplo, quer mais incentivos para os jovens agricultores? E isso é importante também naquele sentido que já referiu antes, ou seja, de as empresas mais pequenas ou os agricultores mais pequenos não terem que cumprir tantos requisitos. Os jovens agricultores, pelo que eu me apercebi, têm mais dificuldades de acesso ao crédito, mais dificuldades de modernizar as explorações. O Parlamento Europeu quer dar-lhes um novo âmbito, quer chamá-los?

Quer chamá-los, absolutamente. Esse é um debate que já vem de há uns anos. Há uma questão de geração na agricultura europeia. Os estudos na União Europeia indicam que a grande maioria dos agricultores tem 60 anos e a totalidade dos agricultores da União Europeia tem uma idade acima dos 42. E de facto, há uma consciência que se há setor que não pode deixar de existir é o setor primário. Se há atividade sem a qual nós não podemos sobreviver, é a atividade agrícola e por isso há, de facto uma clara consciência que é preciso puxar os jovens para o mundo agrícola.

Isso significa dar-lhes, outros apoios e outras soluções mais simples? 

Significaria sim dar-lhes soluções mais simples. É óbvio que nós precisamos de zonas rurais conectadas, com uma boa conexão à internet. Precisamos de zonas rurais, com escolas. Precisamos de zonas rurais, com hospitais. Precisamos que as zonas rurais possam garantir talvez não exatamente o mesmo que as cidades garantem, mas um nível equivalente de cobertura. São medidas que se vão construindo. Infelizmente não é possível com um clicar de dedos conseguir que tudo se faça imediatamente.

Agora, é preciso, sim, um verdadeiro compromisso e que se concretize com ações, porque falar todos nós falamos lindamente, mas precisamos de ações, precisamos de prática. E não são só os fundos da PAC que podem resolver, digamos assim, a atratividade das zonas rurais.
Segurança alimentar da Europa Uma das questões também importantes é a da segurança alimentar da Europa, ou seja, a Europa ser também ela autónoma a nível alimentar. E como é que se consegue essa independência da Europa? Está a conseguir-se?

A Política Agrícola Comum ajuda, absolutamente. Aliás, é fundamental para garantirmos aquilo a que os franceses chamam de soberania alimentar. E isso conseguimos, sem dúvida. A União Europeia continua a ser exportadora de produtos alimentares e celebra vários acordos internacionais com o resto do Mundo: um dos mais conhecidos é o acordo com o Canadá.

Isto significa que a União vai deixar entrar produtos dos países com os quais há acordos internacionais o que muitas vezes, dado o caráter bastante elevado de qualidade e exigência na União Europeia, também cria uma sensação de concorrência desleal. Isto porque os produtos que chegam do Brasil, da Argentina ou da Nova Zelândia, por exemplo, não têm o mesmo grau de exigência – a nível de segurança alimentar – e isto leva a uma certa concorrência desleal para os produtores europeus. Quem produz na Europa tem mais custos para garantir essa qualidade mas, depois, no mercado concorre com produtos equivalentes mas que não obedecem aos mesmos requisitos.

Mas os produtos que chegam desses lugares que acabou de referir, todos eles, estão no mercado com segurança para os consumidores?

Estão com segurança para os consumidores, precisamente por causa dos acordos. O acordo garante a segurança. A segurança alimentar é sempre garantida.

Há uma questão cada vez mais atual que está ligada ao facto de poder – ou não – a Política Agrícola Comum perder fundos da União Europeia, se não houver novos recursos próprios para o Orçamento Europeu e se houver outras prioridades. Isso pode ser problemático? Pode acontecer?

Eu, pessoalmente, creio que pode acontecer. Creio que a guerra na Ucrânia despertou, ou melhor, reavivou a consciência de que a Europa precisa de ter segurança alimentar, precisa de poder sustentar-se a si própria, sozinha. Mas, como disse se não há fundos, eles têm que se ir buscar a qualquer lado. Portanto, terá que se tirar um da Política de Coesão ou da Política Agrícola Comum, que são as que mais recebem de financiamento. Ainda que a verdade é que a União Europeia tem conseguido continuar a receber receitas – até de forma inesperada – da parte aduaneira que até tem crescido. Esperamos, todos nós, que os políticos consigam chegar a um acordo para que haja novos recursos orçamentais e a PAC não seja prejudicada.

Para consulta:


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