Ativistas exortam EUA a não fazer acordos com o Brasil sobre a desflorestação da Amazónia

por Mariana Ribeiro Soares - RTP
Imagem aérea de uma área desflorestada da Amazónia Bruno Kelly - Reuters

A Administração de Joe Biden está a negociar com autoridades britânicas e europeias um acordo, avaliado em 20 mil milhões de dólares, que procura ajudar o Brasil a combater a desflorestação da Amazónia. Ativistas e várias organizações estão a alertar para o perigo deste acordo, defendendo que as soluções para salvar o maior bioma do planeta não podem passar por “negociações com o pior inimigo” e que este acordo apenas servirá para aumentar a popularidade de Bolsonaro.

Durante o primeiro debate presidencial contra o ex-presidente norte-americano Donald Trump, em outubro de 2020, Joe Biden propôs um acordo mundial para que fossem mobilizados 20 mil milhões de dólares para o Brasil, a fim de ajudar o país a combater a desflorestação na Amazónia. Caso tal não fosse cumprido, o atual presidente dos EUA ameaçou o Brasil com sanções económicas.

Tudo indica que este acordo milionário tenha sido o tema em cima da mesa das conversações semanais entre autoridades brasileiras, norte-americanas e europeias, que têm antecedido uma cimeira virtual sobre o aquecimento global marcada para 22 e 23 de abril. O presidente norte-americano convidou 40 líderes mundiais, incluindo o presidente brasileiro Jair Bolsonaro e os chefes de Estado chinês e russo, Xi Jinping e Vladimir Putin, para esta cimeira, onde poderá ser anunciado o acordo.

Perante estas notícias, vários ativistas e organizações estão a alertar para o perigo deste acordo, argumentando que apenas irá servir para impulsionar uma reeleição de Bolsonaro e recompensar a desflorestação da Amazónia, que atingiu os piores níveis desde a chegada ao poder do presidente de extrema-direita.

Esta é a preocupação dos grupos indígenas, ambientalistas e ativistas da sociedade civil, que dizem estar a ser excluídos das negociações sobre o futuro da floresta tropical. No início de abril, cerca de 200 organizações não-governamentais brasileiras e internacionais enviaram uma carta a Biden a exigir a "inclusão da sociedade civil, governos regionais, academia e das populações locais” nas negociações do seu Governo com o Brasil sobre a Amazónia.

No texto, as várias entidades instam a que "nenhum acordo seja considerado" até que a desflorestação da Amazónia seja reduzida até aos índices que determina a Política Nacional de Mudanças Climáticas. Durante os primeiros dois anos do mandato de Bolsonaro, que tomou posse em janeiro de 2019, a área florestal arrasada do mapa atingiu o recorde histórico de 10.700 quilómetros quadrados em 2019, e 9.800 quilómetros quadrados em 2020, os piores números desde 2008.
Ministro do ambiente pede milhões de dólares para combater desflorestação
Ao invés destas organizações, o porta-voz brasileiro presente nestas reuniões com altos funcionários dos EUA é o ministro do Ambiente nomeado por Bolsonaro, Ricardo Salles, envolvido em várias polémicas.

Pela primeira vez, Salles apresentou no início deste mês uma meta para a diminuição da desflorestação no Brasil, mas para tal exige uma moeda de troca. O ministro do Ambiente afirmou que consegue reduzir a destruição da Amazónia até 40 por cento em 12 meses, mas apenas se o país receber um apoio avaliado em mil milhões de dólares. Este será o plano que o ministro deverá apresentar na cimeira virtual. Sem esta verba, Salles afirma que o Brasil não será capaz de se comprometer com uma meta de redução da desflorestação.

Segundo explicou Salles ao jornal Brasileiro Estado de São Paulo, um terço deste montante seria direcionado para a proteção florestal, para “ações de comando e controle”, e dois terços seriam “para ações de desenvolvimento económico, pagamento por serviços ambientais”, para oferecer “alternativas económicas” àqueles que serão fiscalizados nessas regiões, como trabalhadores que dependem da extração de madeira e agricultores.

Este plano foi interpretado como uma forma de canalizar dinheiro para a maior fatia de apoiantes de Bolsonaro: agricultores e grileiros, nome atribuído àqueles que ocupam ilegalmente terras públicas.

“Negociações feitas com o pior inimigo”
Para alertar os EUA para o perigo deste acordo, um conjunto de 199 grupos de sociedade civil publicou, na terça-feira, uma carta endereçada à Casa Branca onde defendem que qualquer acordo com o Governo brasileiro seria equivalente a um apaziguamento.

Não é razoável esperar que as soluções para a Amazónia e para o seu povo venham de negociações feitas a portas fechadas com o seu pior inimigo”, lê-se na carta, citada pelo jornal The Guardian. “O Governo de Bolsonaro tenta a todo o custo legalizar a exploração da Amazónia, causando danos irreversíveis aos nossos territórios, povos e à vida no planeta”, acrescentam.

“O Brasil é importante demais para ficar fora da mesa de negociações”, disse uma fonte familiarizada com as negociações ao jornal britânico. “Muitos na sociedade civil dizem ‘não negoceiem com o Governo brasileiro’. Mas os EUA dizem que precisam de negociar com líderes eleitos porque não podem adiar a discussão sobre a desflorestação por dois ou mais anos”, explica.

À agência Reuters, Cristiane Mazzetti, uma ativista florestal do grupo Greenpeace Brasil, considera que o aumento da desflorestação em março deste ano deve também servir de sinal de alerta para a Administração Biden. “O que já é mau está a piorar”, afirmou Mazzetti, explicando que foi registado um aumento de 12,4 por cento na desflorestação da Amazónia no último mês. “Os dados de março são outra razão pela qual o Governo de Biden não deve assinar um cheque em branco para o Governo de Bolsonaro”, sublinhou a ativista.

Este acordo poderá também vir a ser uma mancha para Biden, que pode estar prestes a negociar um acordo avaliado em milhões de dólares para ajudar na desflorestação com um presidente que já se mostrou favorável à exploração agrícola e mineira da Amazónia, qualificou de "cancro" as ONG ecológicas e acusou ainda as potências estrangeiras de criticarem a sua política ambiental de forma a apoderarem-se dos recursos naturais do Brasil.

Izabella Teixeira, ex-ministra do Ambiente do Brasil, disse a The Guardian que os EUA estão prestes a pagar a um Governo que está a usar o planeta como refém.
“Eles têm de oferecer dinheiro ao Governo de Bolsonaro para que ele não bloqueie as conferências sobre as alterações climáticas”, acrescentou Izabella Teixeira.

A ex-ministra do Ambiente explica que o dinheiro deste acordo e o prestígio de um acordo alcançado a nível internacional podem servir de tábua de salvação para Bolsonaro, que, a um ano das eleições presidenciais, está a lutar contra uma crise de popularidade, em grande parte devido à forma como está a gerir a pandemia da Covid-19. Nos últimos meses, três ministros demitiram-se do Governo e Bolsonaro anunciou uma reforça ministerial.

c/agências
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