Colômbia. Uma dezena de mortos em duas noites de caos contra brutalidade policial

por Graça Andrade Ramos - RTP
Protestos contra a violência policial lançaram o caos em Bogotá, Colômbia, a 09 e a 10 de setembro de 2020 Reuters

Protestos contra a morte de um homem de 46 anos, na quarta-feira, numa ação violenta da polícia colombiana, lançaram o caos em várias áreas da capital da Colômbia, Bogotá, e da cidade vizinha de Soacha. Pelo menos 13 pessoas morreram nas manifestações, a maioria atingidas a tiro pelas autoridades.

"As 13 vitimas foram mortas pelas armas exclusivas das Forças Públicas, durante os protestos. Oito delas eram jovens entre os 17 e os 27 anos. Três eram mulheres entre os 18 e os 36 anos", informou a presidente da edilidade da capital, Cláudia Lopez.Até agora, não se sabe quem autorizou a polícia a usar fogo real contra os manifestantes.

De acordo com um balanço oficial, mais de 200 civis e 194 polícias ficaram feridos nos confrontos que marcaram os protestos, e 50 esquadras e postos de polícia foram destruídos.

O ministro da Defesa, Carlos Holmes Trujillo, reforçou as forças de segurança com 1.600 homens na primeira noite de distúrbios. Pediu aos cidadãos para não "estigmatizarem" a polícia e ofereceu recompensas pela denúncia de quem cometesse atos de vandalismo.

Após a segunda noite de caos, pediu desculpa, em nome da polícia nacional, pelo incidente de brutalidade policial que provocou uma onda de indignação.

"A Polícia Nacional pede desculpa por qualquer violação da lei ou ignorância dos regulamentos da parte de quaisquer membros da instituição", disse Trujillo numa mensagem vídeo.


O pedido de desculpas pretende evitar uma terceira noite de caos em Bogotá, mas os pedidos de demissão de Trujillo sucedem-se.
"Por favor, mais não"
A onda de violência foi provocada pela morte de Javier Ordoñez, um taxista prestes a passar o exame da Ordem dos Advogados colombiana, de 46 anos e pai de dois filhos.

Quarta-feira,  nove de setembro, foi repetidamente eletrocutado com um taser por um agente que, com outro, o mantinha imobilizado no chão.

O incidente foi filmado pelo telemóvel de um dos amigos do advogado, que avisava os polícias de que estava a gravar enquanto lhes pedia para parar de aplicar eletrochoques a Ordoñez. Este, no chão, pedia igualmente "por favor, mais não".


A polícia diz que o pai de dois filhos foi detido por estar a beber álcool com amigos na rua, em violação das regras de distanciamento ditadas pela pandemia de Covid-19. Oficialmente, Ordoñez foi levado para uma esquadra na parte ocidental de Bogotá e veio a morrer no hospital.

A sua ex-mulher, Maria Angélica Garzón, diz que ele saiu de casa à meia-noite de quarta-feira para ir comprar bebidas, tendo sido parado por dois polícias que lhe pediram os papéis de identidade.

Os polícias aplicaram-lhe pelo menos 10 eletrochoques, enquanto lhe exigiam que pusesse as mãos atrás das costas.

As imagens da sua detenção espalharam-se pelas redes sociais colombianas e causaram indignação generalizada.

De acordo com a imprensa local, Ordonez terá sido gravemente espancado dentro da esquadra, antes de falecer num hospital local.
Promessas e protestos
A esquadra onde Ordoñez ficou detido, no bairro de Villa Luz, é um ponto central dos protestos. Mal se soube da morte, foi cercada por manifestantes que gritavam "assassinos, assassinos".

Logo nessa madrugada, esquadras, caixotes de lixo, autocarros, carros e motociclos, foram incendiados nos protestos.

A polícia respondeu com gás lacrimogéneo, balas de borracha e fogo real. Uma das 13 vítimas foi Jaider Fonseca, de 17 anos, que morreu frente a uma esquadra depois de ter sido atingido nas pernas por quatro tiros."Ninguém deu ordem para o uso indiscriminado de armas de fogo, mas temos provas de que foi isso mesmo que sucedeu em vários locais", indignou-se Cláudia Lopez.

Logo após os protestos dessa noite, a presidente da Câmara de Bogotá exigiu uma investigação e a reconstrução dos incidentes e prometeu que qualquer crime que tivesse sido cometido não seria esquecido nem deixado sem castigo.

As promessas não foram ouvidas e as manifestações voltaram à rua na noite seguinte. A família de Ordoñez tem-se mantido afastada dos protestos.

Dois polícias implicados na morte do advogado foram suspensos e vão ser demitidos das forças de segurança. São acusados de homicídios e de abuso de autoridade. Outros cinco agentes foram suspensos, revelou Trujillo.
Problema estrutural
"Não iremos tolerar a brutalidade. Mas temos de esclarecer que nem todos os agentes cometem abusos", reagiu o Presidente colombiano. Ivan Duque apelou à "calma e serenidade" e à "confiança nas instituições independentes do nosso Estado de Direito".

Cláudia Lopez contradisse Duque. "Estes não são crimes isolados. Estamos perante um problema estrutural da Polícia", acusou a presidente da Câmara de Bogotá.Os protestos lembram não só o assassínio de Ordoñez mas pelo menos outros dois ocorridos em 2020, o de Nicolas Neira, de 15 anos, morto ao ser atingido na cabeça por uma granada de gás lacrimogéneo, e o de Andres Becerra, de 17, abatido a tiro nas costas pela polícia, alegadamente sem qualquer justificação.

A oposição a Duque diz que as forças da ordem declararam guerra à juventude colombiana e têm disparado indiscriminadamente sobre a população.

Em 2019, a morte de outro adolescente atingido fatalmente por um projétil disparado pela policia anti-motim levou a críticas generalizadas.

O responsável pela polícia, Carlos Camargo, afirmou na rede Twitter que a sua instituição "está solidária com as famílias das vítimas e avisa os cidadãos que a violência não é resposta, e apela a que a reprovação seja canalizada através de protestos pacíficos".
Reforma da polícia
Um grupo de advogados, colegas de Ordoñez, apresentou uma petição no Supremo Tribunal de Justiça. Pedem que a sua morte não fique impune e que seja julgada num tribunal criminal civil e não militar. Alegam que o sistema judicial militar terá tendência a absolver os agentes, como já sucedeu no passado.

Exigem ainda uma investigação às ordens para disparar sobre os manifestantes em Bogotá.

O apelo foi secundado por Cláudia Lopez. A presidente da edilidade de Bogotá quer ir ainda mais longe e fala em reforma total da Polícia Nacional colombiana.

"Não só estes acontecimentos têm de ser investigados de forma independente que garanta a Justiça, mas o recrutamento, o treino, os protocolos e os métodos de investigação de casos de abuso policial deveriam ser objeto de uma reforma estrutural", aconselhou Lopez.

O complexo sistema de conflitos internos e de violência impune, devido a um fraco sistema judicial e a guerras entre narcotraficantes, inclui uma lista extensa de abusos policiais e militares, além de milhares de execuções extrajudiciais realizadas por membros das forças de segurança.


De acordo com o grupo defensor dos Direitos Humanos, Temblores, registaram-se entre 2017 e 2019 mais de 40.400 casos de abuso físico por parte da polícia colombiana e mais de 600 assassínios de civis por parte de agentes das forças da ordem.

Uma sondagem Gallup, de 2019, revela que a reputação da polícia na Colêmbia entrou em queda livre nos últimos anos.
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