Cientistas estimam que 2023 seja o ano mais quente desde meados de 1800

por Carla Quirino - RTP
Fogo de grandes dimensões em Tenterfield, Austrália, a 31 de outubro de 2023. Tyr Liang - AAP via Reuters

A análise da comunidade científica aponta para que 2023 seja o ano mais quente desde que há registos. Face a um verão de elevado calor, estima-se que a temperatura média global fixe um novo recorde de 1,7°C, acima dos níveis do final do século XIX.

Depois de um início de ano fresco, os últimos quatro meses registaram temperaturas globais acima da média, superando por largas margens os registos mensais em igual período de anos anteriores.

Nas vésperas da cimeira climática Cop28, que irá decorrer no Dubai, os cientistas antecipam valores de aquecimento global históricos.

“Podemos dizer com quase certeza que 2023 será o ano mais quente já registado e está atualmente 1,43º C acima da média pré-industrial”, declarou Samantha Burgess, vice-diretora do Serviço de Alterações Climáticas Copernicus.

“O sentimento de urgência para uma ação climática ambiciosa na Cop28 nunca foi tão grande”, sublinhou Burgess, citada na publicação The Guardian.

Todos os diferentes conjuntos de dados de temperatura analisados por várias entidades projetam que 2023 excederá o recorde anterior de 2016 por uma margem semelhante.

Por exemplo, a NASA regista 1,35° C acima dos níveis pré-industriais (1850-99), a agência europeia Copernicus apresenta 1,43° C e a Berkeley Earth, organização focada na análise de dados de temperatura terrestre para ciência climática, com sede na Califórnia, aponta 1,53° C, dados citados no Carbon Brief.

O Copernicus detalhou não só que a temperatura média global entre janeiro e outubro de 2023 foi a mais alta já registada como superou a média de dez meses de 2016 – ano com o título recordista de mais quente – em 0,1ºC.

“É assustador ver que a temperatura global desde junho de 2023 é muito mais quente do que durante o segundo semestre de 2015, quando o El Niño foi muito mais forte”, vincou Akshay Deoras, investigador de meteorologia da Universidade de Reading, em Inglaterra. “O nosso planeta continua a passar por marcos infelizes na sua história meteorológica e não será surpreendente ver novos recordes nos meses subsequentes”.
“Escaldante outubro”
É também unanime que o mês passado foi o outubro mais quente alguma vez registado a nível mundial, com temperaturas 1,7º C acima do que se pensava terem sido durante o outubro médio do final do século XIX.

Deoras chama a atenção para o “escaldante outubro de 2023” e diz que “é outro exemplo infeliz que mostra como os registos de temperatura estão a ser ultrapassados por uma margem enorme”.

Afirma ainda que o “aquecimento global devido ao aumento das emissões de gases com efeito de estufa e ao El Niño no Oceano Pacífico tropical estão a atingir o planeta com muita força”.
“Poderosa combinação de gases”
Os cientistas acreditam que as temperaturas extremas tenham sido “impulsionadas por uma poderosa combinação de poluição por gases com efeito de estufa, pelo regresso do padrão climático natural El Niño" e por uma série de outros fatores, como incêndios de grandes proporções.

O homem continua a destruir a cobertura aquática e terrestre do planeta e a encher o ar de combustíveis fósseis. O bombardeamento de gases que retêm calor na atmosfera provoca um aumento da temperatura do planeta em 1,2°C desde a Revolução Industrial.

“O facto de estarmos a assistir a este ano de calor recorde significa também um sofrimento humano recorde”, disse Friederike Otto, cientista climática do Imperial College London.

“Neste ano, as ondas de calor extremas e as secas agravadas por estas temperaturas extremas causaram milhares de mortes, pessoas que perderam os seus meios de subsistência, foram deslocadas, etc”, sublinha.

Na cimeira climática de Paris, realizada há oito anos, os líderes mundiais propuseram impedir o aquecimento do planeta em 1,5ºC até ao final do século. Porém, as políticas atuais não conseguiram reverter a velocidade do aquecimento. Isto porque, desde então, a temperatura da Terra subiu em cerca de 2,4ºC.

“É por isso que o Acordo de Paris é um tratado de Direitos Humanos e não cumprir os seus objetivos é violar os Direitos Humanos em grande escala”, reitera Otto.

Richard Allan, cientista climático da Universidade de Reading, deixa claro: “Somente com cortes rápidos e massivos nas emissões de gases com efeito de estufa, em todos os sectores, poderemos evitar estas notícias repetidas de calor recorde e, mais importante, limitar a crescente gravidade de extremos húmidos, quentes e secos que acompanham um mundo em rápido aquecimento”.
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