Embaraçadas com a desumanidade que revelava o caso de Sharbat Gula, as autoridades paquistanesas ofereceram-se para cancelar a sua anunciada deportação. A refugiada deu-lhes uma bofetada de luva branca, respondendo que está impaciente por partir.
Recentemente, foi detectada a sua presença num campo de refugiados do lado paquistanês da fronteira. Depois, soube-se que as autoridades paquistanesas a acusavam de viver ilegalmente no país. Foi julgada e condenada a 15 dias de prisão, a uma multa de 110.000 rupias (o equivalente a 955 euros) e, enfim, a ser deportada para o Afeganistão.
A situação de milhares de pessoas refugiadas nos campos paquistaneses, até aí quase ignorada pela opinião pública mundial, ficou subitamente sob os projectores da ribalta. A "menina dos olhos verdes", agora uma adulta precocemente envelhecida pelas agruras da vida, voltava a ser, pela segunda vez, um ícone do povo afegão.
Incomodado com a inesperada publicidade negativa, o Governo paquistanês pôs-se a buscar febrilmente uma saída. Segundo Ijaz Khan, um académico da Universidade Peshawar citado em The Guardian, a detenção e o julgamento causaram profundo embaraço ao Governo. Ainda segundo o mesmo académico, "muita gente está a relacionar o modo como a têm tratado com os refugiados em geral, que têm sido tratados com mão muito pesada".
Também têm protestado os partidos paquistaneses ligados à transfronteiriça etnia pashtun, a mais atingida pela "mão pesada" dos guarda-fronteiras paquistaneses. Bushra Gohar, dirigente do Partido Nacional Awami, comentou que "o caso de Sharbat Gula expôs o mau tratamento dado no Paquistão aos refugiados afegãos".
Gula, actualmente com problemas de saúde, estava a aguardar a deportação internada num hospital de Peshawar. Mas, em reacção aos vários protestos registados, o Governo da província de Khyber Pakhtunkhwa ofereceu-se para cancelar a ordem de deportação.
Ao tomar conhecimento da oferta de cancelamento da ordem, Naimat Khan, um familiar de Gula, comentou: "Ela foi arrancada de casa e enviada para a cadeia, de modo que obviamente não quer continuar a viver no Paquistão". A isto, um outro familiar acrescentou que a polícia tinha feito de Gula um alvo quando soube que ela tinha algum dinheiro da venda de uma pequena casa que tinha em Peshawar.
Depois de recusar a permanência no Paquistão, Gula é esperada no Afeganistão com honras de heroína nacional. O presidente afegão, Ashraf Ghani, tem já agendado um encontro com a mulher que se tornou um símbolo dos sofrimentos do seu povo ao longo de várias décadas de invasões e de guerras internas.