Austrália. Os quatro fatores que podem baralhar as eleições

por Graça Andrade Ramos - RTP
Eleitores australianos nas eleições federais de 2016 Reuters

A história recente na política repete-se. A Austrália vai a votos este sábado e, mais uma vez, os partidos tradicionais - trabalhistas e conservadores, neste caso - vêem-se perante perda de votos, de confiança e muito provavelmente dependentes de terceiros para conseguir governar. O populismo avança.

No caso australiano, os olhos nestas eleições estarão postos no multimilionário Clive Palmer, uma espécie de versão local de Donald Trump, que faz parecer o original calmo e ponderado.

Palmer procura repetir a façanha de 2013, quando o seu Partido Austrália Unida captou uma série dos 76 lugares do Senado e se tornou incontornável durante alguns meses.

Se o conseguir, Palmer poderá tornar-se (de novo) o fiel da balança na aprovação de nova legislação, já que a Câmara Alta do Parlamento pode bloquear iniciativas do futuro executivo.

De acordo com as sondagens, a coligação Liberal-Nacionalista, conservadora e atualmente no poder, está de saída a favor dos trabalhistas, apesar de alguma recuperação verificada nas últimas semanas dar a eleição como mais renhida do que se previa.
O fator Morrison
O grande obreiro da recuperação dos conservadores é o primeiro-ministro cessante, Scott Morrison, de 51 anos, apoiado por 47 por cento dos eleitores contra 40 por cento do seu rival socialista, Bill Shorten.

Líder desde agosto do ano passado, depois de afastar Malcolm Turnbull, Morrison aposta na sua popularidade e nas alegadas credenciais conservadoras de melhor gestão dos dinheiros públicos, face aos trabalhistas.

Estes têm feito campanha por melhores serviços sociais, à custa do agravamento dos impostos sobre os lucros de investidores e os rendimentos mais elevados, opção muito criticada pelo ainda primeiro-ministro.

"Essa é a escolha destas eleições", afirmou Morrison aos jornalistas. "Uma escolha entre um Governo que entende, aprecia e celebra as aspirações da Austrália... ou um Partido Trabalhista que não consegue gerir o dinheiro e por isso vai atrás do vosso".

Depois da sua campanha, a coligação conservadora recuperou da desvantagem 47 / 53 por cento de há algumas semanas. Na véspera da votação, uma série de sondagens nacionais aponta agora para uma vitória trabalhista por escassos 51 por cento.

O primeiro-ministro australiano, o conservador Scott Morrison, tem uma alta taxade popularidade Foto: Reuters

Nenhum dos maiores partidos deverá obter maioria entre os 151 deputados da Câmara Baixa do Parlamento, mas para conseguir formar Governo, Shorten, de 52 anos, poderá beneficiar das simpatias dos nove deputados que os Verdes deverão eleger.
O fator populista
A baralhar as contas estão o pequeno Partido Austrália Unida, de Clive Palmer, que tem vindo a crescer nas intenções de voto sobretudo em Queensland e no Estado de Vitória, no sul, e o partido anti-imigração, Uma Nação, de Pauline Hanson.

Ambos têm vindo a roubar votos através de apoios aos poderosos setores mineiro e de emprego, em Estados onde o desemprego e o sentimento de abandono por parte dos dois maiores partidos se fazem sentir de forma aguda.

Mais de uma década de quezílias internas e a consequente sucessão de líderes, enfraqueceram também a confiança dos eleitores australianos em ambos os partidos tradicionais.

Muitos destes nem querem ouvir falar de trabalhistas ou conservadores, e deixam-se atrair por quem ecoa as suas queixas e promete soluções diferentes.

"É por isso que somos conhecidos, porque dizemos aquilo que as pessoas pensam", afirma Malcom Roberts, dirigente do Uma Nação. "É por esta razão que as pessoas viram as costas aos dois velhos partidos que fracassaram", acrescenta.

Palmer foi buscar por sua vez o slogan de Trump em 2016 e adaptou-o. "Make Australia Great Again", apelam os seus cartazes e a sua conta Twitter.

