Bruxelas.PT - O Espaço Schengen

por Andrea Neves correspondente Antena 1 em Bruxelas

Episódio original publicado a 13 de outubro de 2023 | Foto: © European Union 2011 - EP

Uma conversa da jornalista Andrea Neves com o Embaixador Pedro Lourtie, Representante Permanente de Portugal junto da União Europeia

O Espaço SchengenPara que serve o Espaço Schengen e quem beneficia deste espaço?

O Espaço Schengen é uma área de livre circulação de pessoas e integra todos os países que assinaram o Acordo de Schengen. E o que é que isto significa do ponto de vista prático? Significa, principalmente, que as pessoas, que os cidadãos que circulam no Espaço Schengen não têm que parar nas fronteiras internas, seja entre Portugal e Espanha ou entre Espanha e França, que são países do Espaço Schengen, por exemplo.
Todos nós já reparámos, quando atravessamos as fronteiras que, de uma maneira geral, não temos que parar para mostrar o nosso Cartão de Cidadão ou o nosso Passaporte.

Schengen começou por ser um Acordo Intergovernamental que foi assinado em 1985 na altura por cinco países – a Alemanha, a Bélgica, a França, o Luxemburgo e os Países Baixos – e depois houve países que foram aderindo a este Acordo Intergovernamental. Mas era um Acordo que não fazia parte da legislação da União Europeia.

Portugal aderiu a este Acordo em 1991. Mais tarde, numa das revisões dos Tratados da União Europeia, nomeadamente aquela que foi feita em Amesterdão em 1999, foi introduzido o Acordo de Schengen na legislação da União Europeia. E a grande maioria dos países da União Europeia – e também países que não são da União Europeia, mas são Estados associados, como a Islândia, o Liechtenstein, a Noruega e a Suíça – fazem parte deste espaço de livre circulação.

Portanto, é um espaço a que os países podem aderir de livre vontade, ou seja, não é obrigatório fazer parte do Espaço Schengen sendo da União Europeia?

Hoje em dia já faz parte do acervo da União Europeia e por isso, quem adere à União Europeia também adere a Schengen. Para aderir de forma plena a Schengen, ou seja, para que este espaço de livre circulação de pessoas se possa aplicar, os países têm que cumprir uma série de critérios. Porque este é também um espaço de segurança, como é evidente, e por isso não é automático, com a adesão à União Europeia, que os países adiram a Schengen. Mas o objetivo de todos é que venham a aderir.

Dito isto, houve países que negociaram, de certo modo, derrogações, para que não estivessem em Schengen. Um exemplo conhecido é o caso da Irlanda. Na Irlanda, mesmo quando o Reino Unido era membro da União Europeia, as relações de circulação de pessoas da Irlanda davam-se principalmente –e de forma mais direta – com o seu principal vizinho, o Reino Unido. O Reino Unido decidiu não integrar Schengen e por isso a Irlanda também não integrava Schengen. E ainda hoje não integra o Espaço Schengen.

Em relação aos outros países que não são da União Europeia, também têm que cumprir critérios e formular um processo de adesão?

Todos eles. E todos eles têm que cumprir os mesmos critérios ao nível de segurança.
A suspensão do Espaço SchengenMas este é um espaço de livre circulação que pode ser suspenso em certas circunstâncias. Quais?

Sim, pode. Este espaço, como eu digo, tem responsabilidades. Uma das principais responsabilidades – é interessante também notar isso – é o controlo das fronteiras externas do território e para isso é preciso cumprir uma série de regras comuns, ou seja, qualquer país que faça parte de Schengen tem uma obrigação – perante todo o espaço, perante todos os outros países – de controlar as suas fronteiras externas porque passam a não ser só suas, passam a ser fronteiras externas de todo o Espaço Schengen.

Isto implica também que exista uma série de regras comuns para garantir a segurança de pessoas e bens. E há também uma harmonização da política de vistos para estes países. Mas relativamente ao repor de fronteiras…

Repor de fronteiras, que é a suspensão do Espaço Schengen…

Que é a suspensão do Espaço Schengen. É uma situação que é absolutamente excecional. É uma medida excecional que tem de ter um alcance e uma duração limitados mas que acontece em caso, por exemplo, de ameaça grave à ordem pública. Para concretizar um pouco mais: normalmente os países fazem-no quando têm grandes eventos a realizar-se nos seus territórios e consideram que o grande afluxo de pessoas que se vai verificar pode implicar algum risco. E pode implicar algum risco não só para o seu território, mas para o Espaço Schengen em geral. Por isso pedem uma exceção para repor os controlos de fronteiras.

Normalmente, quando há grandes acontecimentos, como os campeonatos de futebol da Europa ou do Mundo, no espaço europeu, ou Jogos Olímpicos, por exemplo, os países recorrem a esta medida excecional.

Os portugueses e os europeus ouviram falar muito destas questões quando foi a COVID-19?

