Assassínio de político alemão. Neonazi confessa mas investigação prossegue

por RTP
Apesar da confissão, as autoridades responsáveis pela investigação procuram cúmplices no movimento neonazi. Reuters

Mais de três semanas decorridas sobre o assassínio do político democrata-cristão Walter Lübke, o suspeito em prisão preventiva, Stephan Ernst, confessou a autoria, mas continua a sustentar que agiu individualmente. As autoridades responsáveis pela investigação não estão convencidas e procuram cúmplices no movimento neonazi.

Walter Lübke, presidente do Governo regional de Kassel desde 2009, fora encontrado morto a tiro no terraço da sua residência em 2 de junho passado, na localidade de Wolfhagen-Istha.
Uma confissão incompleta?
Segundo Der Spiegel, Stephan Ernst tinha pedido a diversos colegas de trabalho que testemunhassem tê-lo visto noutro lugar, na noite do crime - ou seja, que lhe fornecessem um falso alibi. Outra precaução que tomou nessa noite, foi a de desligar durante várias horas o seu telemóvel, para impedir que fossem reconstituídos os trajectos feitos então.

Embora não tenha resistido à tentação de agitar na internet em prol de acções terroristas, Ernst tomara, também aí, a precaução de criar um nome de utilizador supostamente não identificável. Agora confessou que, sob o nome "Game over", publicara textos anunciando um "contraataque" e profetizando que, "ou este Governo se demite em breve, ou vai haver mortos".

Na sua confissão, que hoje chegou ao conhecimento do público, Stephan Ernst explicou o assassínio de Lübcke como resposta a declarações que o político democrata-cristão emitira em outubro de 2015, num debate em Lohfelden, no Land de Hessen. Aí dissera Lübcke é preciso assumir valores humanitários no acolhimento dos refugiados, acrescentando: "E quem não gostar desses valores, pode sempre ir-se embora desta país, se não estiver de acordo. Esse é um direito de qualquer alemão".

O agora assassino confesso estava presente naquele debate público e assistiu à intervenção de Lübcke, mas na confissão agora assinada continua a negar que tenha agido em conluio com outras pessoas. As autoridades responsáveis pela investigação desconfiam da veracidade desta negação, tal como desde cedo desconfiaram da obstinada negação da autoria do crime - só agora abandonada pelo suspeito, ao ser confrontado com várias provas circunstanciais e com vestígios de ADN deixados no local do homicídio.

Stephan Ernst é um cadastrado que já tem outras condenações anteriores por agressões com motivação neonazi, mas o presidente do Serviço Federal de Defesa da Constituição, Thomas Haldenwang,  admite que desde 2009 essa polícia deixara de vigiar atentamente. Ernst tinha entretanto um emprego e uma família e, aos seus vizinhos que não lhe conheciam os antecedentes, parecia um cidadão insuspeito.

A Comissão do Parlamento Federal para a segurança interna tem estado reunida em Berlim e foi palco de uma discussão entre o presidente da Polícia Criminal, Holger Münch, e o deputado social-democrata Burkhard Lischka: enquanto Münch negou que o crime reflicta um agravamento das ameaças à segurança, Lischka afirmou que se mostrara neste caso um alastramento do terrorismo neonazi, reclamou que o atentado seja encarado como "um ponto de viragem".

Por seu lado, o deputado verde Konstantin von Notz reclamou maior vigilância sobre as organizações terroristas neonazis e uma informação mais precisa às pessoas ameaçadas, embora não conste do relato da reunião que tenha exigido um endurecimento de medidas repressivas.
A vítima estava numa lista negra dos neonazis
A especialista de segurança interna dos Verdes, Irene Mihalic, insistiu na necessidade de esclarecer a que redes neonazis Ernst tinha ligações e sublinhou especialmente a importância de apurar se alguma dessas redes era a NSU.

A NSU foi uma célula terrorista de extrema-direita que durante quase uma década abateu vários pequenos comerciantes, sobretudo turcos, tendo também abatido uma agente da polícia. A investigação policial correu sempre atrás de falsas pistas, nomeadamente a de alegados ajustes de contas dentro da "máfia turca".

Finalmente, dois membros da NSU foram cercados pela polícia depois de um assalto falhado a um banco, tendo sido mortos, aparentemente por suicídio. A cúmplice Beate Zschäpe foi julgada e condenada a prisão perpétua. O carácter acidental do desmantelamento da NSU em 2011 foi visto como mais uma prova da negligência com que fora conduzida a investigação.

Agora, a referência de Mihalic a possíveis ligações de Ernst à NSU não é fortuita, porque Der Spiegel apurou também que o nome de Lübcke, a vítima de Ernst, foi encontrado numa lista com 10.000 nomes e instituições que aquela organização terrorista "observava".

A inclusão de Lübcke na lista negra da NSU não prova, só por si, que essa organização terrorista tenha planeada assassiná-lo, nem que Ernst tivesse alguma ligação à NSU - até porque Lübcke fora alvo de várias ameaças de morte neonazis desde 2015. Mas mostra que a NSU não era tão especializada no assassínio de imigrantes como o seu fim acidental e, por assim dizer, prematuro terá sugerido. Lübcke era um alvo possível num estágio de actividade que a NSU não chegou a atingir.

Entretanto, o ministro federal do Interior, o social-cristão Horst Seehofer, afirmou que prossegue uma intensa investigação sobre o crime. Admitiu além disso que será necessário estudar detalhadamente quais as organizações de extrema-direita que devem ser proibidas, mas recusou dar exemplos concretos.

Quando a imprensa lhe perguntou se tinha algum mensagem específica a este respeito para os seus concidadãos, o líder da ala direita do Governo de Merkel afirmou: "Com a extrema-direita não se estabelecem ligações, nem se lhe ofecere declarações de simpatia". E acrescentou que esta é uma "linha vermelha" que vale para todos os cidadãos.
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