Alertas para os aliados. Objetivo de Putin "é a destruição da Ucrânia"

por Inês Moreira Santos - RTP
Gleb Garanich - Reuters

Dias depois de deixar o Governo ucraniano, Olesksii Reznikov escreveu aos homólogos ocidentais apelando para que "ajam com decisão" pelo "futuro da humanidade". O ex-ministro da Defesa da Ucrânia deixou alertas, num texto publicado no Guardian, para os objetivos de Vladimir Putin em destruir o país vizinho e admitiu ter dúvidas de que as negociações com a Rússia possam trazer paz.

Durante 671 dias, Reznikov assumiu a pasta da Defesa na Ucrânia. No Governo desde novembro de 2021 e até ao início deste mês de setembro, o ex-ministro de Volodymyr Zelensky admite que embora este período temporal possa parecer curto, “aconteceram mais coisas à Ucrânia do que muitos países enfrentaram num século”.

Num artigo de opinião dirigido essencialmente aos ministros da Defesa dos países do Ocidente, e divulgado esta sexta-feira no jornal britânico, o ex-governante ucraniano condenou a invasão russa e as constantes agressões de Moscovo nos últimos anos, ainda antes da guerra na Ucrânia.

“A Ucrânia tornou-se o primeiro Estado do mundo obrigado a enfrentar uma guerra contra um agressor em cinco domínios ao mesmo tempo: terra, ar, água e ainda espaços de informação e cibernéticos”, começou por recordar Reznikov.

A guerra está longe de acabar, na sua opinião, mas enquanto ministro da Defesa tentou sempre “pensar no que as Forças Armadas da Ucrânia necessitariam amanhã, e não hoje”, assumindo que só foi possível reforçar em meios humanos e militares as defesas ucranianas graças à “vontade, determinação e compaixão” dos seus homólogos de “mais de 50 países em todo o mundo”.

“Gostaria de agradecer aos meus colegas ministros da Defesa: vocês são as pessoas que escrevem uma nova página da história mundial. É graças a vocês que os ucranianos conseguem enfrentar a agressão russa com dignidade. Nunca esqueceremos aqueles que ajudaram no momento mais terrível da nossa história”.Apesar de reconhecer o apoio vital dos aliados, o antigo ministro ucraniano criticou a constante “impunidade” por parte do Ocidente à Rússia, desde a invasão da Geórgia em 2008 e a ocupação da Crimeia em 2014. Impunidade que Reznikov acredita que resultou “numa guerra em grande escala na Ucrânia” e em “centenas de milhares mortos, milhões de refugiados e desastres humanitários e ecológicos”.

“Têm que perceber que são responsáveis por todo o futuro da humanidade”, dirigiu-se aos ministros da Defesa. “É por isso que é vital que vocês ajam com decisão”.

Com a invasão à Ucrânia, a Rússia desafiou “não apenas a independência e a soberania de um país europeu, mas toda a ordem mundial – incluindo o direito internacional e as instituições humanitárias e de segurança”.

“A capacidade do mundo civilizado em evitar uma terceira guerra mundial dependerá da vossa resposta às ações da Rússia e de como terminará a guerra na Ucrânia”, salientou.
Um "padrão semelhante" ao de Hitler
Fazendo referência ao acordo de Munique, em 1938, que não impediu Hitler de ocupar a Checoslováquia e invadir, de seguida, a Polónia e a França, na Segunda Guerra Mundial, o ex-ministro da Defesa da Ucrânia considerou que “as ações de Putin seguem um padrão semelhante”.

Moscovo exige, como lembrou Olesksii Reznikov, que os territórios ocupados da Ucrânia sejam reconhecidos como pertencentes à Rússia, “em troca do fim da guerra”. Mas o objetivo do presidente russo é “ganhar algum tempo, reagrupar-se e ‘finalmente resolver a questão ucraniana’” com novos recursos.
“A Rússia não reconhece a existência da Ucrânia e do povo ucraniano; o seu objetivo é a destruição do Estado ucraniano e a assimilação dos ucranianos”.
Mas as ambições de Vladimir Putin, alertou ainda o ex-governante, não se vão limitar à Ucrânia.

