Brasil. População das favelas une-se para combater a Covid-19

por Mariana Ribeiro Soares - RTP
Ricardo Moraes - Reuters

Nas favelas de Rio de Janeiro e São Paulo, os residentes estão a criar organizações para apoiar as comunidades no combate ao novo coronavírus. Os voluntários ficam encarregues de idas ao supermercado e farmácia e distribuem bens essenciais. Devido à falta de acesso a informação nestas zonas, foram também criadas organizações para ajudar na comunicação.

Os moradores das periferias do Brasil estão a desenvolver estratégias para travar o contágio nas suas comunidades, principalmente em São Paulo e Rio de Janeiro onde se concentra o maior número de casos do país. Dos 2.594 casos de infeção registados no Brasil até ao momento, 1.051 são nestas duas cidades.

Sob o argumento de falta de informação nas periferias, os habitantes das favelas brasileiras tomaram a iniciativa de criar um Comité Popular de Enfrentamento à Covid-19.

“As maiores vítimas desta pandemia vão ser os mais pobres. As pessoas têm pouca ou quase nenhuma informação efetiva”, disse Cláudio Aparecido da Silva, morador da comunidade Monte Azul, a sul de São Paulo, ao jornal Brasil de Fato. “E aí achamos que seria legal tentar prestar apoio às famílias mais vulneráveis, como pessoas com doenças crónicas e idosos, e também às famílias carentes”, acrescentou. Grupos criminosos no Brasil também estão a ajudar a travar a propagação da pandemia ao impor um toque de recolher obrigatório. Os gangues obrigam os residentes a não sair à rua depois das 20h00.

Atividades como a ida ao supermercado ou à farmácia ficam a cargo dos voluntários desta organização. O Comité também recebe e distribui donativos de produtos essenciais e distribui mensagens de consciencialização com dicas de prevenção contra o novo coronavírus através de mensagens enviadas pela rede social Whatsapp e de cartazes dispersos pelas comunidades.

“Resolvemos nos organizar no sentido de fortalecer esse povo. Colocamos nossos carros à disposição para poder fazer compras e qualquer coisa que exija circulação para essas pessoas mais vulneráveis e estamos organizando campanha de arrecadação de alimentos e produtos de higiene”, explicou ainda Cláudio Aparecido da Silva.

Em Paraisópolis, a segunda maior favela de São Paulo, também foram criadas organizações para apoiar a população. Segundo Gilson Rodrigues, presidente da União de Moradores e Comerciantes de Paraisópolis, já existem cinco casos de infeção confirmados nesta favela e a população lida diariamente com o medo de infeção.

Em declaração ao jornal Brasil de Fato, Gilson Rodrigues explica que o Comité criado consiste numa “rede de voluntários e moradores que se auto ajudam”.

“A cada 50 famílias, um morador voluntário vai ajudar no processo de conscientização, garantir que essas pessoas não saiam de casa. Garantir que cheguem os materiais necessários que são doados e garantir um monitoramento em uma eventual situação em que a pessoa fique doente”
, acrescentou o presidente da União de Moradores e Comerciantes de Paraisópolis.

Apesar desta onda de solidariedade, os habitantes mostram-se preocupados com o avanço da epidemia nestas zonas periféricas onde as condições de vida estão muito distantes dos padrões ideais de higiene para combater a Covid-19.
Falta de água
Lavar frequentemente as mãos é uma das principais recomendações da Organização Mundial de Saúde (OMS) para evitar contágio. No entanto, a falta de água canalizada dificulta os hábitos de higiene para os habitantes destas regiões periféricas em São Paulo e Rio de Janeiro.

"O nosso grande temor, pensando nas periferias do Brasil, é a falta de saneamento básico, que vai prejudicar não apenas a prática de prevenção, mas também prejudicar na hora de diminuir o contágio. Por exemplo, aqui, na região da Cidade de Deus, não há água canalizada. Como é que os moradores não infetados poderão fazer a sua higiene pessoal, e como é que os infetados se vão cuidar neste processo?", questionou Jota Marques, residente da favela Cidade de Deus, no Rio de Janeiro, em entrevista à agência Lusa.

“Tenho 74 anos, não posso carregar água e tem mais de um mês que não cai nada aqui no Escadão, criança não tem água nem para lavar as mãos, estou com medo do coronavírus”, contou Dona Jurema, moradora do Complexo do Alemão, na Zona Norte do Rio de Janeiro.

O Comité também denuncia o corte de água durante a noite na favela Monte Azul, dificultando a higienização dos moradores.

Para tentar combater este problema, a organização criou um abaixo assinado que será enviado para a Companhia de Saneamento Básico do Estado de São Paulo.
Acesso à informação
O acesso à informação nestas zonas periféricas é outra das preocupações. Neste sentido foi criada a Coligação de Comunicadores da Periferia contra o Coronavírus com o objetivo de partilhar informação fidedigna e acessível a esta população.

Ingrid Farias, residente no bairro Brasília Teimosa, no Recife, e membro da Coligação, explica ao Brasil de Fato que deve ser utilizada uma linguagem mais acessível na divulgação das práticas de prevenção.

“Temos de pensar numa linguagem que não gere pânico nas pessoas das periferias, mas que consiga dialogar com elas a partir do seu contexto sobre a importância e a urgência desse momento que vivemos”
, afirma Ingrid.

Ingrid Farias lamenta que a população destas zonas não esteja a tomar as medidas adequadas e que tal se deve muito à falta de acesso à informação:

“Ainda existe uma necessidade grande, especialmente dos moradores de periferia, de receber informação direta sobre a situação. Ontem, por exemplo, domingo, que é dia de feira, ainda vimos muitas aglomerações de pessoas, muitas pessoas idosas andando nas ruas. Estamos com um grande desafio que é como chegar à comunicação dessas pessoas, onde a comunicação formal infelizmente não chega”.
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