A Organização Internacional de Migração estima que, em 2014, entraram ilegalmente na UE mais de 283 mil pessoas - um espantoso aumento de 266 por cento em relação a 2013. Em 2015, esse número é ultrapassado logo a meio do ano. O pico - 221 mil chegadas num mês, quase tanto como em todo o ano de 2014 - será atingido só em outubro, mas é em agosto que a crise política provocada pela enxurrada humana se precipita.
A pressão intensifica-se desde janeiro e em julho assume proporções catastróficas. A maioria das pessoas chega à Grécia, vindas da Turquia em frágeis barcos, e depois, a pé, tenta chegar à Alemanha, a França, ao Reino Unido ou aos países nórdicos.
Ana Rita Freitas, Carlos Felgueiras - RTP (25 de agosto)
Campos, caminhos e estradas, país após país - Grécia, Macedónia, Sérvia, Croácia, Hungria, Eslovénia, Áustria - são invadidos. Em agosto são registados na Europa cerca de 350 mil imigrantes - o número real de entradas poderá ser superior.
Na consciência europeia surge um novo nome: refugiados.
Fronteiras cerradas
O primeiro Estado de Schengen a erguer barreiras, na fronteira com a Sérvia e com a Croácia, é a Hungria, logo em junho. Deixará aberta a fronteira com a Eslovénia, como escapatória para a Áustria.
A reação de choque à política húngara é grande mas, nas semanas seguintes, vários outros membros da UE lhe seguirão o exemplo, encerrando fronteiras para regular o fluxo ou impedir simplesmente a entrada de mais migrantes: a Croácia, a Áustria, a Eslováquia, a República Checa, a Alemanha. Até mesmo a mais crítica dessa decisão, a Suécia. O acordo de livre circulação de Schengen fica em perigo. O exército é chamado para patrulhar as fronteiras, registam-se confrontos.
Mendes Oliveira, Rui Magalhães - RTP (18 de junho)
Junto às alfândegas acumulam-se seres humanos de olhos fixos num destino negado. Revoltam-se por vezes contra a ajuda distribuída: o que querem é seguir viagem. Organizam-se comboios e caravanas de autocarros, os refugiados são levados de país para país, de campo em campo, em busca de soluções. Cada país tenta empurrar os migrantes para os vizinhos.
Esta é a pior crise do género na Europa, desde a II Grande Guerra e expõe toda a fragilidade da União Europeia. A liderança alemã é contestada, sobretudo pelos países do leste europeu, os mais atingidos pelo fluxo migratório. Tal como a Grécia, exigem solidariedade.
Acordo em setembro
Só a França e a Grã-Bretanha parecem capazes de concertar políticas para evitar que milhares de pessoas, amassadas nos últimos anos em Calais, junto ao túnel do Canal da Mancha, e reforçadas por novas chegadas, tentem a travessia para o Reino Unido, arriscando a vida - mais de 3.500 pessoas tentaram passar numa única semana.
Na verdade, a magnitude do problema paralisa os líderes da U.E. A agência europeia de fronteiras, Frontex, é incapaz de, com os meios disponíveis, deter o fenómeno. A promessa de abril, de 120 milhões de euros à missão Tritão, que opera no Mediterrâneo, não saiu do papel.
Registar, controlar e distribuir aqueles que já entraram na Europa é o problema mais imediato. Mas nem aí se formam consensos. Só a 22 de setembro se chega a acordo na distribuição dos refugiados, sem quotas obrigatórias. Abrange 160 mil pessoas - de Itália e da Grécia - que serão distribuídas ao longo de dois anos. No imediato aplica-se a 66 mil. A Portugal, são atribuídos 4.754 - mas poucos estão a aceitar vir.
A Hungria, avassalada por refugiados, contesta e fica de fora. Manterá 54 mil migrantes no seu território.
Centros de acolhimento
A distribuição dos refugiados é lenta, burocrática e rejeitada por várias comunidades em toda a Europa. Crianças refugiadas necessitam mesmo de escolta policial para ir à escola nalguns locais, especialmente na Alemanha e na Suécia. Na verdade, poucos querem fazer cumprir o acordo - os migrantes menos ainda.
A Europa e os países do Golfo comprometem-se a entregar à ONU de 1,6 mil milhões de euros para os campos de refugiados no Líbano, na Jordânia, na Turquia - já que serão as más condições e falta de oportunidades que empurram milhares de pessoas a arriscar tudo pelo sonho europeu. Só a Alemanha irá fornecer 100 milhões de euros.
José Manuel Rosendo - Antena 1 (26 de agosto)
Em outubro, novo consenso, agora para criar dois centros que acolham 100 mil refugiados - que não cessam de chegar. Destes, 50.000 ficarão na Grécia, que receberá ajuda especial do ACNUR. Os países estabelecem um acordo de 17 pontos.
O plano do Presidente da Comissão Europeia prevê o aumento da vigilância nas fronteiras, o registo das pessoas que atravessam a fronteira e o fim do transporte por autocarro ou comboio dos refugiados até à fronteira seguinte, sem o consentimento do Estado vizinho.
As dificuldades em implementar o plano tornam-se evidentes quando a União Europeia tem de intimar a Itália em novembro para usar a força e obrigar os migrantes a registar as impressões digitais.
Comprar ajuda
A União Europeia tenta ainda dar auxílio financeiro aos países africanos e do Médio Oriente que bloqueiem a passagem dos refugiados. A França apela aos países do Golfo para que abram as suas fronteiras, alertando para um "desastre humanitário".
Por fim, a UE procura um acordo com a Turquia, para reforçar a vigilância nas fronteiras e impedir o tráfico de seres humanos. Propõe pagar desde logo 500 milhões de euros para a Turquia acolher mais migrantes e receber repatriados. Ancara quer três mil milhões e o reabrir do dossier de adesão à União Europeia.
RTP (19 de setembro)
Apesar de todos os planos e acordos, em finais de dezembro de 2015 o caos humanitário mantém-se, agravado pelo inverno. Para 2016, o ACNUR espera a chegada à Europa de pelo menos mais 700 mil migrantes.