Democracia também vai a votos. O que está em jogo nas intercalares dos EUA?

por Mariana Ribeiro Soares - RTP
Paul Ratje - Reuters

Realizam-se esta terça-feira as eleições intercalares nos Estados Unidos, que determinam a distribuição de lugares no Congresso norte-americano. Para além de serem consideradas um referendo ao presidente no poder, as “midterms” serão decisivas para as eleições presidenciais de 2024, com Donald Trump preparado para apresentar a recandidatura. Joe Biden alerta que a democracia também está em jogo nestas eleições e está atualmente “sob ataque”.

As eleições intercalares (midterms em inglês) são realizadas dois anos após cada eleição presidencial, ou seja, a meio do mandato do presidente dos Estados Unidos em exercício.

Para além do controlo do Congresso (composto pela Câmara dos Representantes e do Senado), nestas eleições está também em jogo a nomeação de senadores, congressistas, governadores e presidentes de Câmara. Podemos, por isso, pensar nas midterms americanas como uma combinação das eleições autárquicas e legislativas portuguesas.  Todas as 435 cadeiras da Câmara dos Representantes irão a sufrágio nesta eleições, bem como 35 dos 100 lugares do Senado e ainda 36 lugares de governadores.

Atualmente, os democratas detêm o controlo das duas câmaras.
Na composição atual da Câmara dos Representantes, os democratas contam com 220 lugares e os republicanos com 215. Por sua vez, o Senado está dividido 50-50, mas a vice-presidente Kamala Harris detém o voto de desempate, o que confere vantagem aos democratas.

Contas feitas, os republicanos precisam apenas de ganhar cinco cadeiras para assumir a maioria na Câmara dos Representantes e apenas uma para assumir o controlo do Senado.

O partido no poder normalmente perde assentos no Congresso nestas eleições intercalares. A história assim o confirma.

Segundo as últimas sondagens, o Grand Old Party é o favorito para ganhar a Câmara dos Representantes e o Senado. De acordo com o modelo preditivo da plataforma FiveThirtyEight, os republicanos têm uma probabilidade de 54 em 100 de ganharem o Senado, a câmara alta do Congresso que é decisiva para a confirmação de juízes e outros nomeados. No mês passado, a probabilidade era de apenas 34 em 100.

Em termos de perspetivas para a Câmara dos Representantes, os republicanos estão com a vantagem mais elevada desde que o ciclo eleitoral começou: 84 em 100 contra apenas 16 em 100 para os democratas.

Caso estas previsões se venham a confirmar, a segunda metade do mandato de Biden na Casa Branca será bem mais complicada do que a primeira, uma vez que o controlo republicano de qualquer uma das Câmaras será suficiente para bloquear a maior parte da agenda legislativa do presidente.


Por este motivo, apesar de o nome de Biden não constar nos boletins de foto, as eleições intercalares servem como um referendo sobre o presidente.
Pensilvânia, Geórgia e Nevada entre os Estados-chave
A subida do Grand Old Party nas sondagens deve-se à melhoria das perspetivas dos candidatos republicanos nos três Estados mais competitivos: Pensilvânia, Geórgia e Nevada.

Todas as atenções estão voltadas para a Pensilvânia, dado que a escolha dos eleitores neste Estado é crucial para o equilíbrio de poder no Senado. O republicano multimilionário Mehmet Oz, uma estrela de televisão apoiada por Trump, recuperou terreno ao antigo presidente da Câmara democrata da pequena cidade de Latrobe John Fetterman, e está agora com 47 em 100 (contra 53 em 100).

Na Geórgia, o controverso Herschel Walker subiu a sua vantagem para 57/43 contra o democrata incumbente Raphael Warnock e o mesmo aconteceu no Nevada, com Adam Laxalt favorecido em relação à incumbente Catherine Cortez Masto.
“Democracia americana está sob ataque”
Entre os temas que mais têm sido abordados pelos candidatos, e que serão fatores-chave para a tomada de decisão dos norte-americanos esta terça-feira, estão o aborto, controlo de armas, a inflação e a guerra na Ucrânia. No entanto, o mais importante e que tem sido a grande preocupação dos democratas é a democracia.

