Mundo
Denúncias de corrupção ameaçam lançar a Turquia numa espiral de violência
Está a formar-se uma tempestade perfeita que ameaça lançar a Turquia de novo na violência a pouco mais de um mês de eleições locais. Esta quarta-feira milhares de pessoas manifestaram-se contra a corrupção, após ser publicada a gravação de uma conversa onde o primeiro ministro instruía o seu filho para fazer desaparecer milhões de euros. No mesmo dia foi aprovada legislação que aperta o controlo governamental sobre o poder judiciário e a Internet.
A aprovação da nova legislação é uma demonstração de força por parte do primeiro ministro Tayyp Erdogan mas pode vir a atingi-lo, após meses de um braço de ferro com o poder judicial marcado por sucessivas denúncias e escândalos de corrupção que têm minado o Governo.
O sinal de agravamento da crise foi a publicação no YouTube, segunda-feira, de uma alegada conversa telefónica, gravada em dezembro, entre o primeiro ministro e o seu filho mais velho, Bilal Erdogan, publicada no YouTube. "E o que eu te digo é que tires tudo o que tens em casa, ok?" ordena ao filho o chefe de governo turco. "Tudo" refere-se alegadamente a "cerca de 30 milhões de euros" que Bilal teria de "fazer desaparecer." Bilal Erdogan alega dificuldades em "desembaraçar-se" de tal soma e Tayyp insiste, várias vezes.
De imediato algumas centenas de pessoas juntaram-se em protesto em Istambul.
Na quarta-feira de manhã calculava-se que mais de três milhões de pessoas já teriam ouvido a conversa. Mais ou menos organizada, a contestação recomeçou a agitar as ruas. Espontaneamente primeiro, numa dúzia de cidades a nível nacional e depois, em Ancara e em Istambul, em resposta a apelos do Partido Republicano do Povo, o principal partido da oposição e dos sindicatos.
"Governo, demissão!" e "ladrão!" foram as principais palavras de ordem. Um grupo tentou marchar sobre o Parlamento e foi repelido pela polícia com gás lacrimogénio.


Em Taksim, a praça de Istambul onde se registaram os maiores confrontos contra o governo, em junho de 2013, os manifestantes distribuíram falsas notas de papel, simbolizando a "corrupção" do regime. "Este primeiro-ministro e o seu governo já não têm legitimidade, não há outra solução além da sua saída," afirma uma manifestante. Da mesma forma, em Ancara, um milhar de pessoas respondeu aos apelos ao protesto por parte dos sindicatos afetos à esquerda.
Como refere Mustafa Akyol, editorialista do Hürriyet Daily News, o efeito das escutas na sociedade turca está a ser semelhante ao de uma "bomba atómica."
Guerra aberta
O primeiro-ministro, há 11 anos no poder, defendeu-se terça-feira no parlamento, dizendo que a conversa é uma "montagem imoral", denunciando um "ataque abjeto" e acusando os "güllenistas," seus ex-aliados no Governo liderados pelo pregador muçulmano Fethullah Güllen, de pretenderem destabilizar o país antes das eleições autárquicas marcadas para 30 de março e das presidenciais de agosto de 2014.

O líder da oposição, Kemal Kiliçdaroglu, respondeu recomendando a Erdogan que abandone o país ou se demita. Fez ouvir o registo da conversa dos Erdogan, durante a sessão parlamentar mas, nessa altura, a televisão estatal que transmitia os trabalhos em direto, cortou a emissão.
A publicação da escuta insere-se numa guerra mais vasta pelo poder na Turquia, em que Erdogan tem procurado controlar o poder judiciário além do legislativo e os seus detratores procuram por todos os meios denunciar o regime, numa verdadeira "guerra das escutas". Os "güllenistas" são os alvos favoritos de Erdogan, que os acusa de querer criar um Estado dentro do Estado e de orquestrar uma autêntica campanha contra o Governo. Nas últimas semanas têm-se sucedido as revelações de diálogos entre Erdogan e várias personalidades. Até agora, os denunciantes pareceram querer provar o autoritarismo do primeiro-ministro e este nem sempre negou a autenticidade das conversas.
Numa delas, durante os tumultos de junho de 2013, Tayyp Erdogan queixa-se a um dos diretores da televisão privada Habertük, da publicação de uma declaração do líder do Partido de Ação nacionalista.
"O sub-título, estás a vê-lo? Insulta-nos. É preciso fazer o necessário, Fatih, compreendes?" reclama Erdogan. "Claro que sim, senhor primeiro-ministro" responde Fatih Saraç.
