Corrida para o Inferno. Pontos de não-retorno assinalados pelos investigadores do clima

por RTP
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A crise climática colocou a humanidade à beira de um caminho sem retorno com as temperaturas a subirem a um nível que coloca em risco ecossistemas num efeito dominó imparável. Por exemplo, os lençóis de gelo da Antártica já terão, segundo especialistas, ultrapassado esse ponto de não-retorno, o que levará a um impacto acelerado e irreversível noutros elementos do sistema global: um deles será a subida dos níveis dos oceanos que afectarão futuras gerações durante décadas ou mesmo séculos.

Num estudo do Instituto Potsdam de Pesquisas sobre o Impacto Climático (PIK), da Alemanha, que aponta termos ultrapassado esse ponto de não retorno, os milhões de simulações levados a cabo pelos investigadores permitiram concluir que o gradual desaparecimento do gelo na região antártica está ligado ao aquecimento na Gronelândia, às correntes quentes do Golfo do Atlântico e à própria floresta da Amazónia mesmo que a temperatura desça os dois graus preconizados pela Cimeira do Clima de Paris.

Trata-se aqui de um efeito dominó, em que a temperatura sobe face, por exemplo, à incapacidade da Amazónia, de aprisionar o CO2 nas suas árvores, já que largas zonas daquela floresta estão gradualmente a ser substituídas por savana.

O ponto fulcral apontado pela comunidade científica continua a ser a subida da temperatura do planeta. Com o desaparecimento da camada de gelo na Gronelândia, são libertadas águas mais frias na corrente oceânica, o que leva a uma desaceleração da Corrente do Golfo e alteração profunda do Amoc (fundamental para manter a Europa sob um clima ameno). Com menos calor transportado dos trópicos para o Polo Norte, pelo contrário aquecem as águas a Sul, com os lençóis de gelo da Antártida a derreterem também nessa região. A subida dos mares é já, nos dias que correm, um problema que afecta várias regiões do planeta.

O cenário traçado pelos investigadores coloca a humanidade perante um limiar insustentável em que estamos já com um pé em vários pontos de não-retorno: o colapso da calota de gelo da Gronelândia, o colapso de uma corrente-chave no Atlântico Norte, o que leva à ruptura dos ritmos da chuva, de que biliões de pessoas dependem para a produção de alimento, e um derretimento abrupto do permafrost rico em carbono, com consequente libertação para a atmosfera, endurecimento do efeito de estufa e acréscimo da temperatura do planeta num dominó circular e imparável.

Referem os investigadores que, mesmo tomando o mínimo de 1,5 graus de subida de temperatura que se espera, quatro dos pontos de não-retorno assinalados pelos estudos são já não apenas possíveis mas prováveis. Com o acréscimo destes 1,5º, asseguram, arriscamos a perda da quase totalidade dos glaciares de montanha.
 
Seis pontos nos 2 graus

Dos 16 pontos de não-retorno identificados pelos investigadores do PIK, os seis finais exigem apenas uma subida da temperatura no aquecimento global de 2 graus Celsius. O efeito de não-retorno tanto pode levar séculos como ser de alguns anos.

“A Terra pode ter deixado o estado climático ‘seguro’ para além do aquecimento global de 1º”, concluíram os investigadores, alertando que o passar um ponto de viragem é muitas vezes suscetível de ajudar a desencadear outros, produzindo esse efeito dominó.

Johan Rockström, diretor daquele instituto alemão e um dos elementos da equipa que está a realizar a investigação, assinala, no entanto, que, ao contrário do que indicam todos os sinais de alarme, “o mundo está a caminhar para 2-3º de aquecimento global”.

Quando a maioria das sociedades e dos seres humanos se desenvolveram no limiar do aquecimento de 1 grau Celsius, “isto coloca a Terra no caminho certo para ultrapassar pontos perigosos que se irão revelar desastrosos para as pessoas em todo o mundo. Para manter as condições de vida e permitir sociedades estáveis, temos de fazer tudo o que for possível para evitar ultrapassar esses pontos de não-retorno”.

“É realmente preocupante. Há razões para o desalento, mas também motivos para a esperança”, apontou David Armstrong McKay, da Universidade de Exeter e um dos principais autores de um estudo que determinou a temperatura necessária para pisar aqueles pontos. “Este estudo sublinha o quão importante é o objetivo do Acordo de Paris de 1,5 graus e o porquê de ser tão importante lutar por ele”.

“Cada fração de um grau que consigamos parar além de 1,5 graus Celsius reduz a probabilidade de atingir mais pontos de não-retorno”, assinalou.

Também um relatório recente do Painel Intergovernamental sobre Alterações Climáticas conclui que o risco de desencadear pontos de viragem climática se torna elevado com os 2 graus de aquecimento global. De acordo com o painel, são nove pontos identificados: o colapso da Gronelândia, a Antártida Ocidental e duas partes das camadas de gelo da Antártida Oriental, o colapso parcial e total de Amoc, a morte da Amazónia, o colapso do permafrost e a perda de gelo no Ártico.

O painel assinala que um ponto de não-retorno acontece quando um limiar de temperatura é ultrapassado, levando a mudanças imparáveis no sistema ainda que se colocasse um travão no aquecimento global.
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