Bruxelas.PT - A Representação Permanente de Portugal junto da União Europeia

por Andrea Neves, correspondente da Antena 1 em Bruxelas

Episódio original publicado a 16 de junho de 2023 | Foto: Emilie Gomez © European Union 2023 - Fonte : EP

Uma conversa da jornalista Andrea Neves com o embaixador Pedro Lourtie, representante permanente de Portugal junto da União Europeia.

A missão diplomática junto da União Europeia
O que é a Representação Permanente de Portugal junto da União Europeia?

A Representação Permanente de Portugal junto da União Europeia, conhecida como REPER, é uma embaixada, ou seja, é uma missão diplomática. É a missão diplomática de Portugal junto da União Europeia, enquanto organização, e por isso é a embaixada portuguesa que defende os interesses de Portugal neste espaço comum.

Mas é uma missão especial, porque é uma missão muito grande. De facto, a União Europeia tem muitas competências e nós atuamos em todas essas áreas.

Ou seja, é uma representação que defende os interesses de Portugal, mas quando? Antes, durante ou depois, por exemplo, da formação de uma diretiva ou de uma lei que interessa a Portugal?

Em todas essas áreas e momentos. A nossa principal função, aquela que nos ocupa mais tempo, é a de representar Portugal nas reuniões do Conselho da União Europeia.

O Conselho é a Instituição da União Europeia que reúne todos os Estados-Membros à volta de uma mesa. É uma Instituição que se organiza em vários níveis técnicos e se reúne com vários grupos de trabalho. Há um grupo de trabalho na área do ambiente, um grupo de trabalho na área da agricultura, na área da competitividade, da saúde, da indústria, ou seja, em todas as várias áreas. A REPER é a primeira linha de representação de Portugal nesses grupos de trabalho.

Por vezes, há também funcionários que são enviados por Portugal para representar o país, mas nós estamos na linha da frente.
Por isso, negociamos as propostas que a Comissão apresenta. Uma negociação formal junto dos outros países, na maioria dos casos, mas também através de negociações informais, muitas vezes, junto da Comissão Europeia e em diálogo com outras instâncias.

E esta é, talvez, a principal tarefa da Representação Permanente. Obviamente que temos outras funções porque a União Europeia é composta por várias Instituições e nós representamos Portugal em todas, seja em Bruxelas ou nos outros países onde as Instituições se reúnem ou têm sede, como no Luxemburgo ou em Estrasburgo.
A possibilidade de influenciar as decisões europeias de acordo com os interesses de PortugalAo representar os interesses de Portugal a REPER consegue, desde o início, influenciar aquilo que pode ser uma futura lei de acordo com os interesses do país? Ou pelo menos encontrar alternativas ou alcançar alianças nesse sentido?

Sim, a Comissão Europeia é quem apresenta as propostas de leis na União Europeia. Ora a Comissão Europeia, antes de apresentar essas propostas, faz uma auscultação dos interessados.

Muitas vezes diretamente aos cidadãos – através de inquéritos e de sondagens – e, frequentemente, às partes interessadas. A Comissão, quando pretende fazer uma legislação sobre uma questão ambiental, por exemplo, inicia processos de diálogo, em particular, com as empresas daquele setor. Mas faz também uma audição aos peritos dos vários países. Nesse período, nessa parte do processo legislativo, a REPER participa menos diretamente.

O nosso trabalho é mais intenso quando a proposta de diretiva está em preparação, mas já na fase final. Neste período há, obviamente, um trabalho informal das várias representações, das várias missões junto da União Europeia, para tentar influenciar a proposta e depois – formalmente – quando a Comissão apresenta a sua proposta e essa proposta vai para o Conselho.

No Conselho, vamos tentar criar alianças. Vamos defender os interesses de Portugal. Isto porque a maioria das propostas de lei, na União Europeia, é aprovada por maioria qualificada, ou seja, não é preciso – para a maior parte das áreas – ter a unanimidade dos Estados-Membros para se aprovar uma proposta.

E como se atinge essa maioria qualificada?

Atinge-se quando se consegue reunir 55 por cento dos Estados-Membros. Isso corresponde atualmente a 15 Estados-Membros e a 65 por cento da população europeia.

É evidente que um país grande, como a Alemanha, tem um peso – logo à partida – maior, neste critério, do que um país mais pequeno como Malta.

Mas, repito, na maior parte das vezes não é preciso unanimidade e por isso temos de fazer alianças. Temos de perceber quais são os Estados-Membros que têm interesses parecidos com os nossos para poder reunir um grupo de países que possa influenciar essa proposta.
Dinâmicas e Geometrias variáveisA dinâmica Norte/Sul, de que muito se fala, tem algo a ver com este tipo de trabalho de bastidores?

Há geometrias muito variáveis. Por vezes, pode acontecer uma dinâmica Norte/Sul ou uma dinâmica Leste/Oeste, mas a maior parte das vezes não existem geometrias fixas. Ou seja, os interesses de Portugal podem, de acordo com o assunto, ser semelhantes aos interesses da Finlândia ou aos interesses da República Checa.

E, por isso, essas geometrias vão variando conforme as áreas e as propostas. E é através dessas geometrias variáveis que se vai construindo um entendimento que se possa solidificar, depois, num acordo sobre a proposta que a Comissão Europeia apresentou.

