"Demónio de Paris". Mundo islâmico revolta-se contra Presidente francês

por Andreia Martins - RTP
O protesto em Daca, no Bangladesh, juntou mais de 40 mil pessoas na terça-feira. "O maior terrorista do mundo é Emmanuel Macron", lê-se num dos cartazes. Mohammad Ponir Hossain - Reuters

Nos últimos dias, o Presidente francês, Emmanuel Macron, tem sido alvo de ataques por parte de vários países de maioria muçulmana depois de ter defendido, em declarações recentes, a continuidade da publicação de cartoons referentes ao Islão. Foram vários os protestos em países predominantemente muçulmanos, líderes políticos e religiosos que se insurgiram contra as palavras do chefe de Estado francês e mesmo pedidos de boicotes a produtos de origem francesa.

A nova troca de acusações e insultos teve como ponto de partida a morte de Samuel Paty. O professor de história foi assassinado a 16 de outubro depois de ter mostrado caricaturas alusivas a Maomé durante uma aula de cidadania sobre liberdade de expressão.

Na homenagem ao docente brutalmente assassinado - Paty recebeu a título póstumo a Legião de Honra, a mais importante condecoração em França - Emmanuel Macron prometeu a defesa do laicismo no país. “Não renunciaremos a caricaturas”, frisou o Presidente francês na cerimónia que ocorreu há uma semana na Universidade de Sorbonne, em Paris.

No mesmo dia, as cidades de Toulouse e Montpellier projetaram fotografias das caricaturas em causa nos respetivos edifícios municipais.

Em setembro, o jornal satírico Charlie Hebdo tinha voltado a publicar as polémicas caricaturas do profeta Maomé, numa altura em que se iniciava o julgamento de 14 pessoas acusadas de envolvimento no ataque terrorista de janeiro de 2015 por causa desses mesmos cartoons, atentado esse que causou 12 mortes.
Uma religião “em crise”
Estes acontecimentos recentes vieram dar relevo a uma declaração do Presidente francês no início de outubro. Ao apresentar um novo plano para defender os valores seculares do país contra o “islamismo radical”, que tem “uma vontade reivindicada de mostrar uma organização metódica para violar as leis da República e criar uma ordem paralela de outros valores, para desenvolver uma outra organização da sociedade”.

Emmanuel Macron considerou ainda que o Islão é “uma religião que atravessa atualmente uma crise em todo o mundo”.

Desde então, a Turquia tem sido o país mais vocal na expressão da revolta. No domingo, o Presidente turco Recep Tayyip Erdogan atacou o homólogo francês: “O que se pode dizer a um chefe de Estado que trata milhões de membros de diferentes comunidades religiosas desta maneira é: faça primeiro os exames de saúde mental”.

Na sequência da polémica, o jornal satírico Charlie Hebdo publicou esta quarta-feira na capa da edição semanal uma caricatura alusiva ao Presidente turco, a que Erdogan já respondeu:

 “A minha raiva não se deve ao ataque ignóbil contra a minha pessoa, mas aos insultos contra o profeta. Sabemos que o alvo não sou eu, mas os nossos valores", disse.

Na imagem, o presidente turco é caricaturado num sofá, em roupa interior, enquanto levanta a saia de uma mulher com véu, sem roupa interior. “Erdogan – Em privado ele é muito divertido”, lê-se na edição do jornal.



Em Ancara, a imagem suscitou a ira do chefe de Estado, que já anunciou que irá responder com medidas "judiciais e diplomáticas". Mas ainda antes desta publicação de hoje estava já em curso um protesto generalizado no mundo muçulmano tendo França como alvo. No início da semana, o Presidente turco tinha apelado ao boicote de produtos franceses, dando o exemplo de marcas como a Carrefour, Tefal ou Dior.

Esse apelo repete-se no Qatar e na Jordânia, países em que já começaram a ser retirados produtos de origem francesa das prateleiras dos supermercados.


Mais do que a preocupação com estes boicotes, Paris já pediu às Embaixadas francesas situadas em países de maioria muçulmana que garantam a segurança dos cidadãos franceses nos respetivos territórios.

Na terça-feira, um protesto na capital do Bangladesh organizado pelo maior partido islamita do país, juntou mais de 40 mil pessoas, de acordo com a polícia local. Em declarações ao jornal The Guardian, o responsável partidário Ahmad Abdul Quaiyum, que apelidou Macron de “satanista”, explicou que a sua revolta contra França se devia à exibição dos cartoons de Maomé em edifícios públicos de várias cidades francesas.

“É proibido sequer desenhar o profeta Maomé. E o que é que eles fazem? Não só o desenham mas representam-no de uma forma pejorativa, e Macron projetou estas imagens num edifício sob proteção policial. Isto é muito insultuoso, doloroso e inaceitável”, disse Quaiyum, responsável do partido Islami Andolan Bangladesh.

A revolta no mundo islâmico atravessa as várias fações e ramos religiosos. No Irão, o jornal Vatan e-Emrooz trazia na terça-feira uma caricatura do Presidente francês, apelidando Macron de “Demónio de Paris”.
 
O ministro iraniano dos Negócios Estrangeiros, Javad Zarif, acusou na segunda-feira a França de alimentar o “extremismo”. “Os muçulmanos são as primeiras vítimas desta cultura de ódio”, disse no Twitter o chefe da diplomacia iraniana. Teerão convocou ainda o segundo responsável máximo da embaixada francesa no país para protestar contra o posicionamento de Paris quanto às caricaturas do profeta Maomé.
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