Apesar da pandemia, dióxido de carbono na atmosfera atinge máximos

por Inês Moreira Santos - RTP
Carlos Garcia Rawlins - Reuters

Em 2020, quando a pandemia começou e grande parte dos países impôs confinamentos e restrições, as emissões de gases de efeito de estufa diminuíram. Mas, apesar da drástica redução das deslocações e das atividades económicas nos últimos meses, a quantidade de dióxido de carbono na atmosfera terrestre atingiu o nível mais alto alguma vez registado, no passado mês de maio. Segundo a agência norte-americana para a Atmosfera e o Oceano, a concentração de CO2 na atmosfera já excede em 50 por cento os níveis pré-industriais.

"O dióxido de carbono atmosférico, medido no Observatório de Linha de Base Atmosférica de Mauna Loa da NOAA, atingiu o pico em maio de 2021 com uma média mensal de 419 partes por milhão (ppm), o nível mais alto desde que se iniciaram medições precisas há 63 anos", divulgou na segunda-feira a agência dos EUA para a Atmosfera e o Oceano (NOAA, na sigla em inglês).

O relatório revela, portanto, que enquanto os níveis de dióxido de carbono na atmosfera atingiram 417 ppm (número de moléculas de CO2 por milhão de moléculas de ar seco) em maio do ano passado, este ano, no período homólogo a média foi de 419,13 ppm, estando a concentração global deste gás com efeito de estufa 50 por cento mais elevado do que no inicío da Era Industrial, quando se situava nas 280 ppm.

A Scripps, que calcula os números de uma forma relativamente diferente, baseados no tempo e em médias, estima que o pico de maio foi de 418,9 ppm.

Embora elevados, estes valores calculados pelas duas intituições beneficiaram das contenções socioeonómicas determinados pelo combate à pandemia, que reduziram viagens, transportes e outra atividade.

"Enquanto que o aumento anual de 1,8 ppm de CO2 em maio foi um pouco inferior ao dos anos anteriores, as medições de CO2 em Mauna Loa para os primeiros cinco meses de 2021 mostraram um aumento de 2,3 ppm comparativamente aos mesmos cinco meses de 2020, próximo ao aumento médio anual entre 2010 e 2019", refere ainda o relatório. "Não há um sinal perceptível nos dados de uma perturbação económica global causada pela pandemia".

Os cientistas da NOAA e da Instituição de Oceanografia Scripps, da Universidade da Califórnia, salientaram ainda que a velocidade média de aumento é a mais rápida de sempre. Segundo os investigadores, estas descobertas, baseadas nos dados relativos à quantidade de dióxido de carbono no ar do Observatório Climático da NOAA em Mauna Loa no Havai, revela que é a taxa a mais alta desde o início das medições, há 63 anos.

Estes níveis de CO2 na atmosfera foram atingidos antes de a vida vegetal no Hemisfério Norte florescer, o que pode permitir que a absorção de parte desse dióxido de carbono seja feita pelas flores, folhas, sementes e caules. No entanto, as emissões de CO2 resultantes da queima de carvão, petróleo e gás natural para transportes e eletricidade excedem a capacidade de absorção das plantas, o que coloca os níveis deste gás com efeito de estufa em valores recorde, ano após ano.

"Alcançar um nível de dióxido de carbono 50 por cento acima do pré-industrial é realmente estabelecer uma nova referência, mas não uma boa", considerou Natalie Mahowald, cientista climática da Universidade de Cornell.

"Se queremos evitar as piores consequências das alterações climáticas, precisamos de trabalhar muito mais para reduzir as emissões de dióxido de carbono, e já".
O aquecimento global para além de elevar as temperaturas globais, torna os eventos climáticos extremos, como tempestades, incêndios, inundações e secas, piores e mais frequentes e provoca a subida do nível do mar, que também fica mais ácido. Além disso, pode gerar também a problemas de saúde nas populações, incluindo mortes devido ao calor, e ao aumento de alergias.

A concentração de CO2 é monitorizada também na montanha de Mauna Loa, no Havai, na Instituição de Oceanografia Scripps, da Universidade da Califórnia, em San Diego. Este controlo foi criado por Charles Keeling, em 1958, o que deu origem à famosa Curva de Keeling, e é hoje continuado designadamente pelo seu filho, o geoquímico Ralph Keeling.
"Prioridade deve ser reduzir a poluição de CO2 a zero"
Uma vez que o dióxido de carbono é uma dos principais fatores para as alterações climáticass, os dados divulgados no relatório da NOAA mostram que reduzir combustíveis fósseis, o desmatamento e as emissões de carbono devem ser prioridade para evitar consequências catastróficas no planeta.

