"Atingimos uma situação limite", afirmou Rajoy em Bruxelas

por Graça Andrade Ramos - RTP
Mariano Rajoy durante a conferência de imprensa em Bruxelas no final do Conselho Europeu François Lenoir - Reuters

O primeiro-ministro espanhol prepara-se para anunciar este sábado as medidas para impor o domínio de Madrid sobre a Catalunha, após ter obtido o apoio do Partido Socialista Espanhol, o PSOE, para invocar pela primeira vez o artigo 155 da Constituição espanhola.

"As medidas de amanhã serão acordadas com o PSOE, Ciudadanos e Governo. O objetivo das medidas é regressar ao cumprimento da lei, porque não pode haver uma parte do país onde a lei não existe e não se aplique. E ao mesmo tempo queremos voltar à normalidade", disse Rajoy no final da Cimeira da União Europeia, em Bruxelas.

"Fomos muito prudentes, pensámos muito nas coisas, advertimos e avisámos, mas não se pode aceitar que um Governo não cumpra a lei sabendo que o está a fazer", referiu.

"É complicado quando se faz tábua rasa da lei e do Estado de direito, se ignoram as leis e se fazem referendos sem garantias" referiu Rajoy. "Atingimos uma situação limite", acrescentou, sublinhando que o seu gabinete fez tudo "para não chegar a uma situação difícil".

De acordo com Mariano Rajoy, a forma de agir de Puigdemont tornou-lhe impossível aceitar os resultados do referendo de 1 de outubro, que deu a vitória à independência, apesar de realizado à revelia de Madrid.

O primeiro-ministro espanhol referiu que tentou por todos os meios desbloquear a situação com o presidente do Governo regional catalão, Carles Puigdemont, mas em vão: "Não me deram alternativa".

"Quando se aceita que mandem os radicais sucede o que está a contecer neste momento", defendeu. De fora está, para já, uma alternativa musculada.

"A aplicação do artigo 155 não pressupõe o uso da força. É um instrumento ao abrigo da Constituição e similar ao de outros países europeus. No limite, se for temporal, não está está determinado mas importa recuperar a legalidade institucional", referiu o chefe de Governo.

Rajoy fechou igualmente a porta a um recuo no último momento. "O 155 vai ser invocado amanhã. O Governo fez muitos esforços para que existisse uma saída, pediu apenas uma coisa, um sim ou não a haver uma declaração de independência. Deu um prazo e ainda outro e fui criticado por não agir", recordou.

"Estamos nesta situação porque quiseram aqui chegar e o Conselho de Ministros tomará as medidas para recuperar a legalidade. Não é um problema de áreas, estamos na Europa, há valores e princípios", rematou.

O líder espanhol não invocou oficialmente o assunto da Catalunha na cimeira europeia nem pediu uma declaração conjunta dos seus homólogos sobre o diferendo. Prefere manter esta questão um problema interno.
Apoio europeu
A crise não deixa de preocupar a União Europeia, abalada com a saída da Grã-Bretanha e apreensiva com as ondas de choque causadas pela questão na moeda única, o euro.

Com exceção do primeiro-ministro belga, Charles Michel, devido a um diferendo diplomático com Madrid, o apoio oficioso a Rajoy dos outros líderes europeus terá sido praticamente unânime durante a cimeira, com a chanceler alemã Angela Merkel e o Presidente francês Emmanuel Macron à cabeça.

Foi nesses termos que a questão catalã foi referida, em contraste com o silêncio de Rajoy. "Apoiamos o Governo espanhol", afirmou Macron na quinta-feira, adiantando que os líderes deveriam emitir uma declaração conjunta no final da cimeira.

Terá sido o próprio Governo espanhol a vetar esta iniciativa, de acordo com o jornal El Mundo. O Executivo de Rajoy reconhece que o problema existe, é evidente que a Catalunha ganhou esse foco, mas resiste a dar-lhe mais importância por preferir considerá-lo um assunto interno sobre o qual "não existe nenhum interesse em que seja um assunto formal do Conselho", refere o jornal.

