Bolívar soberano. Nova moeda lança o caos na Venezuela

por RTP
A nova moeda elimina cinco zeros ao atual bolívar forte como tentativa de fazer face à inflação galopante Marco Bello - Reuters

A partir desta segunda-feira – feriado nacional decretado por Nicolás Maduro - entra em circulação o bolívar soberano. A nova moeda elimina cinco zeros ao atual bolívar forte, uma polémica reconversão que tenta fazer face à hiperinflação e ajudar à transacção de dinheiro. Para já, a medida veio semear ainda mais confusão no atual estado de crise económica e social na Venezuela e adensar a crise migratória naquela zona do globo.

Na prática, esta nova moeda passa a estar vinculada a uma criptomoeda criada pelo Governo venezuelano, o Petro, por sua vez ligada ao preço internacional do barril de crude, e que terá de ser utilizada em todas as operações ligadas à atividade petrolífera, da qual a economia venezuelana é totalmente dependente.

No novo sistema de controlo cambial, a moeda venezuelana deixará de ter por base o dólar norte-americano. Os preços dos produtos deixarão também de estar indexados ao dólar, porque essa moeda deixará de ser uma referência no país e será substituída pelo moeda virtual petro.

Quanto ao salário mínimo passa a estar fixado em 1.800 bolívares soberanos. Uma mudança que tem que ver com o novo sistema salarial, que terá por base o petro e que vai aumentar em quase 35 vezes o valor auferido pelos venezuelanos. 
Em euros, os venezuelanos auferiam como salário mínimo 5,19 bolívares soberanos (1,14 euros). Passam agora a receber um mínimo de 1.800 bolívares soberanos (39,50 euros).  

Para além da reconversão da moeda, a utilização do petro e o aumento salarial daí recorrente, o Governo venezuelano vai aumentar esta segunda-feira os preços dos combustíveis de forma a corresponderem aos valores internacionais. Na Venezuela, o petróleo era até agora mais barato que grande parte dos bens de primeira necessidade, incluindo simples alimentos.  

Perante a forte contestação da população, o Governo criou o “cartão da pátria”, que prevê a atribuição de subsídios para a compra de gasolina por parte do próprio Estado.  

Todas estas medidas visam o combate à hiperinflação, mas podem obter precisamente o efeito contrário. Em julho, o Fundo Monetário Internacional previa que a Venezuela terminasse o ano de 2018 com uma inflação de um milhão por cento.  

Deste pacote de medidas, os economistas questionam sobretudo a confiança do petro, uma criptomoeda com pouco reconhecimento fora do país. Mas o facto de existir uma nova moeda corrente, com um novo valor e nova indexação, deixa antever semanas ou até meses de confusão entre os consumidores.  

O atual nível de desvalorização da moeda é a maior de sempre na Venezuela e equipara-se apenas aos casos da Alemanha, na década de 1920, ou do Zimbabué, nos anos 2000.  

Os venezuelanos temem o caos instaurado pelas novas regras e por isso esvaziaram as lojas e bombas de gasolina nos últimos dias. No entanto, muitos encontraram estabelecimentos fechados.

Num país com uma forte comunidade portuguesa e luso-descendente, que ocupa sobretudo posições ligadas ao comércio, a apreensão é palpável.

"Não sabemos como aplicar a reconversão. Há que fazer contas para tirar cinco zeros, se fossem três os números passavam de milhões a milhares. Estamos apreensivos, inseguros", confessou um comerciante em declarações à agência Lusa.

A oposição venezuelana convocou uma greve geral para 21 de agosto, em protesto contra as medidas económicas anunciadas Nicolás Maduro. 
Crise migratória na América Latina

Em estado de exceção e de emergência económica desde 2016, é cada vez mais difícil sobreviver na Venezuela. Os preços elevados e a dificuldade de garantir bens básicos, a carência de cuidados de saúde e a instabilidade política levaram vários venezuelanos a abandonar o país nos últimos anos.  

A nova política monetária levou a uma nova vaga migratória com reflexo sobretudo na fronteira entre a Venezuela e o Brasil. Nas últimas horas, habitantes de Pacaraima, no estado brasileiro de Roraima, protestaram contra a presença dos imigrantes venezuelanos daquela cidade.  

Estes protestos começaram após o assalto de um conhecido comerciante local, alegadamente cometido por um grupo de venezuelanos, segundo referiu o governo regional em comunicado.

A governadora daquele Estado brasileiro, Suely Campos, prometeu fechar temporariamente a fronteira e pediu a Brasília que envie reforços "para lidar com o crescimento da criminalidade" que diz dever-se à chegada dos imigrantes.

Durante os protestos, foram expulsas várias pessoas das tendas de campismo onde dormiam e queimaram mesmo os seus pertences. A cidade de Pacaraima tem apenas 12 mil habitantes e tem sido nos últimos meses a principal porta de entrada no Brasil para os venezuelanos.  

Na sequência destes casos de violência, pelo menos 1.200 venezuelanos abandonaram o Brasil este domingo, segundo revelou o exército brasileiro. Também este domingo, a situação foi motivo para uma reunião de emergência do Governo brasileiro.  

Só no último ano e meio chegaram cerca de 50 mil venezuelanos ao Brasil por via terreste. As autoridades brasileiras estimam que 400 pessoas cruzem esta fronteira diariamente. Só desde o início do ano até junho último, o estado de Roraima recebeu 16 mil pedidos de asilo.  

Segundo as estimativas das Nações Unidas, cerca de 2,3 milhões de venezuelanos saíram do país desde junho último, tendo encontrado refúgio noutros países da América Latina, nomeadamente na Colômbia e no Brasil.  

Só na semana passada, cerca de 20 mil venezuelanos deram entrada no Peru. Na fronteira com o Equador, junto à cidade de Runichaca, cerca de três mil pessoas tentam escapar à grave crise económica e social. Estes dois países passaram a exigir passaporte para a entrada de venezuelanos, quando estes nem se fazem acompanhar de cartões de identificação. Só na Colômbia, 800 mil migrantes venezuelanos receberam recentemente o direito temporário de residência.  

Nesta zona do globo, é cada vez mais premente a tensão criada pelos fluxos migratórios, não só com a situação vivida em Caracas, mas também na Nicarágua, com a repressão por parte do Presidente Daniel Ortega contra os opositores do regime.  Na Costa Rica, uma manifestação no último sábado com símbolos nazis denunciava a “invasão” por parte dos migrantes do Nicarágua, tendo mesmo sido registadas tentativas de agressão.  
 
(com agências)
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