Sim, mas nesse caso foi por razões diferentes. De certo modo, o que os Estados fizeram foi por acordo entre eles. E quando não o fizeram por acordo – e todos nos lembramos do início da crise da COVID-19 em que, de forma perfeitamente compreensível, os Estados quiseram tomar medidas de forma muito urgente para impedir a propagação de uma doença, que na altura era pouco conhecida – foi porque os Estados perceberam que isso poderia ser uma ameaça à sua ordem pública, e também à saúde pública. E por isso introduziram essas medidas. Depois, no caso da COVID-19, evolui-se para medidas coordenadas a nível europeu em relação ao Espaço Schengen.

Estão dispensados os vistos para quem circula no Espaço Schengen? Para quem é cidadão de um país que faz parte do Espaço Schengen?

Por fazermos parte do Espaço Schengen, por exemplo, entre Portugal e França, ou a Alemanha, se nós quisermos viajar – há obviamente controlos aleatórios por razões de segurança – de uma maneira geral, podemos pegar no carro no Porto e chegar a Berlim sem nunca ter parado numa fronteira.

A questão dos vistos é diferente. A questão dos vistos é que, para que tudo possa funcionar e como a circulação é livre neste espaço, os países do Espaço Schengen têm que ter uma política harmonizada de vistos, ou seja, as exigências de vistos têm que ser as mesmas para todos os países, porque, caso contrário, um cidadão que quisesse vir de um país para o qual seria necessário o visto só para um Estado-Membro e não para o outro, ia sempre entrar pelo país que obviamente não exigiria o visto.
Espaço Schengen e controlo de fronteiras
Há, mesmo assim, um controlo de fronteiras obviamente feito pela União Europeia. Como é que isso é feito para que não possa colidir com esta liberdade de circulação interna, mas possa evitar a circulação externa que possa ser prejudicial?

Sim, o controlo de fronteiras é o controlo de fronteiras externo. Por isso estou a falar agora das fronteiras externas do Espaço Schengen da União Europeia. Este controlo é feito pelos próprios Estados-Membros que são auxiliados por sistemas europeus, desde logo por uma Agência Europeia de fronteiras externas.

Mas a responsabilidade é dos Estados-Membros, ou seja, cada Estado-Membro que tem uma fronteira externa tem a responsabilidade de a controlar. No caso português, a fronteira terrestre com Espanha não é uma fronteira externa, mas os nossos aeroportos são fronteiras externas e cabe ao Estado Português controlar essas fronteiras externas em nome de todo o Espaço Schengen.

Isso implica que haja um sistema de verificação de chegadas para pessoas que não são do Espaço Schengen?

Sim, há um sistema de verificação de chegadas. Há também um Sistema de Informação de Schengen, que é um sistema informatizado para partilha de informações que, na prática, é um instrumento de cooperação entre as autoridades. Em primeiro lugar, entre as autoridades responsáveis pelas fronteiras e pela imigração, mas é um sistema que também é útil para as autoridades policiais, para as autoridades judiciárias e para as autoridades aduaneiras.
O Espaço Schengen, Asilo e Proteção Temporária
Em relação aos refugiados, a questão é completamente diferente.

A questão dos refugiados é diferente. O Direito ao Asilo está consagrado na Convenção de Genebra e por isso o Sistema Europeu de Asilo vai possibilitar não só o Estatuto de Refugiado, mas complementa esse estatuto com um Sistema de Asilo – uma proteção subsidiária – que é um regime exclusivo da União Europeia. O Asilo é concedido a estrangeiros, a apátridas e a quem não seja reconhecido o estatuto de refugiado mas que está impedido ou se sinta impossibilitado de regressar ao seu país de nacionalidade. É um sistema de proteção internacional.

Há também um sistema de que se ouviu falar muito, agora, com a questão da Ucrânia, que é a Diretiva de Proteção Temporária que foi automaticamente aplicada a todos os ucranianos que fugiam da guerra.

A Diretiva de Proteção Temporária regula um regime de concessão de proteção temporária, como refere o próprio nome, no caso particular de um afluxo maciço de pessoas que venham deslocadas de países terceiros e que estejam impossibilitadas de regressar, no curto prazo, ao seu país de origem. Aplica-se em casos muito particulares.

Esta diretiva começou a ser pensada após a Guerra Civil da Jugoslávia, quando de facto se verificou que houve muitas pessoas deslocadas, e o que é interessante é que antes da guerra na Ucrânia nunca tinha sido ativada. De tal modo que havia alguns debates sobre se seria necessária. É de facto necessária, como nós vimos. E é muito útil porque permite uma resposta rápida à necessidade de atribuir um estatuto de proteção a essas pessoas sem ser necessário que tenham que passar por todos os procedimentos normais inerentes a análise e a atribuição de um estatuto de proteção internacional. Obviamente é também um instrumento de partilha de responsabilidades e de solidariedade entre os Estados-Membros, mas permitiu essa reação que foi muito importante quando se iniciou a guerra na Ucrânia.

Para consulta:


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