Desastre nuclear? Autoridades ucranianas alertam para "ameaça séria" em Zaporizhia

por RTP
Alexander Ermochenko - Reuters (arquivo)

No último sábado, o presidente ucraniano, Volodymyr Zelensky, alertou para a permanência de uma "ameaça séria" na central nuclear de Zaporizhia e indicou que a Rússia está "tecnicamente pronta" para provocar uma explosão naquelas instalações. Mas o que está realmente em causa em caso de acidente? Na RTP3, o especialista em energia nuclear, Pedro Sampaio Nunes, sublinhou que o impacto social e económico seria superior aos efeitos de uma eventual libertação de radiação.

Depois do desastre na barragem de Kakhovka no início de junho, as atenções centram-se na maior central nuclear da Europa, sob controlo das tropas russas desde os primeiros dias da invasão da Ucrânia, em fevereiro de 2022.

No fim de semana, o presidente ucraniano alertou para uma possível situação de perigo na central de Zaporizhia, tendo por base as informações das autoridades de segurança da Ucrânia.

Segundo Kiev, as forças russas no local têm ordem de saída da central nuclear até 5 de julho.

“Há uma ameaça séria. A Rússia está tecnicamente pronta para provocar uma explosão local na central nuclear, o que pode levar à libertação de substâncias perigosas”, afirmou Zelensky numa conferência de imprensa com jornalistas espanhóis no último fim de semana.
As versões de Kiev e de Moscovo
O presidente ucraniano adiantou que a situação está a ser discutida com os parceiros, para que procurem entender as motivações da Rússia mas também no sentido de demover Moscovo deste tipo de ações.

Há uma semana, quando o Serviço ucraniano de Emergência conduzia exercícios de segurança radioativa na região de Zaporizhia, os serviços de inteligência militar do país detetaram movimentos do contingente militar russo no local, em retirada, assim como os trabalhadores da central nuclear afetos à Rússia.

“Entre os primeiros que abandonaram a central estavam três funcionários da Rosatom que geriam a operação dos russos. [companhia estatal russa que se dedica à energia nuclear]. Foram aconselhados a sair até 5 de julho”
, adiantaram os serviços ucranianos em comunicado.

Por sua vez, a porta-voz do Ministério russo dos Negócios Estrangeiros, Maria Zaharova, adiantou através do Telegram que as autoridades ucranianas tinham instalado novos dispositivos para “medir radiação” e que houve recentemente “exercícios” de preparação em várias regiões ucranianas para o caso de um acidente na central nuclear de Zaporizhia.

“As autoridades de Kiev estão a preparar-se para outra operação de falsa bandeira”, acusou a porta-voz russa na passada sexta-feira.
"Seria um incidente menor que Fukushima"
Em entrevista no 360 da RTP3, o especialista em energia nuclear e ex-secretário de Estado da Ciência e Inovação, Pedro Sampaio Nunes, admitiu a possibilidade de russos ou ucranianos procurarem "inutilizar" um ativo "extremamente valioso" que "abastece 20 por cento da eletricidade da Ucrânia".

Numa ação de sabotagem, as forças em presença "podem tentar inutilizar ou danificar os sistemas operacionais de arrefecimento que este tipo de centrais têm para provocar uma emissão de radiação".

Algo que é "muito mais difícil do que rebentar uma barragem" pela estrutura "robusta deste tipo de equipamentos". e ainda que a própria barragem que foi destruída seja "importante para o sistema de arrefecimento da central".

No entanto, realça Pedro Sampaio Nunes, a central nuclear de Zaporizhia está "em paragem fria há uma série de meses" e um eventual efeito da libertação de radiação "seria muito limitado".

"Mesmo que aconteça um problema de libertação de radiação, grande problema será o radio fear ou radiopânico", argumenta.

Após os acidentes de Chernobyl, em 1986, e de Fukushima, em 2011, o receio dos possíveis efeitos da radioatividade leva a que, neste conflito, os beligerantes procurem explorar o "efeito psicológico" de um eventual acidente, acrescenta. 

"A acontecer, o pior dos acidentes que é possível em Zaporizhia seria um incidente possivelmente menor que Fukushima", reitera o perito.

Pedro Sampaio Nunes estima que, em caso de acidente, o impacto social seria possivelmente mais significativo, havendo mesmo o perigo de uma evacuação precipitada, ou ainda a perda de um ativo importante a nível económico e energético.

Na sexta-feira, a Agência Internacional de Energia Atómica (AIEA) indicava que os seus peritos não tinham encontrado quaisquer vestígios de minas ou outros explosivos na central nuclear, mas que seria necessário obter novos acessos para fazer verificações complementares no local, segundo adiantou o diretor-geral daquela agência, Rafael Grossi.

A AIEA diz estar “ciente” dos relatos sobre a colocação de minas ou outro tipo de explosivos junto da central nuclear.

“Levamos essas indicações muito a sério e instruí os nossos especialistas no local a analisar essa situação e a pedir o acesso de precisam para realizarem o seu trabalho. Até agora ainda não viram nenhum explosivo, mas será necessário ter mais acessos”, afirmou Grossi.

Um dos focos das inspeções por parte da AIEA tem sido o sistema de arrefecimento da central. A agência da ONU para a energia nuclear reitera que as instalações continuam a contar com reservas de água, ainda que se tenha registado “uma quebra rápida” no nível do reservatório com a destruição da barragem de Kakhovka, a 6 de junho.
pub