Bruxelas.PT - O Orçamento Comunitário: as despesas

por Andrea Neves correspondente Antena 1 em Bruxelas

Episódio original publicado a 10 de novembro de 2023 | Foto: Genevieve Engel © European Union 2020 - Fonte: EP

Uma conversa da jornalista Andrea Neves com Rui Henrique Alves, Professor da Faculdade de Economia da Universidade do Porto e ex-Coordenador do Núcleo de Economia e Finanças da Representação Portuguesa junto da União Europeia.

Os objetivos do Orçamento ComunitárioQuais são as grandes áreas que o Orçamento Comunitário financia?

Eu diria que, basicamente, este Orçamento tem três grandes áreas: a chamada Política Agrícola Comum, a área da Política de Coesão e as outras áreas, entre as quais as novas prioridades.

O último Quadro Financeiro Plurianual, basicamente, levou a que cada uma destas partes contasse com cerca de um terço do montante e isto corresponde, de alguma maneira, à continuação de uma tendência – que vem de há muitos anos – de ir diminuindo o peso das políticas a que alguns chamam de tradicionais, como a Política Agrícola e a Política de Coesão, para aumentar o espaço para outras áreas de atuação.

Recorde-se que a Política Agrícola Comum já representou quase 90 por cento do Orçamento, numa altura em que também não havia outras, mas hoje já só vale um terço e mantem-se a discussão sobre se mesmo um terço não é demasiado.

É mais sensível, de facto, a Política de Coesão, que é aquela que nos vai dizendo mais. A Portugal e a muitos países, sobretudo do Leste.

A verdade é que, como em tudo o resto, se nós temos um valor que não estica, quando quisermos dar mais a um dos lados, temos que tirar ao outro. E de facto, ao longo dos últimos anos as prioridades da União Europeia tiveram que ir sendo alteradas, até pelas próprias circunstâncias.

O âmbito digital e o âmbito verde ganharam uma nova força, sem dúvida, mas tivemos também que reagir a outras situações problemáticas – como a crise das migrações, que ainda não está resolvida, os atentados terroristas, primeiro na França, depois na Bélgica e por aí adiante – e, portanto, surgiram novas preocupações com a segurança. Agora, infelizmente, com a guerra na Ucrânia, temos outras preocupações em matéria de defesa e de segurança na Europa.

Isto leva-nos a supor que, no futuro, a coesão e a agricultura podem vir a ter menos fundos, até porque, por exemplo, quando olhamos para os Eurobarómetros, as pessoas preocupam-se realmente com a segurança e a defesa e não referem tanto a coesão e a Política Agrícola Comum.

Eu diria que sim, será sempre complicado se a solução não for aumentar o bolo. Essa seria a melhor solução, isto é, os países pensarem que a União Europeia é um espaço que pretende trazer um aumento do bem-estar e da prosperidade a todos. Mas a União Europeia, em si, não tem receitas, portanto, isso só é possível se todos concordarem em aumentar o bolo.

Mas isso implica, também, explicar aos cidadãos que o valor com que vão contribuir para a Europa o vão depois receber e, provavelmente, em montante mais elevado.

Sim, e isso leva-nos a outras questões, porque daqui a uns meses temos eleições para o Parlamento Europeu e provavelmente, o que vamos ver ao longo da pré-campanha e da campanha será uma discussão sobre tudo menos sobre os assuntos da União Europeia. Se eu bem me lembro discutem-se sistematicamente assuntos nacionais. E este não é um problema só de Portugal, é um problema geral na Europa.
Os beneficiários líquidos e os contribuintes líquidos
Portugal é um beneficiário líquido do Orçamento Europeu. O que é que isto significa?

É muito fácil explicar: nós recebemos fundos da União Europeia e pagamos fundos à União Europeia, em particular a contribuição em função do PIB per capita. O que acontece é que, desde que nós aderimos à União Europeia, a diferença entre o que recebemos e o que pagamos é positiva. Portanto, nós recebemos sempre mais do que aquilo que pagamos e é, normalmente, uma diferença muito significativa.

Mas para este equilíbrio acontecer, ao nível do Orçamento da própria União Europeia, significa que há países que vão ter que ser contribuintes (e não beneficiários) líquidos, ou seja, contribuem com mais verbas do que aquelas que recebem.

Sim, temos basicamente uma divisão entre, por um lado (sobretudo) os países do Norte – Países Baixos, Alemanha, os países nórdicos, entre outros – que contribuem muito mais do que aquilo que recebem em termos de fundos financeiros da União Europeia, e por outro lado, os países do Sul e os países do Leste em que acontece precisamente o contrário.

E esta é uma situação que leva muitas vezes a tensões e dificuldades de decisão, sobretudo porque há dinheiro em jogo e é preciso saber onde é que se vai buscar e a quem é que se vai entregar. Eu consigo compreender, parcialmente, essas tensões e essas dificuldades.

Quando falo nestes assuntos, seja aos meus estudantes seja ao público em geral, costumo dizer: “se eu deixar esta sala e encontrar, à saída, alguém que está a pedir dinheiro porque supostamente precisa dele para comer, eu dou; mas se perceber que essa pessoa, em vez de ir comprar comida, vai, por exemplo, comprar produtos ilícitos ou que não são fundamentais, provavelmente da próxima vez eu já não contribuo”.

