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Alta tensão na Nigéria. Incerteza marca eleições gerais e presidenciais
Pela primeira vez na história democrática recente da Nigéria, um candidato desafia os dois principais partidos e pode vencer as eleições presidenciais. As consequências são imprevisíveis para o maior país de África, gravemente afetado pela violência e pela crise económica.
A primeira volta do escrutínio, no qual vão ser eleitos ainda os 469 representantes do Parlamento (360) e do Senado (109), está marcada para sábado, dia 25 de fevereiro. E pode haver segunda volta.
Peter Obi, do Partido Trabalhista, consegue aos 61 anos, liderar as sondagens pré-eleitorais, à frente de Bola Ahmed Tinubu, do Congresso de Todos os Progressivos (APC, no poder) e Atiku Abubakar, do Partido Democrático Popular (PDP, maior partido da oposição).
Os três são os mais proeminentes de 18 candidatos à sucessão de Muhammadu Buhari, o Presidente cessante que, aos 80 anos, completou dois mandatos, o máximo previsto na Constituição nigeriana.
Tinubu, de 70 anos, e Abubakar, de 76, representam a estabilidade do sistema, dominado pelas duas forças que dominam a cena política nigeriana desde o fim da ditadura militar, em 1999.
Obi é o mais jovem dos três e o único cristão, católico devoto.
Herdam um país abalado pela insegurança no nordeste do país, mais populoso e muçulmano, gravemente afetado por ataques da milícia islamita Boko Haram, responsável pela morte de mais de 40 mil pessoas nos últimos 13 anos e por 2.2 milhões de deslocados, e do grupo Estado Islâmico, os quais ciclicamente raptam e matam populações nas zonas rurais habitadas por cristãos, destruindo aldeias e igrejas.
Gangues criminosos operam livremente também no noroeste e no centro do país, o maior de África, enquanto no sudeste a violência armada é exercida por separatistas.
Teme-se que a violência afete ou impeça os atos eleitorais “em muitos lugares”, afirmou o Internacional Crisis Group. A insegurança e a deslocação das populações já impediram a abertura, este sábado, de pelo menos 240 das 176.606 mesas de votos em todo o país, por falta de eleitores recenseados.
Um país em crise
Buhari prometeu em 2015 acabar com a violência, sem qualquer sucesso em qualquer dos seus dois mandatos. Este é o seu maior fracasso, a par da grave situação económica.
Apesar de ser um dos maiores produtores mundiais de petróleo, a Nigéria está a viver a sua segunda recessão em cinco anos, "a inflação atingiu 21,5 por cento no final de 2022, a taxa de desemprego é de 33 por cento no geral e de 42,5 por cento entre os jovens", fez notar Ian Bremmer, na revista Time. Em 2015, quando Buhari chegou ao poder, o desemprego entre os jovens rondava uns meros 10 por cento.
"Cerca de 40 por cento da população vive abaixo da linha de pobreza, de acordo com dados do Banco Mundial, e muitos nigerianos têm falta de acesso à educação e a infraestruturas básicas como eletricidade, água potável e saneamento", acrescentou Bremmer.
A economia recuperou 3,5 por cento nos primeiros três trimestre de 2022 e o Produto Interno Bruto nigeriano deverá aumentar 3,2 por cento para 574 mil milhões de dólares, de acordo com o Fundo Monetário Internacional, mas as dificuldades para os nigerianos não se aligeiraram, muito porque os benefícios dos principais motores do país produção de petróleo e serviços não chegam às populações.
Democracia em causa
Num país em que a taxa de participação eleitoral costuma estar abaixo dos 50 por cento, este escrutínio assume laivos de teste à democracia numa era do crescimento de populismos, consideram ainda analistas, o quel he empresta importância acrescida, sobretudo a nível do continente.
"Em África, os eleitores escolheram líderes que enfraquecem as instituições democráticas, como na Tunísia, enquanto países como a Guiné, Mali e Burkina Faso tiveram mudanças inconstitucionais de governo" frisou Nick Westcott, diretor da Royal African Society, na African Arguments.
As ameaças da raiva e do ressentimento, especialmente entre os jovens, cresceram nos últimos anos "devido à falta de boa governação, corrupção e insegurança", referiu o jornalista nigeriano Obiora Ikoku. Estudos de opinião indicam que a insatisfação com a forma como a democracia funciona no país engloba 77 por cento dos nigerianos, um aumento de 20 pontos percentuais desde 2017.
É precisamente aqui que as promessas de Peter Obi surtem efeito, já que para muitos a eleição é uma oportunidade de mudar de rumo e de romper com os dois maiores partidos tradicionais.
