Amazónia. Mais de uma centena de povos indígenas está em risco de sobrevivência

por RTP
Foto: FUNAI

São guerreiros, caçadores-recoletores ou nómadas e vivem em comunidades isoladas na Amazónia. Em 2019 foram identificadas pelo menos 185 comunidades, em 2022 o número subiu para 300. A maioria vive em situação de risco por verem o território onde habitam ser engolido pela alegada civilização.

Encurralados por madeireiros, exploradores de diamantes e ouro ou grupos rivais, as comunidades isoladas na Amazónia correm risco de sobrevivência.

O indigenista brasileiro Antenor Vaz, da organização não-governamental Land is Life, elaborou um relatório entregue na ONU, onde catalogou diversas ameaças que as tribos isoladas enfrentam.

Na lista, contam o narcotráfico, a falsificação de documentos sobre o direito à propriedade, a exploração de recursos naturais, obras de infraestrutura, agronegócio e o turismo desordenado.

"Os territórios ocupados por esses grupos estão ameaçadas por grandes projetos governamentais e privados, bem como por ações ilícitas, principalmente em regiões fronteiriças, onde a presença protetora dos Estados é mínima", observa Vaz, citado na BBC.

Brasil, Bolívia, Colômbia, Equador, Paraguai, Peru e Venezuela são os países por onde se distribuem as tribos na América do Sul, mas é em território brasileiro que está identificada a maioria.

Desde 1987, conta Vaz, o Brasil protagonizou uma mudança importante, optando por uma política de 'não contato' – a não ser que fosse extremamente necessário ou que a iniciativa partisse dos próprios grupos isolados.

As tribos, por viverem longe de doenças comuns das cidades, tornam-se mais vulneráveis e por isso passou a prevalecer no Brasil  a decisão do isolamento assim como foi instituído um sistema que garantiria a defesa desse território ocupado pelas tribos, esclareceu Antenor.
Grupo da etnia korubo contatado em 2014; dezenas de membros da comunidade decidiram seguir em isolamento | Foto: FUNAI

Mas, se por um lado o Estado promove diretivas de proteção dos territórios das tribos, por outro dá o aval ao desmatamento de florestas e financia a extração de recursos minerais e construção de estradas e centrais hidroelétricas.

Com a governação do presidente do Brasil, Jair Bolsonaro, o desmatamento da Amazónia atingiu um nível recorde no primeiro semestre de 2022, assim como incentivou a atividade de mineração e agricultura em áreas protegidas.
Última vítima conhecida
Foi encontrado morto em agosto passado um homem que viveu isolado durante 26 anos. Acredita-se que era o último membro que sobrevivera depois de a sua tribo ter sido morta por madeireiros e garimpeiros ilegais no território Tanaru, Brasil, de acordo com a Fundação Nacional do Índio (FUNAI).

Conhecido como "o homem do buraco" foi encontrado numa rede de uma cabana no território indígena Tanaru, no estado de Rondónia, na fronteira com a Bolívia.
Cabana construída pelo indígena | Foto: FUNAI

A FUNAI, agência governamental vinculada ao Ministério da Justiça que trata dos assuntos indígenas veio informar que "Tudo indica que a morte foi por causas naturais". As autoridades observaram que "não havia sinais de violência ou luta".

O "homem do buraco" vivia num território indígena da floresta amazónica brasileira cercado por fazendas de gado e sob constante ameaça de exploradores de minerais e madeireiros ilegais, segundo a organização de direitos humanos Survival International (SI).

Gravação de 2011 feita pela FUNAI durante uma tentativa de contato sem sucesso.

"Com a sua morte, o genocídio desse povo indígena está completo", afirmou Fiona Watson, diretora de investigação da SI à Aljazeera . "Foi realmente um genocídio: a eliminação deliberada de um povo inteiro por fazendeiros famintos de terra e riqueza", acrescentou.

Futuro incerto: "A FUNAI de hoje é pior do que aquela de 1968"
O filósofo Egydio Schwade tem 86 anos e 59 deles são dedicados a denunciar as violações dos direitos dos povos indígenas. Fundador de organizações de defesa das tribos, foi também responsável pela política indigenista do Partido dos Trabalhadores (PT).

Tem testemunhado relatos como aviões que espalhavam um pó venenoso que matou dezenas de habitantes de aldeias indígenas e enfretnara as ações da Ditadura que constituiu a FUNAI. Schwade afirma a FUNAI de Bolsonaro "é pior do que aquela de 1968. É muito pior. Esse governo do [presidente Jair] Bolsonaro simplesmente invade a cabeça dos índios".

Com a campanha eleitoral a ganhar forma, Schwade sublinha: "Sou favorável a que uma indígena fosse vice do Lula". Observador atento da política, o defensor das tribos cobra mais apoio da esquerda e diz querer ver uma mulher indígena concorrer ao cargo de vice-presidente ao lado de Luiz Inácio Lula da Silva (PT).
Foto: João Paulo Machado / Amazônia Real 

Schwade é uma das referências do indigenismo brasileiro e afirma-se um socialista que não deixou de sonhar com uma sociedade de harmonia entre indígenas e não-indígenas: "O capitalismo não vai melhorar, é essencialmente mau. Por isso, eu acho que a questão é que a gente deve realmente começar a ouvir esses povos [indígenas]".

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