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Alterações climáticas. Especialistas defendem moratória internacional para a gestão da radiação solar
A imprevisibilidade das consequências das técnicas utilizadas para travar as alterações climáticas - como a gestão da radiação solar ou a remoção de dióxido de carbono - leva os especialistas do clima a apelarem a uma moratória global para evitar que os esforços que países e empresas fazem para controlar o clima tenham consequências desastrosas para o planeta, avança o The Guardian.
A engenharia climática ou a geoengenharia é altamente controversa, porque ainda se desconhecem os impactos da sua intervenção para mitigar os efeitos adversos do aquecimento global no sistema climático da Terra.
"Há uma discussão internacional crescente sobre a gestão da radiação solar. Mas o perigo é o das consequências não intencionais e das consequências transfronteiriças", afirmou Pascal Lamy, antigo diretor da Organização Mundial do Comércio (OMC), que presidiu à Comissão para a Superação das Alterações Climáticas, em entrevista ao jornal britânico The Guardian.
De acordo com o especialista, os cientistas não podem afirmar se a gestão da radiação solar é segura, e como tal o princípio da precaução deve ser aplicado.
"A geoengenharia, tal como a captura direta de ar, é uma solução tecnológica profundamente incerta que os executivos dos combustíveis fósseis adoram promover para aliviar a pressão sobre o seu negócio principal de venda de petróleo, gás e carvão, que, como cada vez mais pessoas se apercebem, está a causar uma destruição rápida e irreversível da habitabilidade do nosso planeta", alertou Peter Kalmus, cientista climático do Laboratório de Propulsão a Jato da NASA, numa entrevista ao The Guardian.
Peter Kalmus mostrou-se preocupado com a utilização irresponsável e indevida da geoengenharia por parte das elites dos combustíveis fósseis: "Vão usar a geoengenharia como desculpa para continuarem a fazer o que estão a fazer".
Acrescentou que o seu "pior pesadelo é a continuação da expansão dos combustíveis fósseis, acompanhada de geoengenharia solar e de um choque térmico. Isto seria o fim do jogo para a civilização humana e para grande parte da vida na Terra”.
No relatório “Reducing the risks of climate overshoot”, publicado na quinta-feira pela Climate Overshoot Commission, um painel de peritos mundiais defendem que, na ausência de um acordo global em vigor que norteie as ações de cada país e empresas, os governos devem definir uma moratória sobre os esforços da geoengenharia do clima, quando as emissões de gases com efeito de estufa continuam a aumentar e a crise climática se faz sentir em todo o planeta. "Não proponho uma grande conferência internacional - isso levaria muito tempo, de acordo com a minha experiência", afirmou Pascal Lamy.
Deste modo, Kalmus, dizendo que o aumento da temperatura global do planeta “não é inevitável” e “depende do que fizermos”, apela a todos os governos para estabelecerem unilateralmente uma moratória contra os esforços da geoengenharia, em vez de um acordo global.
Também Mark Maslin, professor de ciências do sistema terrestre na University College London, que esteve ausente do painel de apresentação, advertiu para os perigos da geoengenharia: "Os esforços de gestão da radiação solar são experiências perigosas e causarão alterações climáticas imprevisíveis, porque a distribuição da energia solar na Terra é o que cria o nosso clima dinâmico".
Esclarecendo que "reduzir a energia solar numa região irá alterar a forma como a atmosfera e os oceanos movimentam a energia dos trópicos para os pólos de forma imprevisível", acrescentou. Para garantir que nenhum país ou empresa tente "corrigir as alterações climáticas" com "consequências desastrosas", Mark Maslin também defende que é necessária uma forte moratória internacional contra a gestão da radiação solar.
Os especialistas e cientistas da Climate Overshoot Commission concordam que os governos devem promover uma investigação académica – aberta, transparente e partilhada – que permita explorar as possibilidades da geoengenharia.
Apesar do painel ter-se centrado na gestão da radiação solar, também advertiu para a utilização das tecnologias de remoção de dióxido de carbono. Concluindo que os países devem "promover a rápida expansão da remoção de dióxido de carbono de maior qualidade" através da imposição de obrigações às empresas de combustíveis fósseis para começarem a remover e a armazenar uma proporção crescente do carbono que produzem.