O fator juventude
Empresário abastado, com reputação de frugalidade, Obi tem conquistado os eleitores com mensagens de prudência e de responsabilidade. Os detratores acusam-no de populismo, designação que rejeita, e consideram-no um "impostor político" dos muitos que surgem com eleições com ilusões de ser uma terceira força que irá roubar o poder aos poderes tradicionais.
Muitos dos apoiantes do principal partido de oposição, o PDP, e observadores mais neutrais, concordam que Peter Obi se destaca muito dos outros candidatos mas notam que lhe falta a popularidade nacional necessária para vencer. O PDP receia a sua influência e alerta os seus apoiantes para a divisão dos votos da oposição desperdiçando uma oportunidade de afastar o APC do poder.
Obi mantém a confiança. "É tempo de retomar o nosso país", defende. Quanto à eleição, designa-a como "o novo contra o velho".
A sua é uma candidatura de mudança, amplificada por um exército de usuários das redes sociais, esmagadoramente urbanos e sub-30, que o elevaram à condição de "salvador da pátria" e o defendem com unhas e dentes em cada conversa digital.
"Que outro político nigeriano ocupou alguma vez um cargo e ficou com a sua integridade intacta? Não vejo qualquer outra opção para os jovens da Nigéria", afirmou à BBC Dayo Ekundayo, da cidade de Owerri, um jovem ativista com curriculum na luta e nos protestos que forçaram há dois anos o desmantelamento da Força Policial Especial Antifurto, Sars, conhecida pela sua brutalidade e abusos. O movimento desde então evoluiu para exigência de melhores governos. A Nigéria tem uma das populações mais jovens do mundo. Cerca de 64 milhões dos 222.182 de nigerianos tem entre 18 e 35 anos. E dos 94 milhões de eleitores registados, 40 por cento tem menos de 35 anos.
As queixas de Ekundayo multiplicam-se por esta geração, que se autointitula “cabeça de côco”, pela sua independência de pensamento e força de vontade. De forma genérica desprezam os políticos mais velhos, nos quais não se revêm e que, afirmam, pouco fizeram por eles.
Obi congrega as suas esperanças de mudança. As mesmas estratégias que acabaram com a Sars, aplicam-na agora na mobilização de centenas de milhares de jovens nigerianos, incluindo na angariação de milhões de naira nigerianos (um naira = 0.0021 Euro).
O candidato do Partido Trabalhista tem contudo de garantir uma segunda volta para aumentar as suas possibilidades de eleição. Para vencer a eleição presidencial um candidato tem de ter não só a maioria dos votos mas também pelo menos 25 por cento destes em dois terços dos 36 estados da Nigéria.
Obi e os outros
A religião de Obi pode ser o seu maior obstáculo, impedido a aceitação do norte nigeriano, maioritariamente muçulmano e considerado crucial para vencer as eleições. Obi e o seu candidato a vice, Yusuf Datti Baba-Ahmed, encheram comícios sempre que fizeram campanha no norte, atraindo multidões – as quais podem, contudo, ter sido alugadas.
Peter Obi repete que não está desesperado por ascender ao mais alto cargo da Nigéria, apesar de ter mudado de partido quatro vezes desde 2002 e de ter abandonado o PDP em maio, antes das primárias.
Os seus críticos lembram ainda que a sua ficha não está assim tão limpa. O nome de Obi surgiu nos Pandora Papers por não ter declarado contas offshore e bens da sua família. Obi alegou ignorância. O candidato do Partido Trabalhista foi ainda acusado de, enquanto governador, investir fundos públicos numa empresa com quem tinha negócios. Negou qualquer fraude e sublinhou o facto dos fundos se terem entretanto valorizado.
A acusação de corrupção só é importante porque a luta pela idoneidade é uma das bandeiras de Obi. A comparar com os outros dois favoritos, as suspeitas que sobre ele recaem são diminutas.
Homem de negócios rico, Tinubu subiu nas fileiras políticas do APC sob acusações de corrupção, sem nunca ter sido condenado.
Também o candidato do PDP, Atiku Abubakar, que liderou o país entre 1999 e 2015, viu o seu nome envolvido publicamente em numerosos casos de corrupção e desvio de fundos, sem nunca ter sido citado.
Esta é a sexta candidatura de Abubakar à presidência nigeriana, depois de ter sido vice-presidente nos dois mandatos de Olusegun Obasanjo, entre 1999 e 2007, sendo o único dos favoritos proveniente do norte do país.
Nos últimos 12 meses registaram-se mais de 200 eventos violentos envolvendo membros e apoiantes de partidos, três dos quais nesta semana. Foram registadas nestes ataques quase 100 vítimas mortais.
Em 2015 Buhari chegou ao poder com promessas de acabar com a corrupção e com a violência, fazendo alargar também a prosperidade. Oito anos volvidos, a maioria da população pensa que o país está pior.