"Às vezes é preciso dar-lhes lições" respondeu Erdogan aos críticos quando a conversa veio a público. Nas últimas semanas foram reveladas outras conversas do mesmo teor, nas quais Erdogan recomenda o despedimento de jornalistas hostis ao seu Governo.
Perante as denúncias, o Governo revelou, na segunda-feira, em dois jornais que o apoiam, que magistrados próximos de Güllen colocaram sob escuta mais de 2.000 pessoas desde 2011, entre eles Erdogan, ministros, conselheiros, o chefe dos serviços secretos, deputados da oposição e da maioria, responsáveis das ONG's e jornalistas.
Acusações já desmentidas pelo procurador alegadamente responsável pelas listas.
O alegado diálogo entre os Erdogan, pai e filho, terá tido lugar a 17 de dezembro de 2013, duas horas apenas depois da polícia ter lançado uma operação contra corrupção e suborno, que resultou na detenção dos filhos de três ministros do gabinete turco e obrigou Erdogan a demitir quatro membros do seu gabinete, ao mais alto nível. O próprio Erdogan foi alvo de inquérito e de escutas.
Em retaliação, centenas de membros das forças de segurança e do poder judicial foram demitidos ou recolocados em novos postos.
Mais contolo judicial e da internet
Erdogan tem procurado reforçar o controlo do Governo sobre o poder judicial. Em janeiro a proposta de nova legislação provocou debates acesos que levaram a confrontos na pópria assembleia, com deputados da oposição, juízes e procuradores a denunciar tentativas de ingerência.
O Presidente Abdullah Gull, do mesmo partido que Erdogan, o AKP, aprovou esta quarta-feira o decreto de reforma do Alto Conselho dos Juízes e Procuradores, afirmando que já foram feitas as emendas necessárias. A nova legislação dá ao ministro da Justiça maior controlo sobre o Conselho, permitindo-lhe determinar a ordem do dia das reuniões, ordenar inquéritos a juízes e procuradores e a ter a última palavra nas suas nomeações.
Hoje foi igualmente aprovada nova legislação de controlo da Internet, igualmente após alguma revisão da proposta.
A autoridade turca de telecomunicações tem agora poder para encerrar sítios web por violações de privacidade, na condição de obter aprovação legal num prazo de 24h. A autoridade terá igualmente de ter ordem judicial para ter acesso aos registos de atividade dos usuários.
Nas ruas a opinião sobre este controlo da Internet dividia-se, com pessoas tanto a considerar que o Governo "pretende defender os cidadãos" como a denunciar o fim da liberdade na Internet.
O sinal de agravamento da crise foi a publicação no YouTube, segunda-feira, de uma alegada conversa telefónica, gravada em dezembro, entre o primeiro ministro e o seu filho mais velho, Bilal Erdogan, publicada no YouTube. "E o que eu te digo é que tires tudo o que tens em casa, ok?" ordena ao filho o chefe de governo turco. "Tudo" refere-se alegadamente a "cerca de 30 milhões de euros" que Bilal teria de "fazer desaparecer." Bilal Erdogan alega dificuldades em "desembaraçar-se" de tal soma e Tayyp insiste, várias vezes.
De imediato algumas centenas de pessoas juntaram-se em protesto em Istambul.
Na quarta-feira de manhã calculava-se que mais de três milhões de pessoas já teriam ouvido a conversa. Mais ou menos organizada, a contestação recomeçou a agitar as ruas. Espontaneamente primeiro, numa dúzia de cidades a nível nacional e depois, em Ancara e em Istambul, em resposta a apelos do Partido Republicano do Povo, o principal partido da oposição e dos sindicatos.
"Governo, demissão!" e "ladrão!" foram as principais palavras de ordem. Um grupo tentou marchar sobre o Parlamento e foi repelido pela polícia com gás lacrimogénio.
Em Taksim, a praça de Istambul onde se registaram os maiores confrontos contra o governo, em junho de 2013, os manifestantes distribuíram falsas notas de papel, simbolizando a "corrupção" do regime. "Este primeiro-ministro e o seu governo já não têm legitimidade, não há outra solução além da sua saída," afirma uma manifestante. Da mesma forma, em Ancara, um milhar de pessoas respondeu aos apelos ao protesto por parte dos sindicatos afetos à esquerda.
Como refere Mustafa Akyol, editorialista do Hürriyet Daily News, o efeito das escutas na sociedade turca está a ser semelhante ao de uma "bomba atómica."
