"Amordaçar" os media. Jornalistas afegãs manifestam-se contra novas medidas impostas pelos talibãs

por Mariana Ribeiro Soares - RTP
Zohra Bensemra - Reuters

O Governo talibã deu esta semana novas diretrizes às estações de televisão afegãs que passam pelo uso do véu islâmico por parte das mulheres jornalistas e pela interrupção da transmissão de séries e novelas com a participação feminina. As jornalistas têm-se expressado contra estas novas instruções, que consideram ser mais uma forma de repressão sobre as mulheres. Jornalistas e ONG temem ainda que este seja o início de um “amordaçamento” progressivo dos meios de comunicação no Afeganistão.

Os talibãs, que assumiram o controlo do Afeganistão em agosto, instaram as emissoras televisivas a pararem de exibir novelas e séries em que as mulheres sejam protagonistas, como parte das novas “diretrizes religiosas” anunciadas no domingo.

O Ministério da Promoção da Virtude e Prevenção do Vício do Governo esclareceu ainda que as novas diretrizes são também para que as televisões garantam que as jornalistas usam "o véu islâmico", sem especificar se se trata de um simples lenço na cabeça, já habitualmente usado na televisão afegã, ou um véu mais completo.

"Estas não são regras, mas orientações religiosas", disse o porta-voz do Ministério, Hakif Mohajir, citado pela France-Presse. No entanto, ativistas temem que estas “diretrizes” sejam usadas como uma nova forma de reprimir as mulheres jornalistas, muitas das quais já fugiram do país após a tomada de posse dos talibãs.

A organização internacional Human Rights Watch (HRW) diz que estas novas diretrizes “e as ameaças contra jornalistas refletem esforços mais amplos para silenciar todas as críticas ao Governo dos talibãs”. “O desaparecimento de qualquer espaço para dissidências e o agravamento das restrições para as mulheres nos media é devastador”, declarou Patricia Gossman, da HRW para a Ásia.

“Toda a media está sob o controlo dos talibãs”, disse Zahra Nabi, jornalista que fundou um canal de televisão feminino, à Al Jazeera.

O canal televisivo de Nabi, administrado por 50 mulheres, era um símbolo da conquista do sexo feminino nos 20 anos em que os talibãs estiveram afastados do Governo. Durante essas duas décadas, de 2001 a 2021, o setor dos media explodiu, com o surgimento de dezenas de rádios e canais de televisão privados.

Às mulheres foram dadas novas oportunidades, dado que estiveram privadas de trabalhar ou estudar sob o regime talibã na década de 90. Hoje, apesar de os talibãs terem tentado mostrar uma postura mais moderada e de terem procurado assumir que os direitos das mulheres seriam assegurados, muitas mulheres ainda não foram autorizadas a regressarem aos seus postos de trabalho nos serviços públicos e as aulas para as meninas nas escolas, bem como nas faculdades, ainda não reabriram em grande parte do país.

“Trabalhamos num ambiente muito difícil. É muito difícil para as mulheres”, disse Nabi, que permanece focada em continuar a fazer o seu trabalho de jornalista, apesar de a grande maioria da sua equipa ter saído e de o seu canal ter saído do ar.
“Amordaçar” os media
Sonia Ahmadyar, uma jornalista que perdeu o emprego em agosto, diz que os talibãs estão a caminhar lentamente para o objetivo de “amordaçar os media”. Dia após dia, os talibãs estão a impor restrições às mulheres “para não as deixarem ser ativas”, afirmou Ahmadyar à Al Jazeera.

As mulheres “realmente sentem-se desencorajadas de aparecer na TV”, acrescentou a jornalista, afirmando que os talibãs lhe roubaram a “liberdade” e também a autonomia financeira.

Sob condição de anonimato, um jornalista afegão no exílio disse à agência France-Presse (AFP) que olha para as novas diretrizes dos talibãs como “o primeiro passo para a proibição de todos os canais televisivos, como nos anos 90”.

Os talibãs, por sua vez, negam qualquer censura, mas nas suas declarações têm vindo a dirigir críticas à imprensa. No domingo, Qari Abdul Sattar Saeed, assessor de imprensa do primeiro-ministro talibã, apelidou no Twitter os media de transmissores de "propaganda" do "inimigo".

Até agora "tivemos muita paciência" em tolerar "a maior parte da propaganda espalhada por todos", disse Sattar Saeed. "Mas eles não podem ser perdoados ou tolerados. Eles devem ser tratados como merecem, com severidade”, acrescentou.

Durante o seu primeiro reinado, de 1996 a 2001, os talibãs baniram a televisão e todas as formas de entretenimento consideradas imorais. Agora, com o regresso do grupo extremista islâmico ao poder, muitos meios de comunicação foram forçados a fechar portas após a fuga do país dos seus jornalistas e o fim da ajuda monetária internacional.


Entre os jornalistas que não fugiram e permaneceram no Afeganistão, alguns deixaram de trabalhar, desde logo as mulheres, e outros foram espancados ou presos, incluindo aqueles que cobriam os protestos “não autorizados” de mulheres contra o novo Governo.

De acordo com a HRW, muitos outros jornalistas vivem com medo porque recebem ameaças dos talibãs ou são obrigados a publicar apenas informações que lhes sejam favoráveis.

c/agências
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