De acordo com Pieter Tans, investigador no Laboratório de Monitorização Global da NOAA, o CO2 é de longe o gás de efeito estufa mais abundante na ação humana e mantém-se na atmosfera e nos oceanos durante milhares de anos após ser emitido.

"Estamos a adicionar cerca de 40 mil milhões de toneladas métricas de poluição por CO2 à atmosfera por ano", escreveu no relatório. "Isto é uma montanha de carbono que extraímos da Terra, queimamos e emitimos para atmosfera como CO2, ano após ano".

"Se quisermos evitar alterações climáticas catastróficas, a maior prioridade deve ser reduzir a poluição de CO2 a zero o mais cedo possível".
Como explicam os cientistas, a poluição por dióxido de carbono é gerada pelas emissões de combustíveis fósseis, usados em transportes, na produção de eletricidade, na industria, no desmatamento e até na agricultura. À semalhança de outros gases de efeito estufa, o CO2 retém o calor que sai da superfície do planeta que, de outra forma, acabaria por ser libertado para o espaço, fazendo com que a atmosfera continue a aquecer.

Neste momento, média do aumento das ppm do CO2, considerando um período de referência de dez anos, alcançou um máximo de 2,4 ppm por ano.

"Um aumento destes do dióxido de carbono em poucas décadas é extremamente raro", salientou Tans. "Por exemplo, quando a Terra saiu da última idade de gelo, o dióxido de carbono subiu cerca de 80 ppm, o que precisou de seis mil anos. Nós tivemos uma subida muito maior nas recentes décadas", disse.

Em termos comparativos, foram precisos apenas 42 anos, de 1979 to 2021, para aumentar o CO2 naquela mesma quantidade.

Segundo a Administração Oceânica e Atmosférica Nacional dos EUA, o motivo é complexo. As emissões globais diminuíra cerca de 6,4 por cento em 2020, mas dada a variabilidade sazonal e natural, estas reduções não teriam um grande impacto no nível global de emissões de carbono. Mesmo tendo reduzido as emissões de gases de efeito de estufa, os incêndios florestais, por exemplo, libertam também dióxido de carbono para a atmosfera - talvez até numa taxa semelhante à redução das emissões do impacto da suspensão de atividades devido à pandemia.

"O controlo do CO2 atmosférico é feito a partir das emissões de combustíveis fósseis", explicou o geoquímico Ralph Keeling, cujo pai começou a colher dados no local de Mauna Loa, para a NOAA. "Mas ainda temos um longo caminho a percorrer para conter o aumento, visto que a cada ano mais CO2 se acumula na atmosfera".

"Precisamos de reduções muito maiores e mais sustentadas por mais tempo do que as paralisações devido à Covid-19 em 2020".
Para cumprir as metas dos acordos climáticos de Paris e manter o aumento da temperatura e cerca de 1,5°C, um relatório do Programa Ambiental das Nações Unidas concluiu que os países precisam de reduzir as suas emissões globais em 7,6 por cento a cada ano, durante a próxima década.

"O mundo está a aproximar-se do ponto onde a ultrapassagem dos objetivos de Paris e a entrada em uma zona climática perigosa se tornam inevitáveis", preveniu Michael Oppenheimer, climatólogo na Universidade de Princeton.

Os atuais níveis atmosféricos de CO2 são comparáveis ao período do Plioceno, há mais de quatro milhões de anos, quando a média de dióxido de carbono era cerca de 400 ppm, o nível do mar era mais alto do que agora, a temperatura média era sete graus Fahrenheit mais alta do que nos tempos pré-industriais, e segundo vários estudos, havia grandes florestas na regiãos do Ártico que agora são tundra.

Como mostram as medições de Mauna Loa, apesar do Acordo de Paris e de décadas de negociação, a comunidade internacional não está a ser capaz de reduzir significativamente, e muito menos de reverter, os aumentos anuais nos níveis de dióxido de carbono atmosférico .

"A solução está bem diante dos nossos olhos", rematou Tans. "A energia solar e eólica já são mais baratas do que os combustíveis fósseis e funcionam na escala necessária. Se agirmos de verdade em breve, ainda podemos evitar uma alteraçõa climática catastrófica".
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