Ártico está a desaparecer como numa "espiral da morte"

por Inês Moreira Santos - RTP
Natalie Thomas - RTP

O Ártico como o conhecemos está a desaparecer a olhos vistos, alertam os cientistas. O degelo das calotas polares está a acontecer mais depressa do que era previsto e, mesmo que se consiga manter o aumento da temperatura global abaixo dos dois graus Celsius, pode não ser suficiente para fazer regredir a descongelação e a desintegração dos blocos de gelo, que ao derreter começam a desarticular a região do Pólo Norte.

No final do mês de julho, 40 por cento da plataforma de gelo Milne, com cerca de quatro mil anos, na extremidade noroeste da Ilha Ellesmere, desintegrou-se e caiu no mar - a última plataforma de gelo totalmente intacta do Canadá deixou de existir nesse momento. Numa outra região mais a norte do Canadá, as calotas polares da Baía de St. Patrick desapareceram completamente, também este verão.

Em agosto deste ano, os cientistas começaram a recear que parte da camada de gelo da Gronelândia possa ter desaparecido de vez. De facto, a quantidade de neve que cai e se forma na região anualmente já não parece ser suficiente para repor a neve e o gelo que derretem durante os meses de verão.

Segundo o Guardian, em 2019 desapareceu uma quantidade recorde de gelo no Ártico, equivalente a um milhão de toneladas métricas por minuto.

A comunidade científica alerta para o facto de o Ártico estar a "desfazer-se" e a desaparecer, mais rápido do que qualquer pessoa poderia imaginar há algumas décadas atrás.

Neste momento, o norte da Sibéria e o Ártico canadiano estão a aquecer três vezes mais rápido do que qualquer outra região do mundo. Na última década, as temperaturas do Ártico aumentaram quase um grau Celsius.

E, se as emissões de gases de efeito estufa não diminuirem, os cientistas prevêem que a região norte do planeta aqueça quatro graus até 2050.
Queda de neve anual já não é suficiente

Na região do Ártico, o gelo sempre derreteu nos meses de verão, mas no inverno voltava a nevar e o gelo "derretido no verão" voltava a congelar. Mas, à medida que o clima muda e as temperaturas globais aumentam, o Ártico começou a perder mais gelo do que o que recupera.

Por exemplo, na Gronelândia a camada de gelo deixou de aumentar, mesmo no inverno quando neva. Antes tinha mais gelo todos os invernos, mas agora começou a perder cerca de 51 mil milhões de toneladas métricas por ano de gelo, que vão parar ao oceano como água derretida e 'icebergs' que ficam a flutuar.

Já em agosto de 2010, como a queda de neve era menor no inverno, a calota polar da Gronelândia começou a ter períodos de degelo nunca antes vistos, a durar 50 dias a mais do que o normal, refere o jornal britânico.

Dez anos depois, em agosto deste ano, após o intenso calor do verão, o gelo marinho do Ártico derreteu até atingir a segunda menor extensão já registada. Ainda assim, os cientistas consideram que mesmo se acabássemos com todas as emissões de gases de efeito estufa agora, o gelo marinho do Ártico ia continuar a derreter durante as próximas décadas.
Gelo marinho e 'icebergs' podem desaparecer em 15 anos
Conhecemos o Ártico, mesmo que apenas em fotografias, por ser o habitat dos ursos polares, das renas e das focas, com uma paisagem branca e gelada e um mar muito procurado pelo bacalhau ou pelo salmão nórdico. Mas a imagem do Pólo Norte que temos hoje vai deixar de existir mais depressa do que julgávamos.

De acordo com um estudo recente da Nature Climate Change, o gelo marinho que durante o verão flutua no Oceano Ártico pode desaparecer completamente até 2035. Até há pouco tempo, a comunidade científica não acreditava que tal acontecesse antes de 2050, mas de facto, este verão as imagens de satélite mostraram o Ártico mais reduzido, na sua segunda menor extenção dos últimos anos.

"Os modelos mais recentes mostram basicamente que não importa o cenário de emissões que estamos a seguir, vamos perder a cobertura de gelo marinho no verão antes da metade do século", disse ao Guardian Julienne Stroeve, investigadora do US National Snow e do Ice Data Center.

"Mesmo se conseguirmos que o aquecimento global seja inferior a 2º C, ainda é o suficiente para perder aquele gelo marinho no verão em apenas alguns anos", continuou.

Em zonas do Canadá, o permafrost (ou pergelissolo, é o tipo de solo encontrado na região do Ártico, constituído por terra, gelo e rochas) está a derreter 70 anos mais cedo do que era previsto.

Na Sibéria, começam a ser visíveis as crateras gigantes que marcam a tundra (solo caracterítico de regiões de baixas temperaturas) à medida que as temperaturas sobem, tendo já chegado aos 38 graus Celsius na cidade de Verkhoyansk em julho deste ano.


Para além do problema do desaparecimento da camada de gelo do Ártico e da trasformação da região, o degelo do permafrost liberta dois gases de efeito estufa na atmosfera: dióxido de carbono e metano - o que agrava o aquecimento global.

E as alterações climáticas parecem funcionar em ciclos interligados. A verdade é que, com o aumento da temperatura, aumentam as possibilidades de haver incêndios, agora também comuns nas zonas mais quentes e secas que o degelo deixou a descoberto no Ártico. Nos últimos verões, registaram-se grandes incêncios na tundra da Suécia, no Alasca e na Rússia, tendo sido devastada grande parte da vegetação nativa.
'Catástrofe' do degelo é oportunidade para alguns

Embora os alertas constantes da comunidade científica mostrem que, para salvar o planeta, temos de abrandar com os gases de efeito de estufa e muitas das nossas rotinas prejudiciais, há quem consiga ter algumas vantagens com a "catástrofe" global.

O degelo tornou abundantes os depósitos minerais e as reservas de petróleo e de gás. A China, por exemplo, está a investir na Rota do Mar do Norte, com cada vez menos gelo no norte da Rússia - o que facilita e reduz o tempo de viagem dos navios entre o Oriente e a Europa.

na Gronelândia, à medida que o gelo vai derretendo começam a ser desenterradas reservas de urânio, zinco, ouro, ferro e elementos raros destas regiões. Aliás, em 2019 Donald Trump afirmou que queria "comprar" a Gronelândia à Dinamarca. Até aí o Ártico nunca tinha tido tanta relevância a nível político.

Mas também, na última década, o turismo disparou nestas zonas, o que alguns especialistas consideram que é a procura da "última oportunidade" de ver as regiões nórdicas antes de "desaparecerem" como as conhecemos hoje.

Travar o aquecimento global e o degelo no Ártico requeria uma enorme redução na emissão de combustíveis fósseis, mas as sociedades fizeram poucos progressos nesse sentido, embora tenham sido alertadas para a urgência das mudanças de comportamentos.

Além disso, há muitos gases de efeito de estufa na atmosfera que levam anos para se dissolver, ou seja, levaria anos a estabilizar as temperaturas mesmo que suspendêssemos já hoje todas emissões poluentes.
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