Bruxelas.PT - O Conselho Europeu: as Cimeiras de líderes

por Andrea Neves, correspondente da Antena 1 em Bruxelas

Episódio original publicado a 30 de junho de 2023 | Foto: Mario Salerno © European Union 2018 - Fonte: Conselho UE

Uma conversa da jornalista Andrea Neves com o Embaixador Pedro Lourtie, Representante Permanente de Portugal junto da União Europeia.

Cimeiras de Chefes de Estado e de Governo

O que é o Conselho Europeu?

Quem integra o Conselho Europeu são os 27 Chefes de Estado e de Governo. Ou seja, os chefes dos executivos dos 27 Estados-Membros. No caso português, é o Primeiro-Ministro português, no caso francês é o Presidente francês. É o Chanceler alemão no caso da Alemanha, só para dar alguns exemplos.

Aos chefes dos executivos junta-se o Presidente do Conselho Europeu, que é uma personalidade eleita pelos membros do Conselho Europeu e que tem um mandato de dois anos e meio, renovável. Por isso, pode completar cinco anos nessa Presidência. Nestas Cimeiras participa ainda a Presidente ou o Presidente da Comissão Europeia. Neste caso, é a Presidente da Comissão Europeia.

São essas as personalidades que integram o Conselho Europeu.

O Presidente, neste caso, a Presidente do Parlamento Europeu também participa, mas como convidada.

Exatamente, a Presidente do Parlamento Europeu não é membro do Conselho Europeu.

Criou-se o hábito de convidar, para o início das reuniões do Conselho Europeu, o ou a Presidente do Parlamento Europeu para fazer uma apresentação daquilo que considera serem as prioridades do Parlamento e do trabalho legislativo que está a decorrer no Parlamento Europeu.

Assim como, dependendo dos temas, os líderes podem ter outros convidados externos. Por exemplo, quando se trata de temas económico-financeiros, nomeadamente de política monetária, podem – e convidam muitas vezes – a Presidente do Banco Central Europeu e o Presidente do Eurogrupo .

Mas não são personalidades com poder de decisão no Conselho Europeu.

O Conselho Europeu reúne de três em três meses, em Cimeiras de líderes.

Sim, o Conselho Europeu reúne sempre no mínimo, duas vezes por semestre, por isso, de três em três meses. Mas a prática tem mostrado que, nos últimos anos, reúne muito mais vezes por ano.

O Conselho Europeu é, eu diria, a instância ao mais alto nível político da União Europeia, porque reúne os Chefes de Estado e de Governo, e acaba por ser também a instância principal na resposta às grandes crises do espaço europeu.

O que é que eu quero dizer com grandes crises?
Por exemplo, no caso da guerra na Ucrânia, as grandes decisões de reação da União Europeia à agressão russa foram decididas pelo Conselho Europeu que deu as orientações, que indicou o caminho aos Estados-Membros.

O mesmo aconteceu no tempo da COVID-19, porque as grandes orientações foram tomadas pelo Conselho Europeu. E o mesmo aconteceu no tempo da crise financeira, há uns anos, em que muitas das principais decisões acabaram por ser tomadas pelo Conselho Europeu.

Isto tem uma lógica política. Os Estados-Membros não estão representados no Conselho Europeu, mas os Primeiros-Ministros e os Presidentes representam os seus Estados ao mais alto nível e, por isso, há também aqui uma questão de responsabilidade política. E quando a matéria é da mais elevada responsabilidade, é natural que ela seja também decidida ao mais alto nível político.
O valor das conclusões finais do Conselho Europeu

Estas reuniões terminam sempre com a aprovação das conclusões do Conselho Europeu. Essas conclusões são obrigatórias ou vinculativas?

Essas conclusões não têm valor jurídico, mas têm um fortíssimo valor político. São normalmente conclusões de orientação, em particular para o Conselho da União Europeia, a Instituição por excelência na qual estão reunidos os 27 Estados-Membros, que legisla e também tem poderes executivos.