Mais de metade dos 569 candidatos republicanos que vão a votos nestas eleições são negacionistas, alguns apoiantes de Trump, e não reconhecem Biden como o legítimo presidente. Uma vitória destes republicanos na corrida para governadores, procuradores-gerais e secretários de Estado no Arizona, Wisconsin, Nevada e outros Estados importantes, pode semear a confusão nas próximas eleições presidenciais, à semelhança do que aconteceu em 2020. No sistema eleitoral americano, são principalmente os governos estaduais os responsáveis por organizar o processo de apuração e certificação dos resultados das eleições. Isso significa que se estes republicanos forem eleitos, eles supervisionarão as eleições presidenciais de 2024 nos respetivos Estados.

Muitos destes republicanos já declararam que, caso vençam as intercalares nos seus Estados, irão recusar nomear outro presidente em 2024 que não seja Trump. Jim Marchant, um republicano que concorre à principal autoridade eleitoral do Nevada, disse explicitamente que, se for eleito, irá “consertar o país inteiro e Trump será presidente novamente em 2024”.

O candidato republicano a secretário de Estado do Arizona, Mark Finchem, também afirmou que não teria certificado a vitória de Biden naquele Estado, onde o democrata ganhou por uma pequena margem.

Por esta razão, Joe Biden diz que o “assalto à democracia” não terminou no dia 6 de janeiro de 2021 e alerta que os EUA estão “no caminho para o caos”.

“Neste momento, há candidatos a candidataram-se a todos os níveis de cargos públicos, a governadores, deputados, procuradores, secretário de Estado, que não se comprometem a aceitar os resultados das eleições em que participam. Este é o caminho para o caos na América”, afirmou.


A democracia americana está sob ataque, porque o ex-presidente derrotado dos EUA recusa aceitar os resultados das eleições de 2020. Se ele recusa aceitar a vontade do povo, recusa aceitar o facto de ter perdido. Ele abusou do seu poder e colocou a lealdade a si mesmo à frente da lealdade para com a Constituição”, afirmou Joe Biden, numa mensagem endereçada ao seu antecessor.
Intercalares são tiro de partida para presidenciais de 2024
Tal como Biden, também o nome de Trump não consta no boletim de voto, mas estas eleições serão decisivas para o futuro do ex-presidente norte-americano e funcionarão como um teste à sua própria viabilidade eleitoral.

Enquanto o presidente democrata procura preservar o controlo no Congresso para manter a estabilidade na segunda metade do seu mandato, Trump espera que os republicanos ganhem vantagem e, assim, conseguir ter o caminho aberto para o seu regresso à Casa Branca – um desejo que Trump não tem escondido.

Apesar de terem saído beneficiados pelas consequências da decisão do Supremo Tribunal dos EUA que anulou o direito ao aborto, os democratas avançam para estas eleições em desvantagem, com a alta inflação a permanecer o centro das preocupações dos norte-americanos.


Para além disso, Biden – que já manifestou a intenção de se manter na Casa Branca para mais um mandato – está a ser pressionado a afastar-se do cargo devido à sua idade. Completando 80 anos a 20 de novembro, o democrata foi o presidente mais velho a assumir o cargo na história dos EUA.

Joe Biden enfrenta ainda um baixo índice de aprovação, que permaneceu abaixo de 50 por cento durante mais de um ano, chegando aos 40 por cento numa sondagem recente da Reuters/Ipsos.
Essa mesma sondagem mostrou que 69 por cento dos norte-americanos acreditam que o país está no caminho errado.

O cenário não é, por sua vez, também muito favorável para Trump, que continua com a sua imagem manchada após o ataque de 6 de janeiro de 2021 ao Capitólio dos EUA, que continua ainda bem presente na memória dos norte-americanos.

Para além disso, Trump é atualmente alvo de uma série de investigações, incluindo uma investigação do Departamento de Justiça sobre documentos confidenciais que o ex-presidente terá retirado da Casa Branca depois de deixar o cargo.

Donald Trump prepara-se para anunciar uma pré-candidatura à Casa Brancas depois de conhecidos os resultados destas eleições. O ex-inquilino da Casa Branca mantém-se, com 73 por cento, à frente na preferência dos republicanos para a nomeação presidencial de 2024.

c/ agências
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