Agosto: O regresso dos muros à Europa

O ano de 2015 traz à Europa vagas sem fim de migrantes ilegais. Um milhão até dezembro. Quase todos - mais de 972 mil - chegam através do Mediterrâneo (sobretudo oriental). Outros 34 mil vêm por terra, pelos Balcãs. A maioria diz-se síria, afegã ou eritreia.

A Organização Internacional de Migração estima que, em 2014, entraram ilegalmente na UE mais de 283 mil pessoas - um espantoso aumento de 266 por cento em relação a 2013. Em 2015, esse número é ultrapassado logo a meio do ano. O pico - 221 mil chegadas num mês, quase tanto como em todo o ano de 2014 - será atingido só em outubro, mas é em agosto que a crise política provocada pela enxurrada humana se precipita.

A pressão intensifica-se desde janeiro e em julho assume proporções catastróficas. A maioria das pessoas chega à Grécia, vindas da Turquia em frágeis barcos, e depois, a pé, tenta chegar à Alemanha, a França, ao Reino Unido ou aos países nórdicos.


Ana Rita Freitas, Carlos Felgueiras - RTP (25 de agosto)

Campos, caminhos e estradas, país após país - Grécia, Macedónia, Sérvia, Croácia, Hungria, Eslovénia, Áustria - são invadidos. Em agosto são registados na Europa cerca de 350 mil imigrantes - o número real de entradas poderá ser superior.

Na consciência europeia surge um novo nome: refugiados.
Fronteiras cerradas

O primeiro Estado de Schengen a erguer barreiras, na fronteira com a Sérvia e com a Croácia, é a Hungria, logo em junho. Deixará aberta a fronteira com a Eslovénia, como escapatória para a Áustria.

A reação de choque à política húngara é grande mas, nas semanas seguintes, vários outros membros da UE lhe seguirão o exemplo, encerrando fronteiras para regular o fluxo ou impedir simplesmente a entrada de mais migrantes: a Croácia, a Áustria, a Eslováquia, a República Checa, a Alemanha. Até mesmo a mais crítica dessa decisão, a Suécia. O acordo de livre circulação de Schengen fica em perigo. O exército é chamado para patrulhar as fronteiras, registam-se confrontos.


Mendes Oliveira, Rui Magalhães - RTP (18 de junho)

Junto às alfândegas acumulam-se seres humanos de olhos fixos num destino negado. Revoltam-se por vezes contra a ajuda distribuída: o que querem é seguir viagem. Organizam-se comboios e caravanas de autocarros, os refugiados são levados de país para país, de campo em campo, em busca de soluções. Cada país tenta empurrar os migrantes para os vizinhos.

Esta é a pior crise do género na Europa, desde a II Grande Guerra e expõe toda a fragilidade da União Europeia. A liderança alemã é contestada, sobretudo pelos países do leste europeu, os mais atingidos pelo fluxo migratório. Tal como a Grécia, exigem solidariedade.
Acordo em setembro

Só a França e a Grã-Bretanha parecem capazes de concertar políticas para evitar que milhares de pessoas, amassadas nos últimos anos em Calais, junto ao túnel do Canal da Mancha, e reforçadas por novas chegadas, tentem a travessia para o Reino Unido, arriscando a vida - mais de 3.500 pessoas tentaram passar numa única semana.

Na verdade, a magnitude do problema paralisa os líderes da U.E. A agência europeia de fronteiras, Frontex, é incapaz de, com os meios disponíveis, deter o fenómeno. A promessa de abril, de 120 milhões de euros à missão Tritão, que opera no Mediterrâneo, não saiu do papel.



Registar, controlar e distribuir aqueles que já entraram na Europa é o problema mais imediato. Mas nem aí se formam consensos. Só a 22 de setembro se chega a acordo na distribuição dos refugiados, sem quotas obrigatórias. Abrange 160 mil pessoas - de Itália e da Grécia - que serão distribuídas ao longo de dois anos. No imediato aplica-se a 66 mil. A Portugal, são atribuídos 4.754 - mas poucos estão a aceitar vir.

A Hungria, avassalada por refugiados, contesta e fica de fora. Manterá 54 mil migrantes no seu território.
Centros de acolhimento

A distribuição dos refugiados é lenta, burocrática e rejeitada por várias comunidades em toda a Europa. Crianças refugiadas necessitam mesmo de escolta policial para ir à escola nalguns locais, especialmente na Alemanha e na Suécia. Na verdade, poucos querem fazer cumprir o acordo - os migrantes menos ainda.

A Europa e os países do Golfo comprometem-se a entregar à ONU de 1,6 mil milhões de euros para os campos de refugiados no Líbano, na Jordânia, na Turquia - já que serão as más condições e falta de oportunidades que empurram milhares de pessoas a arriscar tudo pelo sonho europeu. Só a Alemanha irá fornecer 100 milhões de euros.


José Manuel Rosendo - Antena 1 (26 de agosto)

Em outubro, novo consenso, agora para criar dois centros que acolham 100 mil refugiados - que não cessam de chegar. Destes, 50.000 ficarão na Grécia, que receberá ajuda especial do ACNUR. Os países estabelecem um acordo de 17 pontos.

O plano do Presidente da Comissão Europeia prevê o aumento da vigilância nas fronteiras, o registo das pessoas que atravessam a fronteira e o fim do transporte por autocarro ou comboio dos refugiados até à fronteira seguinte, sem o consentimento do Estado vizinho.

As dificuldades em implementar o plano tornam-se evidentes quando a União Europeia tem de intimar a Itália em novembro para usar a força e obrigar os migrantes a registar as impressões digitais.
Comprar ajuda

A União Europeia tenta ainda dar auxílio financeiro aos países africanos e do Médio Oriente que bloqueiem a passagem dos refugiados. A França apela aos países do Golfo para que abram as suas fronteiras, alertando para um "desastre humanitário".

Por fim, a UE procura um acordo com a Turquia, para reforçar a vigilância nas fronteiras e impedir o tráfico de seres humanos. Propõe pagar desde logo 500 milhões de euros para a Turquia acolher mais migrantes e receber repatriados. Ancara quer três mil milhões e o reabrir do dossier de adesão à União Europeia.


RTP (19 de setembro)

Apesar de todos os planos e acordos, em finais de dezembro de 2015 o caos humanitário mantém-se, agravado pelo inverno. Para 2016, o ACNUR espera a chegada à Europa de pelo menos mais 700 mil migrantes.

São cada vez mais os migrantes que chegam à Hungria, numa altura em que estão prestes a ser fechadas as fronteiras. Ao mesmo tempo, são também aos milhares dos refugiados que tentam apanhar um comboio para sair do país, antes que entrem em vigor as novas restrições impostas pelo primeiro-ministro Orban, que preveem a detenção de todos os que não estejam em posição legal.