Covid-19. Governadores do Brasil "chocados" e assustados com palavras de Bolsonaro

por Mariana Ribeiro Soares - RTP
Joedson Alves - EPA

Os vários governadores do Brasil dizem estar chocados, surpreendidos e assustados com as declarações de Bolsonaro dos últimos dias. O presidente do Brasil gerou polémica ao apelar ao fim do "confinamento em massa" e ao regresso à normalidade, apesar de os números continuarem a subir no país vizinho. A maioria dos governadores já anunciou que vai ignorar os apelos do presidente e manter as regras de isolamento.

A controvérsia instalou-se na terça-feira quando Bolsonaro disse que o país deveria “voltar à normalidade”, exigindo o fim do “confinamento em massa” e a reabertura de escolas e comércio.

“O que se passa no mundo tem mostrado que o grupo de risco é o das pessoas acima de 60 anos. Então, porquê fechar escolas?", questionou, na altura, Bolsonaro.

Contrariando o próprio Ministério da Saúde brasileiro que aconselha a população a evitar aglomerações e a reduzir as deslocações, o presidente do Brasil voltou depois a descredibilizar o vírus ao afirmar que não passa de um “resfriadinho” e que "não acontece nada" com os brasileiros.

"Eu acho que não vai chegar a esse ponto [situação dos Estados Unidos]. Até porque o brasileiro tem que ser estudado. Ele não pega nada. O sujeito pula num esgoto e sai mergulhando, não acontece nada com ele", disse Jair Bolsonaro. De acordo com os últimos dados, o Brasil conta com 3.027 infetados e 77 mortos. Só nos últimos seis dias, foram registados mais dois mil casos de infeção.

"Acho até que muita gente já foi infetada aqui no Brasil, há poucas semanas ou meses. Eles já têm anticorpos, o que ajuda a não proliferar isso daí [coronavírus]", acrescentou Bolsonaro.

Estas declarações polémicas do presidente Jair Bolsonaro geraram um clima de indignação por parte de vários governadores brasileiros.
“Inacreditável”e “assustador”
“Fiquei chocado”, disse Ronald Caiado, governador do Estado de Goiás e ex-aliado de Bolsonaro. “É assustador. Ele não pode governar um país como este. Num momento como este, ele devia ter a humildade de deixar as coisas para quem as percebe”, acrescentou Caiado em declarações a The Guardian.

"Enquanto líderes de vários países tomam medidas necessárias para conter o avanço no novo coronavírus, aqui no Brasil, o presidente Jair Bolsonaro vai na contramão do que defendem autoridades sanitárias e o próprio Ministério da Saúde", escreveu na rede social Twitter o governador do estado de Pernambuco, Paulo Câmara.

"[Um] discurso que, lamentavelmente, comprova que o Brasil está sem comando num dos momentos mais desafiadores da história. O sacrifício é imenso, mas todo o esforço tem o único objetivo de salvar vidas. Por isso, em PE [Pernambuco] as medidas estão mantidas. É tempo de serenidade, união e trabalho", acrescentou Paulo Câmara, cujo Estado já conta com 46 casos e três mortes.

Flávio Dino, governador do nordeste do Maranhão, diz que Bolsonaro está em negação: “Ele acha que isto é uma invenção dos meios de comunicação e uma conspiração chinesa que faz parte da batalha pela hegemonia com os EUA. Ele deve ter ouvido isto do Trump”.

“Isso explica a sua resistência às medidas de isolamento porque, no fundo, ele acredita que o coronavírus é uma invenção comunista”, disse ainda Dino.

Renato Casagrande, governador de Espírito Santo, disse ter ficado surpreendido com as declarações de Bolsonaro:

Eu senti medo. Não podia acreditar nas palavras que o presidente estava a dizer. O Ministério da Saúde tem estado a orientar a nossa resposta. A Organização Mundial de Saúde tem orientado a nossa resposta. Estamos a tentar convencer as pessoas da necessidade de um maior isolamento para travar o vírus. E depois o presidente aparece com conselhos completamente diferentes e chega a acusar os outros líderes de destruir empregos e a economia. Foi inacreditável”.

Numa carta aberta a Bolsonaro, pelo menos 25 dos 27 governadores anunciaram que vão manter as regras de isolamento como medida preventiva face à epidemia, ignorando os apelos do presidente brasileiro.

“O Coronavírus é um adversário que deve ser derrotado com bom senso, empatia, harmonia e união”, escreveram. “Ataques e discussões não vão salvar o país”, lê-se ainda na carta.
“O Brasil não pode parar”
Na quarta-feira, o vice-presidente do Brasil, Hamilton Mourão, também foi contra as palavras de Bolsonaro ao afirmar que a posição do Governo é de defesa do “isolamento e distanciamento social”.

Hamilton Mourão preferiu não atacar Bolsonaro, dizendo apenas que o presidente brasileiro pode “não se ter expressado da melhor forma”.

“A posição do nosso Governo, por enquanto, é uma só: isolamento e distanciamento social. Isso está a ser discutido. Pode ser que o presidente não se tenha expressado da melhor forma, mas o que ele procurou mostrar é a preocupação que todos nós temos com a segunda onda nesta questão do coronavírus", disse Mourão à imprensa local.

No entanto, o problema parece não estar na forma de expressão. Pelo contrário, Bolsonaro está a ser bastante claro na sua mensagem de que o melhor para o país é o regresso à normalidade.

Sob o slogan “O Brasil não pode parar”, o Governo brasileiro voltou, esta sexta-feira, a apelar ao fim do isolamento decretado pelos governos estaduais. Através de um vídeo, o Governo brasileiro faz um apelo para que tudo volte ao normal funcionamento, mesmo com os números de infeção e de mortos a aumentarem no Brasil:

“Para os milhões de pacientes das mais diversas doenças e os heróicos profissionais de saúde que deles cuidam, para os brasileiros contaminados pelo Coronavírus, para todos que dependem de atendimento e da chegada de remédios e equipamentos, o Brasil não pode parar”.

Nos últimos dias, face às orientações contraditórias de Bolsonaro, o povo brasileiro – principalmente residente das favelas – tem-se unido para combater a Covid-19. Nas favelas de Rio de Janeiro e São Paulo estão a ser criadas organizações para apoiar as comunidades.

Grupos criminosos também estão a ajudar a travar a propagação da pandemia ao impor um toque de recolher obrigatório. Os gangues obrigam os residentes a não sair à rua depois das 20h00.
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