Bloco do Hezbollah perde maioria parlamentar no Líbano

por Graça Andrade Ramos - RTP
Cartazes de campanha com o líder do movimento Hezbollah, Sayyed Hassan Nasrallah, ao longo de uma auto-estrada no Líbano Reuters

O movimento xiita Hezbollah e os seus aliados perderam a maioria parlamentar nas eleições legislativas do passado domingo, revelaram os resultados finais anunciados esta terça-feira. Os maiores vencedores foram os candidatos independentes, que prometeram reformas e que ganharam 13 lugares.

O bloco do Hezbollah conseguiu 62 dos 128 lugares menos três do que a maioria necessária. No anterior parlamento tinha conseguido 71 deputados. Apesar dos revezes, o poderoso Hezbollah, apoiado pelo Irão, e o seu aliado Amal, do ainda presidente do parlamento Nabih Berri, conseguiram os 27 lugares reservados aos deputados xiitas, mais um do que nas eleições anteriores.

O FPM, Movimento Livre Patriótico, aliado dos xiitas, desceu de 20 para 17 lugares, enquanto o Movimento Patriótico Cristão Livre, do presidente Michel Aoun e um dos principais aliados do Hezbollah, perdeu a liderança cristã.

Foi substituído no Parlamento pelo Forças Libanesas, um partido cristão rival, com laços próximos da Arábia Saudita, que conseguiu 19 lugares, mais quatro do que anteriormente. O LF é liderado por Samir Geagea, um dos mais temidos senhores da guerra durante a guerra civil libanesa de 1975-90, e um dos maiores críticos do poder militar do Hezbollah.

Geagea afirmou que o Líbano necessita de “uma mudança radical de poder” para resolver os seus problemas e os seus ganhos poderão refletir-se na eleição do novo presidente por parte dos deputados até outubro. No sistema sectário libanês o cargo tem de ser ocupado por um cristão.
Futuro incerto
Num dos dados mais significativos, a comunidade sunita do país boicotou a eleição, depois do líder do Movimento Futuro, o antigo primeiro-ministro Saad Hariri, se ter afastado da política, a par da perda de apoio saudita ao partido. A abstenção mais significativa registou-se entre a maioria sunita empobrecida de Tripoli. Mustafa Alloush, antigo aliado de Hariri que falhou a eleição como independente, afirmou que as famílias esperaram por subornos eleitorais que nunca chegaram. “É muito triste” reagiu.

O novo parlamento reflete um país dividido e a falta de um vencedor claro e a estrutura rígida de partilha de poder em vigor no Líbano implicam que as hipóteses de mudanças reais são muito baixas pelo que a grave crise que afeta os libaneses, política e economicamente, deverá manter-se.

As vitórias dos candidatos independentes e de partidos não-alinhados tornaram o futuro ainda mais imprevisível, sobretudo pela perda de alguns mandatos mais significativos para o Hezbollah por parte dos seus aliados e em distritos tradicionalmente afetos aos xiitas.

O próximo parlamento deve eleger um presidente da Assembleia, nomear um primeiro-ministro para formar um novo executivo e nomear um novo presidente para substituir Aoun, cujo mandato termina a 31 de outubro.

O primeiro-ministro Najib Mikati apelou aos novos deputados para conseguirem rapidamente um acordo na formação de um novo governo, que espera vir a liderar, “porque o que estamos a viver não aguenta brigas à custa de prioridades”, tais como negociar um plano económico de emergência com o Fundo Monetário Internacional e redigir novas leis laborais que ajudem a revitalizar a economia.
Um país em crise
O Líbano está a braços com uma crise económica severa, agravada pela pandemia de Covid-19 e pela enorme explosão que praticamente destruiu o porto de Beirute em 2020, fazendo 200 mortos. As causas da explosão estão ainda a ser investigadas e a falta de avanços terá contribuído para o descrédito dos partidos tradicionais. Estas eleições legislativas foram as primeiras desde as revoltas populares de 2019 contra uma elite política tida em geral como corrupta e ineficaz, provocados pelo início de uma das mais graves depressões económicas nacionais registadas a nível mundial nos últimos 150 anos.

Cerca de 80 por cento da população libanesa vive atualmente na pobreza, com a emigração a drenar o país dos mais formados e dos jovens. Os libaneses enfrentam diariamente faltas severas de alimentos, de combustíveis e de medicamentos.

Apesar das perdas dos seus aliados, o Hezbollah mantém a sua influência e continua a ser visto por Israel como uma “ameaça crescente”. “A última vez que o Hezbollah e os seus aliados ficaram em minoria contra um Bloco 14 de Março teoricamente unido, até às eleições de 2018, não os impediu de atingir os seus objetivos, domésticos e internacionais”, escreveu o Times of Israel.

Já o Irão, mal os resultados preliminares revelaram a perda da maioria do bloco apoiado pelo Hezbollah, disse segunda-feira que “respeita” os resultados e que nunca interferiu nos assuntos internos do Líbano.
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