A epidemia de covid-19 está a abater-se sobre Espanha de forma impiedosa. No arranque da semana, a mancha do novo coronavírus espalhou-se pelo território vizinho de maneira uniforme com a contagem de 462 mortos em apenas 24 horas. Há entretanto um dado fundamental para compreender o caso espanhol face à evolução da doença em Itália, primeiro país europeu onde soaram todas as campainhas: os italianos confrontam-se com focos localizados em três regiões, os espanhóis vêem o novo coronavírus cobrir todo o seu território nacional.
Num momento em que, após meses de bloqueio, Pequim anuncia para 8 de abril o levantamento do recolher obrigatório na cidade de Wuhan, em cujos mercados terá estado o primeiro foco da pandemia, os títulos desta semana continuam a dar nota do caos que se vive no Continente Europeu, em particular em Itália e Espanha, mas também na França, que está já a “exportar” doentes para a Alemanha e Suíça face à incapacidade hospitalar para lidar com todos os casos de covid-19.
Se voltarmos à matemática, percebemos que Espanha enfrentou nos últimos dias da semana passada uma curva ascensional que coloca o país como um dos exemplos mais críticos da pandemia.
Levando apenas três dias para duplicar os números de falecidos – do milhar para os dois milhares – este é um ritmo que se pode dizer insustentável quando comparado com a mesma circunstância em Itália (foram quatro dias para duplicar as primeiras 1000 mortes) ou mesmo na China.
A mancha territorial Levando apenas três dias para duplicar os números de falecidos – do milhar para os dois milhares – este é um ritmo que se pode dizer insustentável quando comparado com a mesma circunstância em Itália (foram quatro dias para duplicar as primeiras 1000 mortes) ou mesmo na China.
Estes dados conduzem-nos a várias tentativas de explicação, em particular para a questão territorial. Em Itália, como em Espanha, cerca de 90 por cento das primeiras mortes verificaram-se em apenas três regiões bem delimitadas. Dos transalpinos, na Lombardia, Emilia-Romaña e Veneto; dos espanhóis, Madrid, País Basco-La Rioja e Aragão.
A diferença está agora, numa fase posterior, da evolução dessa mancha territorial, com Itália a registar mais de 80 por cento dos cerca de 6000 mortos da pandemia nessas mesmas três regiões, quando em Espanha a percentagem mergulhou para 65 por cento. Ou seja, o restante território italiano segue com taxas relativamente baixas de falecimentos enquanto que na Espanha disparou o número de vítimas mortais noutras partes do seu território – Catalunha, Castilla y León, Castilla-La Mancha e na Comunidade Valenciana.
A estatística mostra que, em Itália, na contabilização entre 5 e 23 de março, fora aquelas três regiões iniciais, as mortes que se produziram no resto do país aumentaram de 6,8% para 20,0%. Ou seja, oito em cada 10 mortes continuam a ocorrer nas regiões da Lombardia, Emilia Romaña e Veneto, onde foi assinalado o primeiro surto.
Já em Espanha, estes números de explodem para quase o triplo. O número de mortos no resto do país, tirando aqueles focos iniciais, cresceu entre 13 e 23 de março de 11,9 por cento para 34,1 por cento. Os falecimentos aumentaram no restante território mais de 20 pontos percentuais. Por exemplo, na Catalunha verifica-se já que constitui um ponto de 11,2 por cento das mortes, quando a 13 de março se assinalava aí uma percentagem de 3,4%.
Espanhóis sem restrições
Uma das teses aponta para a mobilidade dos espanhóis, ao menos quando comparada com o modo de vida italiano.
“Há um grupo de comunidades que, sem atingir as taxas mais altas, se confrontam com um forte aumento em termos de mortes na última semana. É um fenómeno que não aconteceu em Itália”, sustenta Daniel López Acuña, professor associado da Escola Andaluza de Saúde Pública e ex-diretor Organização Mundial de Saúde.
Esta tese, apesar das reservas por se estar ainda em plena crise epidémica, é também defendida por Pere Godoy, presidente da Sociedade Espanhola de Epidemiologia. Este responsável também salienta a questão da mobilidade que se manteve até à declaração de alarme público como factor ideal para a disseminação do novo coronavírus por todo o território: “Penso que foi um erro permitir a grande dispersão geográfica de pessoas que continuou a acontecer nos dias que antecederam à entrada em vigor do isolamento, o que poderá ter facilitado a propagação do vírus”.
López Acuña acrescenta ainda “os focos de infeção importados de Itália que certamente ocorreram em Espanha nos dias que antecederam a deteção de contágios locais (…) "Certamente [esse factor] foi mais intenso e disperso do que terá acontecido entre China e Itália, o que explica o aumento atual observado nestas comunidades [da segunda fase]”.
“Como Estado, Espanha estará mais integrada no fluxo do movimento das pessoas do que Itália, onde se verificam com enormes diferenças entre norte e sul”, propugna Joan Ramon Villalbí, da Sociedade Espanhola de Saúde Pública e Administração de Saúde.