Bruxelas.PT - A Política de Migrações: a chegada à União Europeia

por Andrea Neves correspondente Antena 1 em Bruxelas

Episódio original publicado a 24 de novembro de 2023 | Foto: Ngouda Dione - Reuters

Uma conversa da jornalista Andrea Neves com Alfredo Sousa de Jesus, Conselheiro Político no Parlamento Europeu.

As regras e os princípios na questão das MigraçõesEm que regras se baseia a Política de Migrações?

Existem efetivamente regras, que estão desatualizadas, nomeadamente a Convenção de Dublin. Regras que estão precisamente agora a ser revistas e que se inserem no que nós chamamos o Pacote de Migrações. Decorrem agora as negociações entre o Parlamento e o Conselho. Ainda não estão aprovadas, e isso também explica as dificuldades que existem em atuar de forma eficiente em todos os problemas relacionados com as migrações.

Para além dessas normas europeias, que efetivamente funcionam como uma espécie de chapéu porque se aplicam a todos os países, há também algumas normas nacionais que estão em vigor e que, eventualmente, também vão precisar de ser atualizadas.

A Política de Migrações tem que basear-se em alguns valores, em alguns princípios?

Há obviamente valores que são inerentes à própria construção europeia, que estão no artigo dois do Tratado e que se referem à dignidade humana. Mas também é preciso ter a noção da importância de fazermos algumas separações, porque há uma linguagem técnica que muitas vezes tende a confundir as pessoas e a misturar, por exemplo, um refugiado com um migrante. E são palavras importantes, são palavras distintas, porque cada uma delas tem consequências completamente diferentes.

Comecemos então por fazer essa distinção.

No caso do refugiado, os refugiados estão cobertos pela Convenção de Genebra que prevê um estatuto jurídico específico que se aplica a pessoas que são vítimas, no país de origem, de discriminação, seja religiosa, sexual, racial, etc. Para essas pessoas há um estatuto previsto e legalmente aplicável. E depois temos as outras situações, as dos migrantes económicos. E são duas situações completamente diferentes.

Da mesma forma é importante perceber o que acontece atualmente, por exemplo, em relação ao Mediterrâneo, o que está em causa – e o que levanta grandes dificuldades por falta de enquadramento jurídico – não é a questão de salvar vidas, é a questão do acolhimento.

A dimensão de salvar vidas está contemplada por vários Tratados Internacionais. Os Estados-Membros, um país em si, tem a obrigação de acorrer àquelas situações e de salvar as vidassem perigo. Depois entra-se, efetivamente, na fase seguinte que é a fase de acolhimento.

Fase de acolhimento que tem levantado várias questões dentro da União Europeia, os Estados-Membros não se têm entendido. Há quem queira fazer uma repartição equitativa de quem chega à Europa. Há quem queira fazer outro tipo de repartição dos migrantes e dos refugiados que chegam e que até são cada vez em maior número, apesar de, às vezes, isso não parecer tão óbvio.

A União Europeia depara-se atualmente com um problema grave que é o facto de estarmos a voltar a valores muito próximos dos valores que se registaram na crise de 2015/2016, ou seja, tem havido um aumento substancial do número de migrantes e refugiados que atravessam o Mediterrâneo.

Há diferentes rotas. Provavelmente a que tem mais visibilidade na comunicação social será a Rota Central do Mediterrâneo, mas também há

outras e para Portugal, por exemplo, aquilo que aconteceu em Ceuta e Melilla há relativamente pouco tempo, é um dos exemplos mais próximos.

Uma rota que provavelmente será menos conhecida em Portugal, mas que tem números mesmo assim bastante importantes – porque estamos a falar na ordem dos 40 por cento de todos os migrantes e refugiados que entram dentro da União Europeia - é a Rota dos Balcãs.

Só para terem uma ideia, vamos imaginar os 100 por cento dos migrantes e refugiados que entram dentro da União Europeia, 40 por cento desses migrantes e refugiados entram pela Rota dos Balcãs e cerca de sensivelmente 50 por cento entram através da Rota do Mediterrâneo, sendo que no Mediterrâneo há três rotas diferentes: através de Marrocos/Argélia, a rota do Mediterrâneo Central, que vem da Tunísia e da Líbia, essencialmente, e depois a parte de Leste, como aconteceu mais recentemente com barcos que chegaram da Turquia.
A obrigação de salvar vidasVamos então dividir a nossa análise nestes dois momentos. O primeiro que é o momento em que as migrações estão a acontecer, ou seja, em que há pessoas no mar e pessoas em perigo. Quem é que pode ir salvar essas pessoas? É uma ação conjunta da União Europeia ou apenas dos países do Mediterrâneo, individualmente?