E, na verdade, há muitas vezes – no Norte da Europa – a sensação de que muito do dinheiro que saiu para alguns países, pela via do Orçamento da União Europeia, não foi bem gasto.

Mas os países que recebem esse dinheiro têm que dar justificações à Comissão Europeia, à União Europeia, de como estão a gastar esses fundos?

Sim, no que se refere aos fundos (tirando agora o PRR que tem uma natureza diferente), mas no que se refere, por exemplo, aos fundos da coesão, é verdade que os países têm de se candidatar, os projetos têm de ser aprovados e têm de ser, depois, concretizados. E deve haver provas de que as despesas foram efetuadas.

O problema é que, às vezes, as provas mostram que as despesas não foram assim tão licitamente efetuadas.

Eu acho que podemos ter dois problemas. O primeiro é o de saber se, de facto, – mesmo que não tenha havido ilícito nenhum – o dinheiro foi gasto onde fazia sentido gastar. Eu dou-lhe um exemplo que até costumo usar várias vezes: nós em Portugal temos 300 e poucos concelhos e alguns deles são de dimensão até bastante reduzida; imagine que temos três concelhos muito próximos – eu não vou especificar quais para não ferir suscetibilidades – que até nem têm muita população, e um deles decide construir uma piscina municipal porque se candidatou a financiamento da União Europeia e conseguiu; bom, o vizinho do lado vai pensar que se o outro concelho tem, eles também podem ter mas, já agora – como o vizinho do lado tem uma piscina municipal descoberta – decidem fazer uma piscina coberta; e depois surge um terceiro concelho que quer o mesmo que os outros dois mas ainda vai juntar as ondas na piscina.

Isto aconteceu em Portugal. Não é um caso virtual.

Ora, no fim, temos três equipamentos cuja utilização acaba por não ser a ideal, porque não há população que chegue, e com um problema adicional, porque se o investimento é apoiado a manutenção, depois, tem que ser feita pelo país, pelo município.

Depois temos, de facto, a questão das fraudes e esse é um assunto mais delicado. Isso, de todo, não devia acontecer. Felizmente há alguns mecanismos para ir lidando com essas situações. Enfim, não são eficazes a 100 por cento, nem pouco mais ou menos, mas a fiscalização tem vindo a melhorar ao longo do tempo.
O alargamento da União Europeia
Deixe-me antever a possibilidade de alguns países, como a Ucrânia, virem a fazer parte da União Europeia. Quando a Ucrânia entrar não será propriamente um país rico. Virá como um país destruído e vai certamente receber muitos fundos. Isso implica tirar – ou não, pergunto – dinheiro de fundos europeus a Portugal?

Sim, sem dúvida. Haveria desde logo um efeito estatístico e nós passávamos, provavelmente, a fazer parte do clube dos ricos. Estatisticamente. A Ucrânia seria, de longe o país mais pobre da União Europeia. Ainda por cima, é um país enorme – quer do ponto de vista territorial, quer do ponto de vista populacional – o que significa que teria muito peso nas decisões da União Europeia, sem dúvida, e seria um país com muitas dificuldades económicas e a precisar de muita ajuda.

Eu percebo que se diga que a Ucrânia é candidata e que um dia vai estar na União Europeia – espero mesmo que um dia esteja na União Europeia, eu gostaria que estivessem todos. Até gostaria que um dia a Rússia estivesse na União Europeia, o que seria muito bom sinal se pensarmos que a União Europeia foi construída como, basicamente, um espaço de paz.

Não é um caso igual, mas olhemos para o caso da Turquia. Há vários anos que a Turquia está à espera de entrar na União Europeia. Tem problemas relativamente semelhantes no que diz respeito à população e à situação económica – a Ucrânia vai estar pior por causa da guerra – mas com iguais consequências ao nível da tomada de decisão e de distribuição de fundos, etc.

O que é que eu quero dizer com isto? Sem que haja primeiro uma alteração muito significativa – e eu já nem digo do Orçamento e dos fundos, mas do processo de tomada de decisão – eu não vejo como é que é possível a Ucrânia vir a entrar na União Europeia.

A Ucrânia tem que se preparar para entrar na União Europeia, mas a União Europeia também tem que se preparar para que a Ucrânia entre na União Europeia.

E quem diz a Ucrânia diz outros países. Eu percebo que se esteja a dar prioridade à Ucrânia que tem mostrado uma capacidade de resistência “brutal”. Eu acho que a Ucrânia está a dar-nos um exemplo notável do que é resistir à opressão e isso merece obviamente todos os elogios e todos os apoios. Mas daí a ter a Ucrânia dentro da União Europeia… bem, é preciso mudar muita coisa e é preciso também ter em atenção que há muitos outros países que estão à espera, na fila, como os países dos Balcãs, e convém não esquecer a história. Os Balcãs sempre foram um sítio muito perigoso para o emergir de guerras na Europa. Portanto, é natural que neste momento o nosso foco seja a Ucrânia mas quando chegar a altura da entrada, propriamente dita, é bom que não esqueçamos os outros.

pub