Ou seja, a Representação é constituída por várias pessoas, por vários técnicos. Há muita gente neste edifício…

Sim, é a nossa maior missão diplomática. E isso é verdade para quase todos os Estados-Membros. Temos na REPER peritos em todas as áreas da governação.

Por isso temos, obviamente, um número grande de diplomatas que se ocupam primordialmente das questões de negócios estrangeiros e da defesa, mas não só. Temos especialistas noutras áreas como a agricultura, o ambiente, a indústria, a justiça, os assuntos internos, as finanças, entre outros. Ou seja, temos especialistas em todas as áreas de governação porque a REPER reúne aqui todas essas áreas.

E porquê? Porque a União Europeia atua em todas as áreas de governação. A União Europeia correspondente, de facto, a um nível de governação. É um nível europeu de governação. Aqui estamos na primeira linha e por isso temos que reunir todas essas valências, competências que são asseguradas por especialistas destacados pelos vários ministérios nacionais. Por norma por uma ou duas comissões de serviço.
A REPER e os grupos de interesse em BruxelasO lóbi, em Bruxelas, é uma atividade permitida. Há grupos de pressão, em Bruxelas, que muitas vezes entram em contacto com as REPER para tentar fazer valer os seus interesses. A Representação Portuguesa é muitas vezes consultada ou, de alguma forma, pressionada por esses lóbis?

Pressionada, não. Eu não utilizaria essa palavra. É verdade que há muitos grupos de defesa de diversos interesses em Bruxelas que contactam as Instituições e que, obviamente, contactam também as REPER.

E já agora, sempre que no meu caso eu me reúno com esses grupos de defesa de interesses é sempre solicitado, a esse grupo, o número de registo. E vai sempre ser feito um registo de transparência que será publicado no site da REPER. Isto é válido para mim e para as minhas colegas embaixadoras que estão encarregues de outras áreas aqui na Representação. Faz parte da dinâmica normal.

Temos de perceber que a REPER não atua no vácuo. Nós somos um organismo do Estado Português, do Governo Português e, por isso, atuamos sob instruções do Governo.

É evidente que é nosso dever interpretar essas instruções e saber defendê-las. Mas nós não inventamos as posições que vamos defender. O interesse público é interpretado pelo Governo que nos transmite essas instruções.

Este diálogo com estas “partes interessadas”, por assim dizer, é um diálogo importante também para recolher a informação. Para percebermos como é que a legislação ou as propostas de diretiva estão a ser interpretadas ou vão ser interpretadas. Que tipo de problemas podem criar. E por isso é importante que as REPER tenham essa abertura para o diálogo como temos, por exemplo, com autarquias.

Nós recebemos aqui, não só empresas portuguesas como autarquias portuguesas com quem mantemos esse diálogo. Esta é uma característica das missões diplomáticas.

Nós, obviamente, somos uma voz do Estado Português no estrangeiro e também aqui, junto da União Europeia. Mas somos também “um ouvido” do Estado Português. Também recolhemos informação. Uma função importante no nosso trabalho é recolher informação sobre o que pensam, por exemplo, os outros Estados-Membros. Mas também sobre o que pensa a associação dos industriais europeus ou o que defende a união dos sindicatos europeus.

Facilita até que, mais tarde, essa diretiva possa ser mais suavemente interpretada e transposta para a lei portuguesa?

Sim, também. Essa informação permite ao Governo Português tomar, de forma mais informada e mais consubstanciada, as decisões sobre as posições que Portugal deve vir a assumir. Por isso, estarmos de olhos e ouvidos abertos ao que são as várias opiniões, e isso é muito importante.
As sedes das Instituições EuropeiasA REPER está sediada em Bruxelas, mas há Instituições Europeias noutras cidades. E há uma pergunta que muita gente ainda faz, para a qual peço a sua explicação: há uma razão para haver reuniões e Instituições em Bruxelas, no Luxemburgo e em Estrasburgo?

Eu diria que é uma relíquia, uma herança da fundação da Comunidade Económica Europeia, o antigo nome da União Europeia.

Como sabem em 1957 não éramos 27 Estados-Membros, eram apenas seis. Três desses Estados-Membros, numa lógica típica de organização internacional, quiseram fazer um equilíbrio entre eles e uma das formas de o fazerem foi decidir que nem tudo se passava em Bruxelas.

Por isso, o Conselho reúne a maior parte do tempo em Bruxelas, mas de vez em quando reúne no Luxemburgo. O Parlamento Europeu tem o seu assento em Estrasburgo, mas também em Bruxelas. O Tribunal de Justiça ficou assente no Luxemburgo e ainda hoje tem lá o seu assento, tal como o Tribunal de Contas da União Europeia. Mas, por exemplo, o Banco Central Europeu tem sede em Frankfurt.

É uma herança. Pode perguntar-me se há alguma razão para que essa herança não seja alterada. De facto, a decisão sobre as sedes da União Europeia é tomada por unanimidade e, por isso, e como será de esperar, os países que agora têm as sedes não estão dispostos a abandoná-las.

Eu diria que a União Europeia tem, no seu ADN, o equilíbrio entre Estados-Membros. E não nos podemos esquecer que a União Europeia também é uma organização com história. Isto faz parte dessa história.

Para consulta:

pub