É uma ação conjunta. Há dois mecanismos que podem ser ativados: os mecanismos nacionais como por exemplo as guardas costeiras; e uma Agência Europeia que se chama Frontex, que é uma agência que junta uma série de mecanismos – europeus e nacionais – e uma série de infraestruturas. Por exemplo, através da Frontex, a GNR portuguesa tem brigadas a patrulhar o Mediterrâneo que contribuem precisamente – e com um trabalho que é louvado

por todas as Instituições Europeias - para resgatar e salvar vidas no Mediterrâneo.

Mas só podem intervir quando há vidas em perigo ou se detetarem um barco, por exemplo, a vir numa dessas rotas do Mediterrâneo? Nesses casos podem ter algum tipo de atuação no sentido de os fazer regressar à origem ou de os levar para um porto seguro?

A Frontex tem a responsabilidade de fazer uma monitorização, um acompanhamento da situação através de satélites e de uma série de instrumentos tecnológicos que têm para acompanhar esses movimentos. E é através da Frontex que as diferentes entidades acabam por atuar de forma concertada.

Um ponto que seria talvez importante realçar é o papel desempenhado pelas ONGs. Tem se verificado, sobretudo no Mediterrâneo – e porque falta um enquadramento legal – um comportamento de certa forma pró-ativo por parte de algumas ONGs que resgatam as pessoas que estão em barcos no Mediterrâneo. Este é um dos pontos que está a levantar mais dificuldades para que os países cheguem a um acordo.

E porquê? Porque o que se está a verificar é que o papel que é desempenhado por essas ONGs acaba, de certa forma, por colidir com o papel das autoridades nacionais e com o papel da Frontex. Ou seja, tem que haver – partindo do princípio de que as ONGs são um elemento fundamental em todo este processo – uma maior coordenação entre essas ONGs, as autoridades nacionais e a Frontex para que se possa reagir nestas situações de desespero.

Mas por outro lado, esse comportamento, por parte das ONGs tem que ser feito de forma cooperativa. Ou seja, não pode haver por parte de uma ONG uma escolha política no sentido de preferir levar um barco, por exemplo, para a costa italiana quando na realidade a costa maltesa está mais perto.
As migrações, o tráfico de pessoas e a utilização dos migrantes para fins políticosJá nos explicou que há uma diferença entre refugiados e migrantes, mas para a União Europeia, que quer gerir este fluxo de pessoas, não está em causa a emigração?

Emigrar, em si, é legítimo e não é isso que está a ser questionado. O que está a ser questionado é o facto de se usarem determinados canais e estamos a falar também – e isso é provavelmente a parte mais chocante – no facto de esta situação, na realidade, se ter transformado numa espécie de negócio muito lucrativo.

Para os traficantes de pessoas?

Para os traficantes de pessoas e não só. Também para alguns países através daquilo que chamamos de “instrumentalização dos migrantes”.

Porquê para alguns países?

Eu posso dar um exemplo: há uns meses o regime da Bielorrússia oferecia 500 dólares a cada migrante sírio que quisesse ir para a Bielorrússia. No início, as notícias eram um pouco estranhas, porque não se conseguia perceber qual era a necessidade de a Bielorrússia estar a chamar a si migrantes de origem síria. O que é que se veio a verificar? Criou-se realmente um negócio com uma companhia aérea síria que enchia, literalmente, charters de cidadãos da Síria que eram enviados para Minsk. Depois as autoridades da Bielorrússia colocavam-nos junto à fronteira com a Polónia e com a Lituânia – eram literalmente empurrados para as fronteiras – para poderem entrar dentro do espaço da União Europeia.

Ou seja, estamos a falar de um Governo, neste caso de uma ditadura, que usou os migrantes, que instrumentalizou os migrantes com uma finalidade política:

Neste caso pretendia criar um embaraço à União Europeia junto à fronteira, utilizando os migrantes.

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