Aquecimento global pode levar a uma epidemia de doença renal

por Cristina Sambado - RTP

A doença renal crónica associada ao stress provocado pelo calor pode vir a tornar-se uma grande epidemia de saúde para milhões de trabalhadores em todo o mundo, se as temperaturas globais continuarem aumentar nas próximas décadas.

Especialistas ouvidos pelo The Guardian pedem mais estudos urgentes entre o calor e CHDu – doença renal crónica de causa incerta – para avaliar a escala potencial da situação.

Ao contrário da doença renal crónica (DRC), que é uma perda progressiva da função renal amplamente observada entre idosos e pessoas que sofrem de outras doenças, como diabetes e hipertensão, estão a surgir epidemias de DRC em regiões rurais com temperaturas elevadas
em países como El Salvador e Nicarágua, onde um elevado número de trabalhadores rurais começou a falecer de insuficiência renal irreversível.

Têm surgido também casos de CKDu em pessoas que realizam trabalhos manuais pesados em zonas quentes noutras partes o continente americano, Médio Oriente, África e Índia. Os rins são os responsáveis pelo equilíbrio de fluídos no corpo, o que os torna particularmente sensíveis a temperaturas extremas. Há um consenso emergente de que o CKDu deve ser reconhecido como uma lesão relacionada com o calor, em que os trabalhadores desenvolvem danos sutis nos rins todos os dias enquanto estão nos campos agrícolas. O que por sua vez, pode evoluir para doença renal grave ou insuficiência renal crónica ao longo do tempo.

Este ataque aos rins nem sempre vem acompanhado por sintomas, o que pode provocar que os trabalhadores acabem com uma doença renal crónica em estágio terminal.

Para Tord Kjellstrom, do centro nacional de epidemiologia e saúde da população da Universidade da Austrália, o stress causado pelo calor não está a receber a atenção necessária nos debates sobre como mitigar os primeiros efeitos da emergência climática.

“À medida que aumenta o número e a intensidade dos dias quentes, cada vez mais pessoas que trabalham enfrentarão desafios ainda maiores para evitar o stress causado pelo calor, particularmente dois terços da população global que vive em áreas tropicais e subtropicais. A exaustão pelo calor ameaça a subsistência de milhões de pessoas e prejudica os esforços para reduzir a pobreza”, realça.

O aquecimento global é uma séria amaça à vida dos trabalhadores e o sustento de milhões de pessoas. As políticas emergentes sobre o clima devem levar isso em consideração se quisermos ter alguma possibilidade de enfrentar o que está para vir”, alerta Tord Kjellstrom.

Segundo a médica Cecilia Sorensen, diretora do consórcio global dobre o clima e educação em saúde da Universidade de Columbia, “não temos ideia de qual é a extenção do problema porque não o estamos a vigiar”.

Existem algumas regiões que são claramente pontos críticos, mas em termos da sua prevalência e quão sério é o problema, eu acho que ainda não começamos a envolver-nos nisso”, acrescentou. No entanto, as epidemias documentadas apresentam características semelhantes. Os afetados tendem a ser pessoas que trabalham em condições de calor ao livre e vêm de ambientes desproporcionalmente vulneráveis – social e economicamente – com acesso limitado a cuidados médicos ou seguro, ou vivem em áreas com fracas infraestruturas de saúde.

Segundo Cecilia Sorensen, “de acordo com os dados atuais, parece que a gravidade renal piora quento mais vulnerável e desesperado o trabalhador fica. Os que não têm controlo sobre as suas condições de trabalho ou são incentivados a trabalhar mais horas sem pausas, como os que recebem pelo número de frutas que colhem ou pela quantidade de cana que cortam, são os mais afetados”.

Estão a ficar doentes pelo trabalho que fazem e não têm outras opções. Há pouca supervisão no ambiente de trabalho que impeça que isso aconteça. É uma questão de direitos humanos”, frisa.

Já Ramón García Trabanino, nefrologista e diretor médico do Centro de Hemodiálise de El Salvador, afirmou ao The Guardian que notou pela primeira vez um número incomum de pacientes com DRC no hospital onde trabalha há mais de duas décadas.

Eles eram jovens e estavam a morrer porque não tínhamos dinheiro ou capacidade para fazerem tratamentos de diálise. Fizemos o melhor que podíamos, mas eles continuavam a morrer. E cada vez chegavam mais com os mesmos sintomas”, afirmou.

Ramón García Trabanino está a analisar epidemias semelhantes no México, Nicarágua, Costa Rica e Panamá.

“Se olharmos para as temperaturas máximas na região da América Central, vimos que correspondem às regiões onde estamos a descrever a doença. Em El Salvador e na Nicarágua as taxas de mortalidade são cerca de 10 vezes mais altas do que era de esperar. O número de novos pacientes é impressionante”.

Apesar da visão consensual seja de que o CKDu esteja relacionado ao calor e à desidratação, alguns cientistas acreditam que a exposição a agroquímicos e agentes infeciosos, bem como a composição genética e fatores de risco relacionados à pobreza, desnutrição e outros determinantes socias da saúde, também podem desempenhar um papel.

Richard Johnson, professor de Medicina da Universidade de Colorado afirma: “O que está menos claro é o facto de que o stress térmico recorrente não é apenas um problema nos campos de cana-de-açúcar na Nicarágua. Mesmo nas nossas sociedades, a possibilidade de stress causado pelo calor e a desidratação podem ter um papel na doença renal”.
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