As palavras que custaram a vida ao jornalista saudita Jamal Khashoggi

por RTP
Murad Sezer, Reuters

Jamal Khashoggi desapareceu dentro do Consulado saudita em Istambul. Der Spiegel republicou hoje um artigo em que se confessa entusiasta da "Primavera árabe". Essa confissão pode ter-lhe custado a vida.

No artigo publicado em Der Spiegel, Khashoggi recorda que começou por ser intimado a publicar artigos críticos nos jornais sauditas al Watan e Al Hayat, e também a suspender as suas publicações no Twitter, em que criticava o apoio do príncipe saudita Mohamed bin Salman (conhecido como MBS) ao presidente norte-americano Donald Trump.

O jornalista declara que começou por inclinar-se perante as advertências recebidas, até porque, explica, "desde que Mohamed bin Salman se tornou príncipe real as retaliações por qualquer crítica seguem-se imediatamente". E dá como exemplo a vaga de prisões nos círculos da dinastia saudita e também de 70 conhecidos intelectuais, homens de negócios e líderes espirituais, alguns apenas por preconizarem reformas, como a de as mulheres poderem conduzir.

Khashoggi diz que a margem de liberdade que antes existia tem vindo a reduzir-se e que o Governo desencadeou uma campanha online apelando à delacção mútua dos cidadãos, que lhe sirva para criar uma lista negra dos críticos do regime.

O jornalista relata as suas conversas com partidários da dinastia saudita, que habitualmente o incitavam a aceitar a vaga de prisões como "o preço necessário para o grande objectivo: reforma e bem estar". E questiona: "Terei mesmo de ver amigos a serem presos sem terem feito nada mais do que dizerem o que pensam? Terei mesmo de achar bom e nobre tudo, sem excepção, o que faz o nosso governo? Em que tempo queremos nós viver - no século XXI ou no século XVII?"

Finalmente, recorda como a "Primavera árabe" foi desencadeada na Tunísia por um jovem vendedor de legumes, que se imolou pelo fogo , num país onde os jovens exigiam empregos, mas também queriam ser ouvidos. E confessa-se admirador de Angela Merkel, mas não de Xi Jinping, que garante empregos, mas não liberdade de expressão.

Dá ainda vários exemplos de favorecimento e de nepotismo por parte do príncipe MBS, e acrescenta: "Quero travar o extremismo - mas não quero substituir os fanáticos religiosos por fascitas, que louvem as virtudes do 'grande chefe' e oprimam qualquer opinião desviante".

E conclui com a frase que pode ter-lhe sido fatal: "Temos de assumir o espírito da Primavera árabe, em vez de combatê-lo".
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