Quase 14.000 nigerianos exigem à Shell operações de limpeza das suas terras

por RTP
Imagem da poluição ocasionada por um derrame de petróleo no Delta do Níger em agosto de 2018 Reuters

Um total de 13.652 pessoas e entidades do Delta do Níger, incluindo escolas e Igrejas, interpuseram uma ação contra a Shell, num tribunal londrino. Exigem que a gigante petrolífera limpe os estragos ao meio ambiente resultantes da exploração do petróleo nas regiões de Ogale e de Bille.

Os queixosos, na sua esmagadora maioria agricultores e pescadores, acusam a empresa de poluir os aquíferos, de superfície e subterrâneos, e de destruir o seu modo de vida.

Além da limpeza ambiental exigem compensação financeira devido à perda do seu modo de subsistência, uma vez que, afirmam, a sua capacidade de cultivar e de pescar foi destruída pelas operações da Shell.

A empresa, que publicou lucros superiores a 30 mil milhões de dólares nos primeiros três trimestres de 2022, contesta a legitimidade legal das comunidades para a obrigar a operações de limpeza.

A Shell alega ainda que os queixosos estão impedidos de obter indemnizações pelos derrames ocorridos cinco anos antes da interposição do processo judicial. E recusa ter de assumir responsabilidade penal pelo roubo de petróleo dos seus oleodutos efetuado por grupos organizados, que provocou muitos dos derrames.

Dia 23 de dezembro de 2022, a Shell assumiu contudo o pagamento de 15 milhões de euros em compensações aos agricultores nigerianos por derrames de petróleo que poluíram gravemente três aldeias no Delta do Níger.

A queixa coincide com a retirada da Shell da área que explorou durante mais de 80 anos, com lucros avultados.
Tragédia humana
Um dos representantes dos queixosos, Daniel Leader, sublinhou a importância do processo judicial em termos de jurisprudência.

Este caso levanta questões importantes sobre a responsabilidade das companhias de petróleo e de gás. Parece que a Shell está a tentar sair o Delta de Níger livre de quaisquer obrigações legais para reparar a devastação ambiental provocada pelos derrames de petróleo das suas infraestruturas ao longo de muitas décadas”, afirmou citado pelo jornal britânico Guardian.

“Numa altura em que o mundo está focado numa transição justa, isto levanta perguntas profundas sobre a responsabilidade das companhias de combustíveis fósseis quanto à poluição ambiental corrente e contínua”, acrescentou.

Os juristas argumentam que a escala dos derrames na região do delta esconde uma tragédia humana de proporções extraordinárias, com a poluição ingerida pela população local a ter um impacto grave na saúde e nas taxas de mortalidade humana.

Um relatório da Universidade de St Gallen, na Suíça, sugeriu que houve 11 mil mortes prematuras por ano na área do Delta do Níger. O estudo concluiu ainda que as crianças no Delta do Níger tinham duas vezes mais probabilidade de morrer no seu primeiro mês de vida se as suas mães vivessem perto de uma área afetada por um derrame de petróleo.

A Shell tem argumentado igualmente nos últimos cinco anos que não é responsável pelas ações da sua subsidiária Shell Petroleum Development Company of Nigeria (SPDC) e contesta que as queixas apresentadas pelas populações de Ogale e de Bille possam ter lugar num tribunal de Londres.

O Supremo Tribunal do Reino Unido decidiu contudo em 2022 pela "boa viabilidade do caso" que os nigerianos poderiam apresentar. A Shell mantém a argumentação de não poder ser responsabilizada enquanto empresa-mãe.
Consequências ambientais
O processo apresentado exige também indemnizações devido à alegada perda de propriedades comunitárias, em benefício de todas as pessoas forçadas a viver no meio de uma poluição crónica. Potencialmente são abrangidas 40 mil pessoas da área agrícola de Ogale e 13 mil da zona piscatória de Bille, que habitam num grupo de ilhas na floresta de mangal do Delta do Níger.

O curso de água que é a maior fonte de abastecimento em Ogale, para a agricultura, pesca e consumo, tem sido gravemente poluído devido a contaminação petrolífera, refere a queixa.

A poluição, argumentam, matou o peixe, tornou a água imbebível e arruinou as terras de cultivo. A maioria da água proveniente de poços e furos traz um forte cheiro a petróleo e apresenta uma cor visivelmente castanha ou coberta com uma superfície oleosa, acrescenta.

Já em Bille, os derrames dos equipamentos da Shell provocaram uma contaminação massiva dos rios em torno da comunidade, de acordo com a queixa apresentada. Muitas pessoas habitam perto da água e o odor do petróleo é percetível nas suas habitações. Quando a maré sobre a água oleosa chega às soleiras das casas, causando estragos aos seus bens dos habitantes.

Os derrames também destruíram vastas áreas da floresta de mangal e mataram a maioria dos peixes e do marisco nos rios, deixando a população de Bille sem fonte de alimento nem rendimento.

A queixa apresentada no Supremo Tribunal sustenta que a Shell e a sua subsidiária SPDC estavam ao corrente dos derrames sistemáticos dos seus oleodutos ao longo de muitos anos, sem assumir as providencias necessárias para os impedir nem limpar e reparar os danos provocados.
O caso de Oganiland
A Sheel opera no Nigeria há 86 anos e as suas operações continuam a representar uma parte substancial dos seus lucros. Em 2011, um relatório do Programa das Nações Unidas para o Ambiente revelou o impacto devastador da indústria petrolífera em Ogoniland e estabeleceu recomendações urgentes para a “maior operação de limpeza terrestre da história”.

Os custos estimados da limpeza inicial, ao longo de cinco anos, rondavam os mil milhões de dólares, o equivalente a três por cento dos lucros da Shell em 2022.

Um relatório subscrito por diversas ONG denunciou em 2022 que as populações de Ogoniland ainda estavam à espera de uma limpeza substancial das suas terras.

Um porta-voz da Shell afirmou ao Guardian que a empresa está “convicta dos méritos da sua causa. A maioria dos derrames relacionados com a queixa de Bille e Ogale foram provocados por interferência ilegal de terceiros, incluindo sabotagem de oleodutos, engarrafamento ilegal e outras formas de roubo de petróleo. Também ocorre em grande escala nestas áreas a refinação ilegal de crude roubado, sendo uma grande fonte de poluição petrolífera.”

Ao Guardian, a Shell afirmou que tem realizado operações de limpeza e reparação das áreas afetadas, estando a trabalhar com as autoridades nigerianas para evitar sabotagem, roubo de crude e refinação ilegal, que constituem, afirma, a maior fonte de poluição. Acrescentou que um processo judicial não irá ajudar a encontrar respostas ao problema.
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