A pandemia de covid-19 teve início na China no final de 2019 e tanto o Governo central chinês como os seus satélites regionais foram intensamente criticados pela estratégia de secretismo adotada de início. Meses depois, em meados de março 2020, com o surto controlado no próprio país e dezenas de outros países a braços com uma catástrofe em curso, Pequim está a recorrer à propaganda interna para limpar a imagem, assumindo-se como a salvadora do planeta.
De acordo com um artigo publicado pela Al Jazeera, o envio de médicos e as doações de equipamentos de proteção, por parte do Governo chinês, a países como o Irão, a Itália ou a Grécia, fazem manchete em praticamente todos os jornais, na sua maioria controlados pelo Estado.
O Governo do Presidente Xi Jinping vai mais longe e assume que a sua estratégia ajudou a evitar uma pandemia ainda mais grave.
"Com a maior determinação em refrear a propagação do surto, a China ganhou tempo suficiente para o mundo se preparar para esta pandemia", afirmou aos repórteres o porta-voz do Ministério dos Negócios Estrangeiros da China, Geng Shuang, dia 19 de março, deixando no ar a sugestão de que as medidas draconianas impostas por Pequim serviram para abrandar a disseminação da doença em todo o mundo.
No dia anterior, 18 de março, Pequim celebrara a sua grande vitória da "guerra do povo" contra a pandemia, no primeiro dia do ano sem novos casos de infeção de sars-CoV-2, o vírus que causa a covid-19.
A nova narrativa
De forma quase unânime, a comunicação social desdobrou-se em elogios às medidas sem precedentes que permitiram controlar internamente em pouco mais de três meses a propagação da doença, e reservou para a China o papel de líder global na luta contra o novo coronavírus.
Apresentadores de noticias e jornalistas referiram a liderança e a "supremacia" do "sistema de combate chinês" à epidemia, dentro de portas, por ter posto em prática medidas impensáveis noutros países, incluindo a quarentena nacional e a vigilância em massa para impedir a circulação descontrolada de pessoas e seguir cadeias de infeção.
Watch the country with the most experience of getting hit the worst and recovering. https://t.co/R4dVBP2i4f
— Teddy Locsin Jr. (@teddyboylocsin) March 23, 2020
Another plane carrying much-needed medical supplies has just landed. These supplies arrived in Pakistan, where they will be transported and distributed throughout the country by the National Disaster Management Authority. @Foundation_Ma #AlibabaFoundation pic.twitter.com/kRwQSJEKD0
— Alibaba Group (@AlibabaGroup) March 25, 2020
Attending the hand over ceremony with Hon. #MuradAliShah, #CM Sindh province. #JackMaFoundation and #AlibabaFoundation donated 500000face masks to Pakistan #NDMA. pic.twitter.com/NRVAPSM8Jo
— libijian (@libijian2) March 25, 2020
A estratégia pretende esvaziar a critica interna e a raiva latente no país contra o Governo central, devido a um alegado encobrimento inicial do surto, que poderá ter aberto caminho à rápida disseminação da covid-19.
"Ao passar esta narrativa, a China livra-se da responsabilidade e consegue evitar a culpa pelo seu papel na propagação do coronavírus", afirmou, à Al Jazeera, Sahdi Hamid, um membro sénior do Brookings Institution in Washington, DC.
"Ao abafar informação sobre o vírus e permitindo-lhe propagar-se sem controlo nos primeiros dias e semanas cruciais, o regime colocou em perigo as mais de 100 nações que agora enfrentam os seus próprios surtos potencialmente devastadores", acrescenta.
"O Governo de Xi está a adotar agora uma política externa muito agressiva, adotando aquilo que Mao Zedong chamava a guerra de palavras - a guerra de propaganda", analisa por seu lado Anne-Marie Brady, professora na Universidade de Canterbury, e especialista em política chinesa.
Alguns analistas afirmam que a nova estratégia da máquina de propaganda chinesa teve origem na deterioração de relações entre Pequim e Washington, devido a uma guerra de tarifas.
O "vírus chinês"
Na semana passada, Pequim expulsou mais de uma dezena de jornalistas ao serviço de jornais norte-americanos como o Wall Street Journal, o New York Times e o Washington Post, numa aparente reação ao facto de a Casa Branca designar os media estatais chineses como missões diplomáticas.
A estratégia mais recente passa pela troca de acusações entre os dois países quanto à responsabilização mútua pela atual pandemia.
Teorias de conspiração
US CDC admitted some #COVID19 patients were misdiagnosed as flu during 2019 flu season. 34 million infected & 20000 died. If #COVID19 began last September, & US has been lack of testing ability, how many would have been infected? US should find out when patient zero appeared.
— Lijian Zhao 赵立坚 (@zlj517) March 22, 2020
2/2 CDC was caught on the spot. When did patient zero begin in US? How many people are infected? What are the names of the hospitals? It might be US army who brought the epidemic to Wuhan. Be transparent! Make public your data! US owe us an explanation! pic.twitter.com/vYNZRFPWo3
— Lijian Zhao 赵立坚 (@zlj517) March 12, 2020
Dia 24, a Organização Mundial de Saúde, OMS, alertava os Estados Unidos para a elevada probabilidade de se tornarem o centro seguinte da pandemia.
A OMS e os principais especialistas médicos afirmam que o vírus foi transmitido aos seres humanos a partir de um animal hospedeiro, sublinhando que as insinuações de queo patogénio não teve uma origem natural são "um perigo" para os esforços de contenção da pandemia.