Acredito que deixar a Rússia obter os recursos da Ucrânia, incluindo um grande fundo de recrutamento, apenas aumentará as ambições do Kremlin e conduzirá a uma nova e grande guerra na Europa Oriental, que envolverá inevitavelmente a NATO – com todos os riscos que daí resultarão”.

E há ainda a ameaça nuclear, frisou no artigo, recordando que Moscovo se retirou “consistentemente da maioria dos principais acordos internacionais sobre armas nucleares” e que, em maio deste ano, a Rússia e a Bielorrússia assinaram um “documento sobre a implantação de armas nucleares em território bielorrusso”.

Por essa razão, Reznikov apelou aos ministros da Defesa ocidentais para a urgência de desenvolver e aprovar uma “estratégia internacional para minimizar os riscos de envolvimento de armas nucleares russas e a proliferação de tecnologias de armas nucleares russas para outros países” – estratégia essa que inclua “componentes de estratégia militar”, sanções “como mecanismos de pressão” e a “futura estrutura dos tratados internacionais relativos às armas nucleares russas”.
Vitória da Ucrânia será uma realidade
Para além de apelar a que se desenvolvam novas estratégias e mecanismos de ajuda para pôr fim à guerra na Ucrânia, Reznikov não esconde que considera que os “criminosos de guerra devem enfrentar a justiça”.

O mal deve ser punido para evitar que mais pessoas se tornem vítimas no futuro. Quanto mais cedo for criado um tribunal internacional para os crimes da Rússia na Ucrânia, mais cedo esta guerra terminará”, apelou, acrescentando que esta instituição judiciária deverá “avaliar todos os factos relativos aos alegados crimes de guerra cometidos pela Rússia, incluindo genocídio, genocídio cultural, etnocídio, ecocídio, deportações forçadas, rapto de crianças, terrorismo contra a produção de energia, execuções em massa de civis e prisioneiros de guerra e ataques com mísseis e artilharia contra objetos e infraestruturas de interesse civil”.

Reznikov não tem dúvidas de que a “receita” para a vitória da Kiev consiste na “restauração da integridade territorial da Ucrânia, a retirada dos remanescentes das tropas russas, a punição dos criminosos de guerra, as reparações, a introdução de alterações ao direito internacional que impedirão agressões semelhantes no futuro e participação da Ucrânia na arquitetura da segurança internacional”.

“A vitória da Ucrânia será o triunfo do direito internacional sobre a arbitrariedade dos fortes. Demonstrará que é inaceitável alterar fronteiras internacionalmente reconhecidas através de agressão militar. Será a unidade do mundo livre contra a tirania da falta de liberdade”.Dirigindo-se novamente aos ministros da Defesa dos países aliados, o antigo representante da Defesa ucraniana apelou à “unidade, à coragem e à ação consolidada”, referindo que acredita que esta será a “única forma de salvarmos este mundo da catástrofe de uma terceira guerra mundial”.

“Confio nas vossas virtudes e desejo de tornar este mundo melhor”, afirmou.

Oleksii Reznikov, de 57 anos, esteve no cargo desde o início da invasão militar russa em fevereiro de 2022 e formalizou no passado fim de semana a sua demissão após diversos escândalos de corrupção no Ministério. Rustem Umerov, de 41 anos, é o novo ministro da Defesa da Ucrânia.

Em tom de conclusão, Reznikov pediu aos homólogos que sejam “ainda mais recetivos e apoiem” o seu sucessor.

“Rustem Umerov é uma pessoa competente e profissional capaz de dar continuidade às iniciativas que lançamos. Juntos, aceleraremos o momento da vitória da Ucrânia”.
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