Guerra aberta
O primeiro-ministro, há 11 anos no poder, defendeu-se terça-feira no parlamento, dizendo que a conversa é uma "montagem imoral", denunciando um "ataque abjeto" e acusando os "güllenistas," seus ex-aliados no Governo liderados pelo pregador muçulmano Fethullah Güllen, de pretenderem destabilizar o país antes das eleições autárquicas marcadas para 30 de março e das presidenciais de agosto de 2014.
O líder da oposição, Kemal Kiliçdaroglu, respondeu recomendando a Erdogan que abandone o país ou se demita. Fez ouvir o registo da conversa dos Erdogan, durante a sessão parlamentar mas, nessa altura, a televisão estatal que transmitia os trabalhos em direto, cortou a emissão.
A publicação da escuta insere-se numa guerra mais vasta pelo poder na Turquia, em que Erdogan tem procurado controlar o poder judiciário além do legislativo e os seus detratores procuram por todos os meios denunciar o regime, numa verdadeira "guerra das escutas". Os "güllenistas" são os alvos favoritos de Erdogan, que os acusa de querer criar um Estado dentro do Estado e de orquestrar uma autêntica campanha contra o Governo. Nas últimas semanas têm-se sucedido as revelações de diálogos entre Erdogan e várias personalidades. Até agora, os denunciantes pareceram querer provar o autoritarismo do primeiro-ministro e este nem sempre negou a autenticidade das conversas.
Numa delas, durante os tumultos de junho de 2013, Tayyp Erdogan queixa-se a um dos diretores da televisão privada Habertük, da publicação de uma declaração do líder do Partido de Ação nacionalista.
"O sub-título, estás a vê-lo? Insulta-nos. É preciso fazer o necessário, Fatih, compreendes?" reclama Erdogan. "Claro que sim, senhor primeiro-ministro" responde Fatih Saraç.
"Às vezes é preciso dar-lhes lições" respondeu Erdogan aos críticos quando a conversa veio a público. Nas últimas semanas foram reveladas outras conversas do mesmo teor, nas quais Erdogan recomenda o despedimento de jornalistas hostis ao seu Governo.
Perante as denúncias, o Governo revelou, na segunda-feira, em dois jornais que o apoiam, que magistrados próximos de Güllen colocaram sob escuta mais de 2.000 pessoas desde 2011, entre eles Erdogan, ministros, conselheiros, o chefe dos serviços secretos, deputados da oposição e da maioria, responsáveis das ONG's e jornalistas.
Acusações já desmentidas pelo procurador alegadamente responsável pelas listas.
O alegado diálogo entre os Erdogan, pai e filho, terá tido lugar a 17 de dezembro de 2013, duas horas apenas depois da polícia ter lançado uma operação contra corrupção e suborno, que resultou na detenção dos filhos de três ministros do gabinete turco e obrigou Erdogan a demitir quatro membros do seu gabinete, ao mais alto nível. O próprio Erdogan foi alvo de inquérito e de escutas.
Em retaliação, centenas de membros das forças de segurança e do poder judicial foram demitidos ou recolocados em novos postos.
Mais contolo judicial e da internet
Erdogan tem procurado reforçar o controlo do Governo sobre o poder judicial. Em janeiro a proposta de nova legislação provocou debates acesos que levaram a confrontos na pópria assembleia, com deputados da oposição, juízes e procuradores a denunciar tentativas de ingerência.
O Presidente Abdullah Gull, do mesmo partido que Erdogan, o AKP, aprovou esta quarta-feira o decreto de reforma do Alto Conselho dos Juízes e Procuradores, afirmando que já foram feitas as emendas necessárias. A nova legislação dá ao ministro da Justiça maior controlo sobre o Conselho, permitindo-lhe determinar a ordem do dia das reuniões, ordenar inquéritos a juízes e procuradores e a ter a última palavra nas suas nomeações.
Hoje foi igualmente aprovada nova legislação de controlo da Internet, igualmente após alguma revisão da proposta.
A autoridade turca de telecomunicações tem agora poder para encerrar sítios web por violações de privacidade, na condição de obter aprovação legal num prazo de 24h. A autoridade terá igualmente de ter ordem judicial para ter acesso aos registos de atividade dos usuários.
Nas ruas a opinião sobre este controlo da Internet dividia-se, com pessoas tanto a considerar que o Governo "pretende defender os cidadãos" como a denunciar o fim da liberdade na Internet.