Terras protegidas da Amazónia à venda no Facebook

por Cristina Sambado - RTP
Amanda Perobelli - Reuters

Uma investigação da BBC encontrou no Facebook Marketplace dezenas de anúncios em que vendedores negoceiam pedaços da floresta da Amazónia ou áreas recém-desmatadas, que não possuem, por valores que chegam a vários milhões de reais.

As áreas à venda incluem florestas nacionais e terras reservadas aos povos indígenas. Algumas das parcelas têm até mil campos de futebol.

Segundo a lei, é proibido vender áreas que sejam parte das terras indígenas ou áreas de conservação. São zonas de domínio público que se destinam exclusivamente a populações tradicionais. Em declarações à BBC, o Facebook afirmou que “está pronto para trabalhar com as autoridades locais”, mas que não tomará as medidas necessárias para interromper os negócios.

“As nossas políticas comerciais exigem que os compradores e vendedores cumpram as leis e os regulamentos”, acrescentou a rede social.

Alguns dos anúncios apresentam imagens de satélite e coordenadas GPS.

No entanto, o líder de uma das comunidades indígenas afetadas apelou ao Facebook para fazer mais.

Os ativistas alegam que o Governo de Jair Bolsonaro não está disposto a interromper as vendas.

“Os invasores sentem-se muito fortalecidos a ponto de não terem vergonha de entrar no Facebook para fazer negócios ilegais de terras”, acusou Ivaneide Bandeira, responsável pela Organização Não Governamental (ONG) Kanindé.

Muitos dos vendedores admitiram abertamente, à reportagem da BBC, que não possuem o título de propriedade do terreno, o único documento que prova a propriedade da terra.

O desmatamento na Amazónia brasileira está a atingir níveis recordes nos últimos 10 anos, e o Marketplace do Facebook tornou-se um local de referência para vendedores como Fabricio Guimarães, que foi filmado pela equipe de reportagem com uma câmara oculta. Com a terra ilegalmente desmatada e pronta para cultivo, este vendedor triplicou o preço inicial.

“Não há risco de fiscalização por agentes do Estado”, afirmou enquanto andava numa zona da floresta totalmente queimada.

Fabricio não é fazendeiro, tem um emprego estável numa grande cidade e vê a floresta tropical como uma oportunidade de investimento. Quando a BBC o contactou para reagir à investigação, recusou-se a comentar.

A BBC organizou encontros entre quatro vendedores em Rondânia, o Estado mais desmatado da floresta da Amazónia, e um infiltrado da equipa que se fez passar por um advogado representante de um grupo de investidores de São Paulo.

Um dos vendedores, chamado Alvim Souza Alves tentava vender um terreno dentro da reserva indígena Uru Eu Wau Wau, no estado de Rondônia, por cerca de 125 mil reais.

“Lá não há índios [sic]. Estão a cerca de 50 quilómetros do local onde está o meu terreno”, afirmou Alves.

Para ele, como para outros vendedores que a BBC encontrou no Facebook, a Floresta Amazónica tornou-se uma oportunidade de investimento.

Além de uma comunidade de cerca de 209 indígenas Uru Eu Wau Wau, o Governo brasileiro afirma que a reserva também abriga pelo menos outros cinco grupos que não têm contato com o mundo exterior.

A BBC mostrou o anúncio no Facebook a Bitaté Uru Eu Wau Wau, líder da comunidade Uru Eu Wau Wau. "Acho que as autoridades deveriam tomar uma atitude em relação a isso o mais rápido possível. Especialmente [porque está sendo anunciado] na plataforma de rede social mais usada, não só no Brasil, mas em todo o mundo."

Bitaté apelou ainda ao Facebook para tomar providências. "Não conheço essas pessoas. Acho que o objetivo delas é desmatar a terra indígena, desmatar o que está em pé. Para desmatar nossas vidas, pode-se dizer".

Segundo o líder da comunidade Uru Eu Wau Wau, o lote em causa fica numa área usada pela tribo para caçar, pescar e apanhar frutas.
Grilagem
A reportagem revela também como a grilagem- ocupação ilegal de terras públicas - está a avançar na Amazónia.

Na gravação, Alvim Souza Alves, revelou fazer parte de um grupo de outros grileiros que faz lobby com políticos para legalização de terras ocupadas.

Uma estratégia comum entre invasores de áreas protegidas é desmatar o território o máximo possível e, em seguida, pedir aos políticos para abolir o status de área protegida, argumentando que a região já foi transformada e já não serve o seu propósito original. Uma vez que a área perde sua proteção, os grileiros podem comprar oficialmente os lotes do governo, legalizando assim as terras que reivindicam.

Alves acredita que Governo do Presidente Jair Bolsonaro está do lado deles. "Vou falar a verdade: se isso não for resolvido com o Bolsonaro, não vai ser resolvido”.

Alvim Souza Alves levou João Fellet, o repórter da BBC que fez a reportagem, a um encontro com um individuo que descreveu como líder da Associação Curupira. No encontro, os dois homens afirmaram que políticos importantes os ajudavam a marcar reuniões com membros do Governo em Brasília. E acrescentaram que o seu principal aliado é o deputado e coronel Chrisóstomo, membro do Partido Social Liberal, ao qual Jair Bolsonaro pertenceu até 2019 quando fundou o seu próprio partido.

O deputado reconheceu à BBC que ajudou a organizar as reuniões, mas sem saber que o grupo estava envolvido em invasões de terras. “Eles não me disseram. Se eles invadiram terras, não têm mais o meu apoio”. No entanto, não se arrepende de ter agendado os encontros.
A reação governamental
A BBC abordou o ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, que afirmou que: "O Governo do Presidente Jair Bolsonaro sempre deixou claro que tem tolerância zero para qualquer crime, inclusive os ambientais".

O Governo cortou 40 por cento do orçamento de fiscalização do Igama, o órgão responsável pela regulamentação do desmatamento da floresta amazónica.

O Governante considera que a pandemia de Covid-19 no país prejudicou a aplicação da lei na Amazónia e que as autoridades locais também são responsáveis pelo desmatamento.

“Este ano, o Governo criou a operação Brasil Verde II, que visa controlar o desmatamento ilegal, as queimadas e unir esforços entre o Governo federal e os estados”, acrescentou Salles.

Entre agosto de 2019 e julho de 2020, a Amazônia perdeu 11.088 quilómetros quadrados de floresta, a maior taxa desde 2008.


No entanto, Raphael Bevilaquia, procurador federal no Estado da Rondônia, afirma que a situação piorou com o executivo de Bolsonaro. “A situação é realmente desesperadora. O poder executivo está contra nós. É desanimador”.

Já Ivaneide Bandeira, que luta há 30 anos contra o desmatamento da Rondónia, afirma que está a perder a esperança. “Acho que é uma batalha muito difícil. É muito doloroso ver a floresta a ser destruída e a ser reduzida cada vez mais. Nunca, em nenhum outro momento da história, foi tão difícil manter a floresta de pé”.

Por sua vez, o Facebook afirma que tentar deduzir as vendas ilegais é uma tarefa muito complexa e que deverá ser deixada nas mãos do poder judicial local. E não considera que o problema como sério o suficiente para suspender as vendas de terrenos da Amazónia no Marketplace.
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