Por vezes são também orientações para a Comissão Europeia. A Comissão é uma Instituição autónoma, mas como a sua presidente está presente no Conselho Europeu, muitas vezes o Conselho Europeu dá indicações que depois vão ser seguidas pela Comissão Europeia. É o que acontece, por exemplo, quando pede à Comissão que apresente uma proposta numa determinada área. É certo que, depois, essa proposta segue o seu caminho e é a Comissão Europeia que, de uma maneira geral, decide do conteúdo dessa proposta.

Mas o Conselho Europeu pode dar as orientações, pode dizer qual o caminho que os países querem seguir nesse assunto.
Por isso, as conclusões do Conselho Europeu não têm um valor vinculativo, não são uma lei, não têm um valor jurídico, mas têm um valor político que fazem com que, na prática, sejam politicamente vinculativas.

As conclusões alcançam-se por unanimidade no Conselho Europeu – porque o Conselho decide por unanimidade – o que faz com que essas negociações sejam, por vezes, difíceis.

Obviamente que essas conclusões são previamente preparadas pelo Comité dos Embaixadores e pelo Conselho que reúne os Ministros dos Assuntos Europeus ou os Ministros responsáveis pelas matérias europeias em discussão. Mas muitos dos pontos da conclusão são decididos na própria sala, pelos membros do Conselho Europeu.

O Conselho Europeu também pode tomar decisões em certas áreas. Por exemplo, é o Conselho Europeu que indica o nome do Presidente ou da Presidente da Comissão Europeia, que depois é eleita pelo Parlamento Europeu.

E o Conselho Europeu tem também o poder de indicar quais são as grandes áreas ao nível do quadro financeiro europeu, do Orçamento plurianual da União Europeia. E essas são tipicamente negociações que muitas vezes demoram vários dias.

A última negociação durou cinco dias e quatro noites seguidas, em que praticamente ninguém dormiu. Precisamente porque é preciso encontrar unanimidade entre os 27 e quando a matéria é complicada, muitas vezes é difícil chegar a um acordo.

Mas quando se tenta chegar a esse acordo, muitas vezes há pausas. Nós jornalistas dizemos que o Conselho Europeu “está em pausa”. Mas na verdade não está propriamente parado porque há técnicos, especialistas e embaixadores que continuam a trabalhar num acordo.

Sim, porque há contactos à margem. Numa reunião do Conselho Europeu que dura cinco dias e quatro noites os primeiros-ministros não estão quatro noites sentados dentro de uma sala. Estão, na verdade, muito tempo, por vezes uma boa parte do dia e da noite. Mas há pausas, porque é preciso negociar. Seja porque há um problema particular com um país, seja porque é preciso encontrar equilíbrios. E, por vezes, estas negociações não decorrem na sala onde estão todos os Chefes de Estado e de Governo.

Obviamente que todos os acordos, todas as soluções, têm que ser confirmadas na sala. Mas sim, há muitas negociações que acontecem também “à margem” do Conselho Europeu.
O Presidente do Conselho Europeu

Temos agora um Presidente do Conselho Europeu, desde 2007, que não é um Chefe de Estado ou de Governo – já foi – e por uma razão específica. Ou melhor, por duas razões específicas.

Sim, o Tratado de Lisboa resultou da última vez que os Tratados da União Europeia foram revistos. Foi uma negociação que terminou precisamente durante a Presidência Portuguesa de 2007, em Lisboa, e o Tratado foi aprovado ainda nessa altura e depois entrou em vigor dois anos mais tarde em 2009.

O Tratado de Lisboa promoveu duas alterações. Na prática transformou o Conselho Europeu, que era uma reunião informal dos Primeiros-Ministros – já existia o Conselho Europeu antes de 2007, mas era uma reunião informal, não era uma Instituição da União Europeia – transformou estas Cimeiras de líderes numa Instituição Europeia com competências próprias. E para além disso decidiu eleger um Presidente permanente para o Conselho Europeu.