Nunca, desde o renascimento da democracia na Nigéria em 1999, as eleições foram tão abertas ou a situação tão tensa. Correm mesmo rumores de um golpe de Estado, entretanto desmentidos.
Com Lusa
Peter Obi, do Partido Trabalhista, consegue aos 61 anos, liderar as sondagens pré-eleitorais, à frente de Bola Ahmed Tinubu, do Congresso de Todos os Progressivos (APC, no poder) e Atiku Abubakar, do Partido Democrático Popular (PDP, maior partido da oposição).
Os três são os mais proeminentes de 18 candidatos à sucessão de Muhammadu Buhari, o Presidente cessante que, aos 80 anos, completou dois mandatos, o máximo previsto na Constituição nigeriana.
Tinubu, de 70 anos, e Abubakar, de 76, representam a estabilidade do sistema, dominado pelas duas forças que dominam a cena política nigeriana desde o fim da ditadura militar, em 1999.
Obi é o mais jovem dos três e o único cristão, católico devoto.
Herdam um país abalado pela insegurança no nordeste do país, mais populoso e muçulmano, gravemente afetado por ataques da milícia islamita Boko Haram, responsável pela morte de mais de 40 mil pessoas nos últimos 13 anos e por 2.2 milhões de deslocados, e do grupo Estado Islâmico, os quais ciclicamente raptam e matam populações nas zonas rurais habitadas por cristãos, destruindo aldeias e igrejas.
Gangues criminosos operam livremente também no noroeste e no centro do país, o maior de África, enquanto no sudeste a violência armada é exercida por separatistas.
Teme-se que a violência afete ou impeça os atos eleitorais “em muitos lugares”, afirmou o Internacional Crisis Group. A insegurança e a deslocação das populações já impediram a abertura, este sábado, de pelo menos 240 das 176.606 mesas de votos em todo o país, por falta de eleitores recenseados.
Um país em crise
Buhari prometeu em 2015 acabar com a violência, sem qualquer sucesso em qualquer dos seus dois mandatos. Este é o seu maior fracasso, a par da grave situação económica.
Apesar de ser um dos maiores produtores mundiais de petróleo, a Nigéria está a viver a sua segunda recessão em cinco anos, "a inflação atingiu 21,5 por cento no final de 2022, a taxa de desemprego é de 33 por cento no geral e de 42,5 por cento entre os jovens", fez notar Ian Bremmer, na revista Time. Em 2015, quando Buhari chegou ao poder, o desemprego entre os jovens rondava uns meros 10 por cento.
"Cerca de 40 por cento da população vive abaixo da linha de pobreza, de acordo com dados do Banco Mundial, e muitos nigerianos têm falta de acesso à educação e a infraestruturas básicas como eletricidade, água potável e saneamento", acrescentou Bremmer.
A economia recuperou 3,5 por cento nos primeiros três trimestre de 2022 e o Produto Interno Bruto nigeriano deverá aumentar 3,2 por cento para 574 mil milhões de dólares, de acordo com o Fundo Monetário Internacional, mas as dificuldades para os nigerianos não se aligeiraram, muito porque os benefícios dos principais motores do país produção de petróleo e serviços não chegam às populações.
Democracia em causa
Num país em que a taxa de participação eleitoral costuma estar abaixo dos 50 por cento, este escrutínio assume laivos de teste à democracia numa era do crescimento de populismos, consideram ainda analistas, o quel he empresta importância acrescida, sobretudo a nível do continente.
"Em África, os eleitores escolheram líderes que enfraquecem as instituições democráticas, como na Tunísia, enquanto países como a Guiné, Mali e Burkina Faso tiveram mudanças inconstitucionais de governo" frisou Nick Westcott, diretor da Royal African Society, na African Arguments.
As ameaças da raiva e do ressentimento, especialmente entre os jovens, cresceram nos últimos anos "devido à falta de boa governação, corrupção e insegurança", referiu o jornalista nigeriano Obiora Ikoku. Estudos de opinião indicam que a insatisfação com a forma como a democracia funciona no país engloba 77 por cento dos nigerianos, um aumento de 20 pontos percentuais desde 2017.
É precisamente aqui que as promessas de Peter Obi surtem efeito, já que para muitos a eleição é uma oportunidade de mudar de rumo e de romper com os dois maiores partidos tradicionais.
O fator juventude
Empresário abastado, com reputação de frugalidade, Obi tem conquistado os eleitores com mensagens de prudência e de responsabilidade. Os detratores acusam-no de populismo, designação que rejeita, e consideram-no um "impostor político" dos muitos que surgem com eleições com ilusões de ser uma terceira força que irá roubar o poder aos poderes tradicionais.
Muitos dos apoiantes do principal partido de oposição, o PDP, e observadores mais neutrais, concordam que Peter Obi se destaca muito dos outros candidatos mas notam que lhe falta a popularidade nacional necessária para vencer. O PDP receia a sua influência e alerta os seus apoiantes para a divisão dos votos da oposição desperdiçando uma oportunidade de afastar o APC do poder.