Emmanuel Macron e Mariano Rajoy em animada conversa durante o Conselho Europeu que terminou em Bruxelas dia 20 de outrubro de 2010 Foto: Reuters

O próprio Presidente do Conselho, Donald Tusk, admitiu a sua "preocupação" sobre a Catalunha mas deixou que "não havia espaço para a intervenção" da UE em qualquer mediação sobre o problema, acrescenta El Mundo.

Tusk evitou igualmente comentar a aplicação do artigo 155 da Constituição e sublinhou: "Todos temos as nossas emoções, opiniões e valorações mas formalmente não há espaço para uma intervenção da UE".
Catalães levantam dinheiro
Ao longo de todo o dia de hoje o Executivo espanhol deverá elaborar a proposta a ser apresentada amanhã. Entre as medidas poderá constar a organização de eleições antecipadas, uma prerrogativa do Governo catalão que Madrid poderá chamar a si.

Barcelona não deverá aceitar facilmente tais manobras. O presidente da região, Carles Puigdemont, avisou ontem que o seu Parlamento poderá votar uma declaração unilateral de independência devido a alegada falta de diálogo com o Estado.

Já na manhã desta sexta-feira centenas de catalães protestaram de uma forma inovadora, levantando dinheiro das contas bancárias, de forma a denunciar a "repressão" de Madrid e a transferência das sedes sociais de bancos para fora da região, devido à incerteza e para pressionar o Governo catalão a recuar.

Muitos dos levantamentos em massa são simbólicos. "É uma forma de protesto", referiu à Agência France Presse Roser Cobos, uma advogada de 42 anos que levantou pelas 8h00 1.714 euros, numa referência à data da queda de Barcelona perante as tropas do rei Felipe V.

Catalães fazem fila para levantar dinheiro em vários bancos como forma de protesto Foto: Reuters

Ao invocar o artigo 155 da Constituição espanhola Madrid pretende suspender o Governo regional, assumindo diretamente a gestão da região autónoma. Deverá depois propor a organização de eleições antecipadas a partir de janeiro.
Eleições, o fim "lógico"
Rajoy obteve o apoio do PSOE, o principal partido de oposição, e dos liberais, em nome de um "pacto nacional pela unidade". Os socialistas, os primeiros a referirem-se à eventualidade de eleições antecipadas em janeiro próximo na Catalunha, deverão apoiar medidas especiais para impor à região o Governo central e tirar o tapete aos líderes independentistas catalães.

O apoio do PSOE tem uma única ressalva, limitar ao máximo a intervenção do Estado na questão. "O prestígio do nosso Estado de direito está em jogo", afirmou a líder socialista Carmen Calvo.Está marcada já para sábado uma reunião de emergência do Conselho de Ministros para estudar os meios a que Madrid irá recorrer para restabelecer o controlo central na província. A lista de medidas a apresentar deverá depois ser aprovada pelo Senado em finais de outubro.

Rajoy procurou um consenso o mais alargado possível antes de invocar o artigo 155 pela primeira vez em quatro décadas de democracia espanhola. Apesar da convocação de eleições regionais antecipadas não ter sido oficialmente mencionada para já, essa deverá vir a ser a proposta mais relevante, adiantaram fontes do Executivo.

"O fim lógico do processo seriam novas eleições estabelecidas dentro da lei", referiu Iñigo Mendez de Vigo, porta-voz do Governo, em conferência de imprensa.

As autoridades catalãs têm-se negado a renunciar à possibilidade de declarar a independência, com Carles Puigdemont aapoiar-se nos resultados do referendo de dia 1 de outubro, onde o sim à secessão de Espanha recolheu 90 por cento dos votos.

O referendo não foi reconhecido pelo Governo madrileno, que tentou impedir a sua realização de várias formas. Apenas 43 por centos dos eleitores terão participado na consulta e os opositores à independência terão ficado em casa.
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