Amnistia Internacional. Autoridades russas aumentam repressão em vésperas de eleições

por Andreia Martins - RTP
Protesto de apoiantes de Alexei Navalny em Moscovo, em outubro de 2017 Sergei Karpukhin - Reuters

O relatório da Amnistia Internacional divulgado esta quinta-feira documenta a “violação sistemática” dos direitos dos ativistas políticos na Rússia pelas autoridades, com a tentativa constante de impedir ações de protesto. A organização fala em detenções arbitrárias e condenações a penas de prisão levadas a cabo por motivos políticos. A Amnistia avisa que esta repressão se agravou nas últimas semanas com o aproximar das eleições presidenciais, mas também com o pretexto de preparar o país que vai receber o campeonato do mundo de futebol no próximo mês de junho.

A poucos dias das eleições presidenciais na Rússia, que se realizam no próximo domingo, dia 18 de março, a Amnistia Internacional acusa Moscovo de limitar as liberdades de expressão e de reunião dos ativistas, tendo como alvo preferido aqueles que estão a apelar ao boicote do ato eleitoral. A ideia de boicotar as eleições tem sido defendida de forma clara por Alexei Navalny, o principal opositor do Presidente russo, que foi impedido de se candidatar.

“Esta campanha eleitoral está a ser marcada por ataques generalizados contra críticos do Presidente Putin. As represálias que visam intimidar ativistas da oposição para que mantenham em silêncio estão a tornar-se cada vez mais brutais à medida que o dia do voto se aproxima”, refere Denis Krvosheev, responsável da Amnistia Internacional na Europa de Leste e Ásia Central.

Segundo este documento, a repressão atingiu recentemente algumas das vozes mais proeminentes da oposição a Vladimir Putin. Estes elementos foram detidos “arbitrariamente” e foram acusados de crimes “politicamente motivados”.

Nesses processos, as autoridades policiais “demonstram ter pouca tolerância para qualquer protesto que os desafie diretamente ou proclame visões que não apoiam”, aponta o relatório.

“A agenda do Kremlin é clara. Os manifestantes mais se fazem ouvir e que estão a boicotar o voto devem ser retirados das ruas nos momentos finais da campanha presidencial”, acrescenta o responsável Denis Krvosheev.

O relatório divulgado esta quinta-feira assinala ainda que a liberdade de reunião pacífica é desde 2012 um direito “cada vez mais ameaçado” e dá como exemplo os casos de Leonid Volkov e Denis Mikhalov – dois ativistas diretamente ligados a Alexei Navalny, sendo que o primeiro está detido deste 22 de fevereiro e o segundo foi detido por 30 dias e recebeu uma pena de prisão por mais 25 dias a 2 de março - e ainda Andrei Pivovarov e Artyon Goncharenko – ambos condenados a 25 dias de prisão.

Segundo a Amnistia Internacional, as autoridades russas introduziram restrições mais severas no controlo de protestos, usando como justificação a realização da Taça das Confederações, que decorreu em 2017, e o campeonato do mundo de futebol, que começa em junho próximo.

“A Taça das Confederações em 2017 e o campeonato do mundo, que se realiza este ano, são eventos que estão a ser usados pelas autoridades russas como uma desculpa para introduzir restrições mais severas”, refere o relatório. As mesmas restrições “temporárias” foram desde logo colocadas em prática por ocasião dos Jogos Olímpicos de Inverno em Sochi, há quatro anos, aponta o relatório.

Julgamentos "injustos"
A apenas três dias das eleições presidenciais na Rússia, a Amnistia Internacional assinala que vários protestos pacíficos realizados nos últimos meses têm sido tratados com a violação dos direitos dos manifestantes. Uso excessivo de força pela polícia, detenções arbitrárias, sentenças políticas e multas pesadas são alguns dos métodos de resposta usados.

O texto agora apresentado tem por base a observação direta de ações de protesto realizadas na Rússia entre 2017 e 2018, entrevistas com manifestantes, ativistas, jornalistas, investigadores, advogados e defensores dos Direitos Humanos. Este relatório faz também referência a um relatório publicado pela Amnistia Internacional em 2014 (A right, not a crime: Violations of the right to freedom of assembly in Russia).

Outros problemas que os manifestantes encontram prendem-se, segundo a Amnistia Internacional, com a dificuldade de submeter perante as autoridades um requerimento para levar a cabo uma ação de protesto ou um evento, a que são obrigados por lei.

A legislação permite às autoridades que neguem a permissão com base em quem organiza o evento ou no local escolhido. Mas segundo o relatório, grande parte dos pedidos recebidos não merecem sequer uma resposta. Quando respondem, é geralmente negada a autorização para levar a cabo os protestos com linguagem “vaga, incompreensível, legalmente duvidosa e até mesmo na fronteira do absurdo”.

O relatório foca com especial atenção as recentes manifestações de 26 de março e 12 de junho de 2017, onde foram detidos entre 1.675 e 1.769 manifestantes foram detidos em várias cidades russas, incluindo Moscovo e São Petersburgo. Segundo a Amnistia, a esmagadora maioria participava pacificamente nas manifestações, mas foram detidos com recurso ao uso de força pelas autoridades.

A organização refere ainda várias situações de injustiça para com os manifestantes acusados em situações de julgamento. Em muitos casos, os acusados não são sequer ouvidos nem as suas testemunhas, ou negam-lhes a possibilidade de falar com os advogados.
Polícias gozam de “impunidade”
A Amnistia Internacional assinala que os agentes policiais gozam cada vez de maior autonomia e de impunidade, sem que tenham sido feitas alterações legislativas significativas sobre a sua atuação. Destaca também a criação, em 2016, de uma nova autoridade, a Rosgvardia (Guardas Nacionais da Federação Russa), com cerca de 160 mil homens, e que já foi mobilizada para fazer face aos protestos.

“Os agentes da Rosgvardia têm poder de terminar um protesto público, prender e entregar pessoas à polícia”, refere o documento. Sem números ou nomes de identificação, os agentes desta nova força policial carecem de reconhecimento perante eventual apresentação de queixa por parte dos cidadãos.

No seguimento dos maiores protestos realizados no ano de 2017, as autoridades russas pressionaram vários manifestantes e membros da oposição, com casos de despedimentos, expulsão de instituições de ensino e intimidações.

A Amnistia Internacional assinala ainda a censura deliberada da informação publicada online sobre ações de protesto, para além do controlo efetivo que as autoridades já detêm entre os media tradicionais, que raramente as noticiam.

Recorrendo aos dados dos Repórteres sem Fronteiras, a Amnistia assinala que pelo menos 14 jornalistas que romperam com as práticas dos media estatais foram detidos após os protestos de 26 de março de 2017, incluindo um repórter do jornal The Guardian.
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