O multimilionário investiu desde setembro de 2018 mais de 30 milhões de dólares em publicidade televisiva, na rádio e nos jornais, numa campanha dirigida aos eleitores insatisfeitos, num país onde o voto é obrigatório

Publicidade de página inteira em jornais nacionais, promovendo a plataforma do partido, e outdoors preenchidos com a figura do multimilionário de polegares erguidos, espalham-se por todo o país.

Cartaz de campanha de Clive Palmer às eleições legislativas da Austrália em 2019 Foto: Reuters

Os analistas admitem que Palmer poderá conseguir os seus objetivos. "Há uma forte possibilidade de que ele venha a ser garante do equilíbrio de poder", diz Rohan Miller, da Universidade de Sidney.

"É uma plataforma muito simples. Enquanto os maiores partidos se empenham em campanhas negativas, ele aposta em cores amarelas, brilhantes, prometendo um novo caminho, um regresso aos empregos e à prosperidade", refere.
O fator Palmer
Palmer e o seu partido prometem comboios de alta velocidade a ligar as cidades das costas leste de Sidney e de Brisbane, e um aumento de 20 por cento nas pensões de velhice. Não referem como irão pagar estas propostas.

Conhecido pela sua boa disposição, Clive Palmer, construiu o seu império após abandonar a escola e baseado em exportações mineiras para a China. Tem um capítulo inteiro no livro dos mais excêntricos multimilionários na história da Austrália.

Construiu por exemplo um imenso Parque Jurássico com dinossauros robots na costa de Queensland, o seu Estado natal, além de um resort. Ambos estão ao abandono.

O multimilionário promete também construir, em estaleiros chineses, um Titanic II, e costuma dar festas grandiosas em Nova Iorque e em Tonwsville, Queensland.

Clive Palmer e o seu projeto para o Titanic II em 2013 Foto: Reuters

Ri-se ainda de si próprio, escrevendo haiku sobre hambúrgueres e criando para a campanha um videojogo em que os jogadores se lançam sobre bolachas enquanto escapam a baratas com a cara dos seus opositores.

Palmer enviou ainda este ano aos eleitores milhares de mensagens de spam, prometendo-lhes acabar com o spam político se for eleito.

Ao contrário da sua némesis americana, Palmer parte para as eleições com alguma experiência política.

Em 2013, o Partido Austrália Unida conseguiu uma série de lugares no Senado, mas acabou por perder influência quando dois senadores abandonaram o partido. Palmer obteve a honra duvidosa do pior registo de sempre de presenças no Parlamento, para qualquer político.
O fator Adani
O objetivo real do multimilionário, mais do que político, será endireitar as suas próprias finanças e livrar-se de processos judiciais ligados à gestão da sua empresa mineira, a Refinaria Niquel de Queensland, que em 2016 teve de ser intervencionada e recebeu 66 milhões de dólares australianos dos quais o Estado exige reembolso.

Antes disso, a Refinaria tinha investido 20 milhões na campanha politica de Palmer e despedido 800 trabalhadores, a quem só agora está a pagar indemnizações.

Palmer deverá ainda procurar obter para o grupo indiano Adani Enterprises, autorizações governamentais muito controversas, de exploração de uma mina de carvão detida por Palmer numa zona remota da Austrália.

Uma das muitas minas detidas pelo multimilionário australiano Clive Palmer Foto: Reuters

Em troca, o grupo Adani promete construir uma nova linha de comboio a ligar essa região e a costa, abrindo caminho a novos projetos, sobretudo em Hay Point.

Aqui, donos e trabalhadores de enormes terminais portuários de carregamento de carvão, olham para os projetos do Adani, que prometem criar milhares de postos de trabalho, como para o paraíso. Grande parte da população local anda por isso irritada com a lentidão mostrada pelos maiores partidos para dar luz verde às promessas do grupo indiano.

Nem todos em Hay Point aprovam os projetos do Adani, sobretudo por questões ambientais. Nem trabalhistas nem a coligação conservadora têm contudo sabido capitalizar estas vozes, devido sobretudo ao enorme poder do lobby mineiro, incluindo sindicatos, que lhes pode custar votos.
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