Colômbia. Sexto dia de protestos marcado por nova greve geral

por Graça Andrade Ramos - RTP
Uma manifestante bate numa panela durante uma marcha em Bogotá, de protestos contra o Governo do Presidente conservador Ivan Duque, dia 27 de novembro de 2019 Reuters

Sindicatos e associações de estudantes voltaram às ruas da Colômbia esta quarta-feira, desta vez em honra de um jovem manifestante, morto em confrontos com a polícia. Este é já o sexto dia de protestos, depois de, na semana passada, ter sido decretada uma greve geral, e uma marcha ter juntado, em Bogotá, uma multidão estimada pelos organizadores em 250 mil pessoas.

Esta quarta-feira, temendo confusão e atrasos nos transportes, muitos colombianos decidiram ficar em casa. Outros prometeram juntar-se ao protesto.

"Se depararmos com a marcha à nossa frente e tivermos de nos apear, iremos juntar-nos à marcha no caminho para o trabalho", afirmou à televisão do Qatar, al Jazeera, Yanira Velez, de 28 anos, secretária numa instituição bancária, enquanto esperava um autocarro no sul de Bogotá.

"Temos de apoiar a greve", acrescentou, prometendo que "hoje à noite vamos juntar-nos ao cacerolazos, depois do trabalho", referindo-se à forma peculiar de protesto, habitual na América Latina, que consiste em bater num tacho ou panela.

Jonathan Ramirez, um outro manifestante, explicou por seu lado que, a "Colômbia está cansada de injustiça, de má governação e de desigualdade social".

"A Colômbia é a nossa vida, a nossa casa e estamos a destrui-la", acrescentou o homem, de 34 anos.




Na cidade de Cali, duas marchas de protesto decorreram de forma pacífica, obedecendo ao apelo dos organizadores, informou a polícia local.
Contestação aos protestos
Muitos colombianos mostram-se contra as manifestações, que consideram manobras "da extrema esquerda", exigindo o regresso à normalidade e denunciando a violência dos manifestantes contra as forças policiais.


Na marcha de protesto desta quarta-feira, os manifestantes colocaram uma bandeira colombiana aos ombros da estátua de Símon Bolívar, símbolo de liberdade para diversos países da América Latina.


Bolívar é também o alegado inspirador da Revolução venezuelana de Hugo Chávez, o que poderá confirmar no espírito de muitos colombianos a ligação das manifestações a um golpe de esquerda ou, pelo menos, à instrumentalização do descontentamento.

Para muitos analistas, os protestos resultam de uma tempestade perfeita que se formou em torno do Governo do Presidente conservador Ivan Duque, no poder há 16 meses.

Os apelos à greve geral começaram logo em outubro, depois de começarem a circular rumores sobre um pacote governamental a prever cortes nas reformas e nas pensões, o aumento da idade de reforma e reduções do salário mínimo para os mais jovens.

Ao mesmo tempo, nas universidades, as organizações de estudantes contestavam a corrupção e cortes na educação, enquanto se registava um aumento dos ataques contra líderes indígenas e sociais, circunstância que muitos atribuíram à alegada lentidão com que Duque tem implementado um acordo de paz, estabelecido pelo seu antecessor com as guerrilhas.
"Panela de pressão"
À greve geral decretada a semana passada pelos sindicatos e estudantes, juntaram-se rapidamente grupos de toda a sociedade colombiana.

Os protestos "expandiram-se rapidamente para algo muito mais vasto, atraindo não apenas estudantes e trabalhadores, mas todo o tipo de colombianos, preocupados com um sistema de saúde extremamente deficiente, pensões reduzidas, violência, desigualdade, corrupção e outras questões", referiu a analista política Arlene Tickner, da Universidade de Rosário, em Bogotá.

A inquietação "era como uma panela de pressão à espera de explodir", explicou à Al Jazeera. A natureza pacífica dos protestos iniciais transformou-se aliás rapidamente, com os manifestantes a acusarem a polícia de abusos e de violência extrema.


Quinta e sexta-feira passadas ocorreram pilhagens e confrontos, que terão provocado três mortos e levaram à colocação das cidades de Bogotá e de Cali sob recolher obrigatório.Sábado, um jovem de 18 anos, Dilan Cruz, foi atingido à queima roupa por uma granada de gás lacrimogéneo disparada pela policia de choque, a ESMAD. Cruz faleceu segunda-feira e tornou-se de imediato o símbolo de milhares de manifestantes.

O Comité Nacional para a Greve, que junta os sindicatos e organizações estudantis mais representativos, exige agora ao Governo a dissolução e a "purga" da polícia.

Esta terça-feira, o Governo esteve reunido com o Comité, mas o diálogo esbarrou num impasse, com os sindicalistas a pedirem uma reunião exclusiva com Duque, sem a presença de patrões ou de líderes de outros grupos.

Após a reunião, o Comité nacional anunciou o agravamento da luta. "Vamos fortalecer e aumentar os protestos", prometeu. "A greve continua", acrescentou , apelando a nova paralisação geral esta quarta-feira.

O Comité quer ainda que o executivo colombiano ponha de lado um pacote financeiro que previa cortes nos impostos aplicados às empresas.
Entre a espada e a parede
As exigências dos manifestantes, para já sem liderança formal apesar do papel assumido pelo  Comité Nacional, não estão sistematizadas e será difícil ao Governo colombiano responder ao estado geral de insatisfação.

Até porque, o partido do presidente iria muito provavelmente retirar-lhe o apoio, caso Duque cedesse na implementação do acordo de paz ou na dissolução da polícia.

O Presidente anunciou no início da semana várias alterações à proposta sobre os impostos
, avaliadas em 930 milhões de dólares, incluindo o regresso de taxas bonificadas para os colombianos mais pobres, que representam 20 por cento da população, e contribuições mínimas dos pensionistas para os cuidados de saúde estatais.

"A nossa responsabilidade é unir a Colômbia", apelou Ivan Duque no domingo, prometendo ainda abrir até março de 2020 vias de diálogo sobre questões sociais, económicas e ambientais. Sugestão rejeitada com escárnio pelos manifestantes.

"Muito pouco, muito tarde", referem os analistas sobre as propostas do Presidente.

"Os manifestantes não querem estar a debater isto até março de acordo com os termos do Governo. Querem um lugar à mesa, querem ser reconhecidos quanto à importância assumida pelo seu movimento e pela significância do seu número", referiu à al Jazeera Sergio Guzman, diretor do Colombia Risk Analysis.

O Presidente "Duque foi muito lento a reconhecer a legitimidade dos protestos, surdo às múltiplas fontes de descontentamento caracteristicas da sociedade colombiana, e rápido a estigmatizar os manifestantes e a afirmar que os protestos são obra de agentes externos", analisa por seu lado Tickner.


Alguns rumores ligaram a eclosão dos protestos à presença de refugiados venezuelanos no país, alguns dos quais estarão  ao serviço do Presidente Nicolás Maduro, com a missão de desestabilizar a Colômbia e abrir caminho a um Governo de esquerda.

Pelo menos 59 venezuelanos já foram expulsos da Colômbia acusados de serem agitadores das manifestações.
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