Câmara de Contas timorense acusa empresário de burla em projeto de fábrica de cimento

por Lusa

A Câmara de Contas timorense acusou hoje um empresário que reside na Austrália de burla agravada relativamente a um projeto de construção de uma unidade de fabrico de cimento em Timor-Leste, que se arrasta há 10 anos.

James Rhee é acusado numa auditoria da CC de ter obtido "ganhos ilegítimos à custa de prejuízos para o Estado", no âmbito da operação da empresa TL Cement, num relatório que aponta ainda responsabilidades sancionatórias e reintegratórias a ex-membros do Governo e a funcionários do Estado.

O relatório, a que a Lusa teve acesso, considera que Rhee "falseou o balanço e a demonstração de resultados da empresa (não assinados) e proferiu declarações falsas no sentido de iludir e ludibriar as entidades públicas envolvidas [Ministério do Petróleo e Minerais, Ministério Coordenador dos Assuntos Económicos e a ANPM], assim como este tribunal".

O relatório atribui responsabilidades sancionatórias e reintegratórias relativas a um valor de 4,9 milhões de dólares [4,91 milhões de euros) a Rhee, à ex-ministra das Finanças Santina Cardoso, ao vice-ministro das Finanças, Helder Lopes e ao ex-diretor geral do Tesouro Rui Magno.

Em causa, explica a CC, está o "pagamento ilegal e indevido decorrente da movimentação do montante da transferência destinado à subscrição e realização da participação do Estado no capital social da TL Cement, SA, antes do registo da transformação da empresa", que "não se verificou até à data", havendo a "inexistência de contraprestação".

Os mesmos responsáveis são acusados ainda de "desvio de dinheiros públicos a título de alegado reembolso de empréstimos que nunca foram realizados", no valor de 2,2 milhões de dólares (2,21 milhões de euros).

Rhee e a sua procuradora em Timor-Leste, Maria Rita Pires, são ainda considerados responsáveis pela "introdução de documentos no processo e prestação de declarações que visaram iludir este tribunal quanto à alegada existência de empréstimos dos sócios à TL Cement, Lda., empréstimos que nunca existiram".

Em declarações à Lusa, em que deu eco ao contraditório que enviou à CC, James Rhee negou as acusações que considerou "absurdas", considerando serem uma tentativa de o culpar a si pelas responsabilidades de sucessivos Governos que, "durante 10 anos bloquearam e não fizeram avançar" o projeto.

"Este relatório gera danos à minha reputação. Depois de anos de silêncio, de 10 anos à espera do projeto avançar, com atrasos nas autorizações de mineração, terra e demais, fazem um acordo para investimento que não cumprem e agora acusam-nos de roubar dinheiro", afirmou o empresário de origem sul-coreana num contacto telefónico a partir da Austrália.

Rhee criticou as acusações que lhe são feitas explicando que ele próprio, perante a falta de avanço no projeto durante vários anos, decidiu fechar o escritório em Díli, sem nunca ter criticado o que ocorreu em Timor-Leste para não danificar a reputação do país.

"Timor-Leste é um local de risco, e sabemos as dificuldades de operar. Por isso prometi que se este negócio falhasse nos afastaríamos, em silêncio, para que outros investidores não fossem afetados pela nossa experiência", disse.

"Ficamos calados e agora temos este relatório de auditoria que é absurdo e uma pena. Limitam-se a culpar o investidor. É chocante" disse, explicando que já foram gastos mais de 5,6 milhões de dólares no projeto.

Rhee explica que foram feitos empréstimos pelos acionistas à TL Cement para financiar várias despesas efetuadas, que garante ultrapassarem os 5,6 milhões de dólares (5,62 milhões de euros).

O relatório da Câmara de Contas (CC), a que a Lusa teve acesso, abrange as transferências públicas entre 2016 e 2019 no âmbito da TL Cement, projeto que previa a construção perto de Baucau, a segunda cidade timorense, da produção de cimento.

Especialmente analisadas são o "pagamento/transferência do valor de 4,9 milhões de dólares, em novembro de 2016, para a conta da TL Cement, Lda., a título de subscrição e realização de capital social pelo Estado sem que a entrada do Estado no capital social da empresa tivesse sido concretizada".

É igualmente analisada a aprovação, em 2018, de uma transferência de 50 milhões de dólares (50,1 milhões de euros) para uma conta bancária aberta pela Autoridade Nacional do Petróleo e Minerais (ANPM) junto do Banco Central de Timor-Leste (BCTL) e que se refere à "comparticipação do Estado no âmbito do Acordo Especial de Investimento (AEI) celebrado com a TL Cement".

Esse valor de 50 milhões permanece na conta.

A CC explica que se trata de "verificar a legalidade e a regularidade das transferências públicas realizadas" bem como do "cumprimento pelas partes dos acordos assinados e a sua execução" e ainda "avaliar a boa gestão financeira das verbas transferidas para a TL Cement, Lda., nomeadamente quanto à aplicação das mesmas nos fins a que se destinavam".

Em causa está um pagamento de 4,9 milhões de euros feitos pelo Estado à Tl Cement "destinados à subscrição e realização da participação do Estado no capital social" da empresa, primeira tranche de um acordo total de 10 milhões de dólares (10,1 milhões de euros).

A conta destino foi movimentada entre novembro de 2016 e fevereiro de 2018, chegando ao saldo zero, com a CC a considerar essa movimentação ilegal visto não ter sido concluído o registo formal da operação de participação do Estado.

"O Estado gastou 4,9 milhões de dólares e não recebeu, até ao momento, nada em troca. Está em causa um prejuízo financeiro naquele montante por inexistir contraprestação", argumenta a CC, considerando que a operação representava um prémio de 40 dólares por ação.

Rhee explica que a empresa tinha que reembolsar os empréstimos de acionistas e outras despesas efetuadas até aquele momento, com a CC a insistir não ter sido "obtido qualquer documento subscrito pelas partes que sustente" a existência das "alegadas dívidas".

 

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