Obi mantém a confiança. "É tempo de retomar o nosso país", defende. Quanto à eleição, designa-a como "o novo contra o velho".
A sua é uma candidatura de mudança, amplificada por um exército de usuários das redes sociais, esmagadoramente urbanos e sub-30, que o elevaram à condição de "salvador da pátria" e o defendem com unhas e dentes em cada conversa digital.
"Que outro político nigeriano ocupou alguma vez um cargo e ficou com a sua integridade intacta? Não vejo qualquer outra opção para os jovens da Nigéria", afirmou à BBC Dayo Ekundayo, da cidade de Owerri, um jovem ativista com curriculum na luta e nos protestos que forçaram há dois anos o desmantelamento da Força Policial Especial Antifurto, Sars, conhecida pela sua brutalidade e abusos. O movimento desde então evoluiu para exigência de melhores governos. A Nigéria tem uma das populações mais jovens do mundo. Cerca de 64 milhões dos 222.182 de nigerianos tem entre 18 e 35 anos. E dos 94 milhões de eleitores registados, 40 por cento tem menos de 35 anos.
As queixas de Ekundayo multiplicam-se por esta geração, que se autointitula “cabeça de côco”, pela sua independência de pensamento e força de vontade. De forma genérica desprezam os políticos mais velhos, nos quais não se revêm e que, afirmam, pouco fizeram por eles.
Obi congrega as suas esperanças de mudança. As mesmas estratégias que acabaram com a Sars, aplicam-na agora na mobilização de centenas de milhares de jovens nigerianos, incluindo na angariação de milhões de naira nigerianos (um naira = 0.0021 Euro).
O candidato do Partido Trabalhista tem contudo de garantir uma segunda volta para aumentar as suas possibilidades de eleição. Para vencer a eleição presidencial um candidato tem de ter não só a maioria dos votos mas também pelo menos 25 por cento destes em dois terços dos 36 estados da Nigéria.
Obi e os outros
A religião de Obi pode ser o seu maior obstáculo, impedido a aceitação do norte nigeriano, maioritariamente muçulmano e considerado crucial para vencer as eleições. Obi e o seu candidato a vice, Yusuf Datti Baba-Ahmed, encheram comícios sempre que fizeram campanha no norte, atraindo multidões – as quais podem, contudo, ter sido alugadas.
Peter Obi repete que não está desesperado por ascender ao mais alto cargo da Nigéria, apesar de ter mudado de partido quatro vezes desde 2002 e de ter abandonado o PDP em maio, antes das primárias.
Os seus críticos lembram ainda que a sua ficha não está assim tão limpa. O nome de Obi surgiu nos Pandora Papers por não ter declarado contas offshore e bens da sua família. Obi alegou ignorância. O candidato do Partido Trabalhista foi ainda acusado de, enquanto governador, investir fundos públicos numa empresa com quem tinha negócios. Negou qualquer fraude e sublinhou o facto dos fundos se terem entretanto valorizado.
A acusação de corrupção só é importante porque a luta pela idoneidade é uma das bandeiras de Obi. A comparar com os outros dois favoritos, as suspeitas que sobre ele recaem são diminutas.
Bola Tinubu, antigo governador de Lagos (1999-2007) representa o partido no poder, o APC. Apelidado de "padrinho" e "criador de reis", devido à imensa influência no seio do governo, este ioruba (grupo étnico maioritário do sudoeste), de fé muçulmana, compromete-se a expandir à Nigéria os sucessos de desenvolvimento alcançados enquanto liderou os destinos da capital económica do país.
Também o candidato do PDP, Atiku Abubakar, que liderou o país entre 1999 e 2015, viu o seu nome envolvido publicamente em numerosos casos de corrupção e desvio de fundos, sem nunca ter sido citado.
Esta é a sexta candidatura de Abubakar à presidência nigeriana, depois de ter sido vice-presidente nos dois mandatos de Olusegun Obasanjo, entre 1999 e 2007, sendo o único dos favoritos proveniente do norte do país.
Nos últimos 12 meses registaram-se mais de 200 eventos violentos envolvendo membros e apoiantes de partidos, três dos quais nesta semana. Foram registadas nestes ataques quase 100 vítimas mortais.
Em 2015 Buhari chegou ao poder com promessas de acabar com a corrupção e com a violência, fazendo alargar também a prosperidade. Oito anos volvidos, a maioria da população pensa que o país está pior.
Nunca, desde o renascimento da democracia na Nigéria em 1999, as eleições foram tão abertas ou a situação tão tensa. Correm mesmo rumores de um golpe de Estado, entretanto desmentidos.
Com Lusa