E por duas razões principais.

Primeiro, porque o Conselho Europeu tem vindo, ao longo dos tempos, a ganhar influência. Como já referi, as principais decisões políticas e todas as que dizem respeito a crises graves passaram a ir ao Conselho Europeu. E presidir ao Conselho Europeu transformou-se num trabalho a tempo inteiro e começou a ser difícil ter um Primeiro-Ministro a gerir o seu Governo a nível nacional e, ao mesmo tempo, a gerir o Conselho Europeu, mesmo que fosse só durante seis meses.

Depois, porque foi preciso dar alguma estabilidade à representação externa da União Europeia. O Presidente do Conselho Europeu tem um papel importante na representação da União Europeia ao mais alto nível, nomeadamente nas áreas de política externa e de segurança.

E, de facto, a rotação nessa representação implicava mudar de Presidente do Conselho Europeu a cada seis meses. Por isso entendeu-se que seria melhor para a União Europeia – num momento em que também a União Europeia tem vindo a conquistar protagonismo em termos de política externa e de política de segurança – que seria preferível para a União Europeia ter um Presidente permanente. Também porque se pensou que para os nossos interlocutores estrangeiros – os chamados países terceiros – poderia parecer confuso estar a lidar com uma pessoa no dia 30 de junho e com uma pessoa diferente no dia 1 de julho.

Desta forma há, de facto, uma certa coerência durante dois anos e meio, no mínimo, mas normalmente durante cinco anos porque os Presidentes do Conselho Europeu têm sido sempre reconduzidos. Ou seja, temos a mesma pessoa a presidir ao Conselho Europeu.

É o Presidente que convoca as reuniões, mas um Estado pode pedir uma reunião extraordinária?

A responsabilidade das reuniões é sempre do Presidente do Conselho Europeu, por isso é sempre o Presidente que define a agenda e que convoca as reuniões do Conselho Europeu. Eu diria, aliás, que esse é mesmo o seu principal poder e é um poder importante. Pode pensar-se que definir uma agenda não é importante mas é, nomeadamente numa Instituição altamente política como é o caso do Conselho Europeu.

Obviamente que os Estados-Membros podem sempre solicitar uma reunião, por uma razão ou por outra, mas o Presidente do Conselho Europeu não é obrigado a dar seguimento a essa solicitação. É ele que deve gerir o momento oportuno para o Conselho Europeu se reunir.

Então como é que devemos entender politicamente uma cimeira extraordinária? É porque o tema é mesmo complexo?

Porque o tema é urgente, porque a União precisa de chegar a uma decisão, precisa de ter um posicionamento sobre uma determinada matéria. E esse posicionamento tem de ser feito a nível dos Chefes de Estado e de Governo, que é o que tem acontecido nos últimos anos.

A verdade é que a União Europeia tem sido confrontada com crises graves, como foi o caso da COVID-19 ou o caso da agressão russa contra a Ucrânia, por exemplo. E é evidente que tem havido necessidade, muitas vezes, da União Europeia reagir rapidamente e essa reação dever ser feita através do Conselho Europeu.

Ou então, e isso também tem acontecido nos últimos anos, o número de matérias que os líderes têm que decidir ou sobre as quais devem dar orientações, é muito elevado e verifica-se que duas reuniões por semestre ou quatro reuniões por ano podem não ser suficientes. Nesses casos o Presidente do Conselho Europeu decidi agendar reuniões extraordinárias. E isso tem acontecido com alguma frequência porque de facto a União Europeia, enquanto nível de governação, tem vindo a ser chamada a atuar cada vez mais.

E à medida que a União Europeia vai tendo competências para atuar cada vez mais, os Estados-Membros consideram que há determinado tipo de questões que apenas são resolvidas da melhor forma – eu não diria que são apenas resolvidas, mas sim resolvidas da melhor forma – a nível europeu. E isso obviamente tem um impacto ao nível de todo o trabalho da União Europeia e, obviamente, também no caso do Conselho Europeu.

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