Dezembro: "Barragem republicana" contra a extrema-direita

A Frente Nacional liderava as sondagens para as eleições regionais de dezembro em quase metade das regiões: seis possíveis vitórias em 13 círculos eleitorais. A razão imediata para tal – apontaram os analistas – era esse período particular: o escrutínio acontecia menos de um mês após os ataques de Paris, que deixaram a França de luto por 129 pessoas mortas às mãos de terroristas do Estado Islâmico. Após ter afastado o pai da Frente Nacional, Marine Le Pen, a nova líder do partido, tinha neste ato eleitoral um derradeiro teste antes das presidenciais, marcadas para maio de 2017.

O primeiro round estava marcado para dia 6. E, ao fim da noite, havia motivo para abrir as garrafas de champanhe na sede da Frente Nacional: confirmavam-se as sondagens e o partido obtinha um resultado histórico, vencendo em seis das 13 regiões francesas, arrecadando 27,96 por cento dos votos. O grande derrotado da primeira volta é o Partido Socialista do Presidente François Hollande, com 23,33 por cento. De nada serviu a Hollande uma subida de popularidade muito pontual por altura dos atentados. Apoiado pelos centristas do MoDem e UDI, o Partido Republicano do ex-Presidente Nicolas Sarkozy é segundo com 26,89 por cento.

“Como chegámos até aqui?”, perguntava na segunda-feira o diário Le Monde. A resposta pode estrar nos próprios partidos, na ameaça terrorista, no impasse económico e na incapacidade de Hollande de engrenar a máquina.

Este é, contudo, um resultado que apanhou de surpresa apenas os mais distraídos. Os comentadores chamam a atenção para o facto de o resultado não ser fruto unicamente da retórica securitária da extrema-direita, mas antes uma subida sustentada do partido que vem cimentando a sua posição ao longo dos últimos anos.

No entanto, apesar de a bula da Frente Nacional assentar numa deriva securitária e anti-imigração - assuntos que muito agradarão a alguns franceses que ficaram tocados com os ataques, quer agora de novembro, quer no início do ano contra a redação do jornal satírico Charlie Hebdo - pouco poderá de facto ser feito pelo partido a nível regional.


António Mateus - RTP (12 de dezembro)

Estando a falar de milhões de franceses que em caso de vitória ficariam sob administração da extrema-direita, apesar de o partido ficar com responsabilidades governativas, em termos práticos a Frente Nacional estaria de mãos atadas, já que a Segurança e a Imigração não são domínios da competência regional.

De qualquer forma, a dimensão da derrocada obrigou os socialistas a ir a jogo com uma estratégia de tudo ou nada. Com Sarkozy a recusar qualquer aliança à esquerda, o partido de Hollande decidiu retirar as candidaturas nas regiões em que foram suplantados pela direita, abrindo caminho ao Partido Republicano. Uma estratégia a que o PSF se referiu como “barreira republicana”.

“Nas regiões com o risco Frente Nacional e onde a esquerda não ultrapassa a direita, o Partido Socialista decidiu proceder a uma barragem republicana, em particular no Nord-Pas-de-Calais-Picardie e Provence-Alpes-Côte d'Azur", a norte e a sul do país”, fez saber o número um do PS, Jean-Christophe Cambadélis, número um do PSF, quando ainda estavam a ser contados os votos da primeira volta. Trata-se de um ataque direto ao coração da Frente Nacional, já que Marine Le Pen concorre em Nord-Pas-de-Calais-Picardie (40,64% na primeira volta) e a sua sobrinha Marion Maréchal-Le Pen em Provence-Alpes-Côte d’Azur (40,55%).

"Durante cinco anos, os socialistas não estarão presentes nessas regiões", anunciou Jean-Christophe Cambadélis. Era uma estratégia de tudo ou nada para travar o avanço da extrema-direita.

Abdicar para os partidos mais bem colocados é uma reminiscência da estratégia usada contra Jean-Marie Le Pen em 2002, quando este deixou pelo caminho o primeiro-ministro socialista Lionel Jospin. A esquerda acabaria por se concentrar na eleição, à segunda volta, de Jacques Chirac, que recolheria 82,21% dos votos, mais do que quadruplicando os 19,88% da primeira volta. Le Pen, por seu lado, sozinho na luta contra a direita e contra a esquerda, acabaria as presidenciais com 17,79%, pouco mais do que os 16,86% da primeira volta.

As projecções dos dias seguintes passaram a dar a Frente Nacional como potencial grande perdedora da segunda volta sem nenhuma região. Já no dia 13, um primeiro sinal: a descida da abstenção em nove pontos percentuais relativamente à primeira volta - de 50,09 por cento para 41,5 por cento, mais 3,6 milhões de eleitores.

Nessa segunda volta, Marine Le Pen falharia em todo o território. Os conservadores de Nicolas Sarkozy ganham sete das 13 regiões, incluindo Paris, tradicionalmente socialista. O PS vence em cinco regiões e a Córsega fica pela primeira vez nas mãos dos independentistas.


Raquel Morão Lopes - Antena 1 (14 de dezembro)

Uma semana antes, Marine Le Pen saudava a vitória histórica da Frente Nacional. Agora, toma o palco para se queixar de um sistema político que consegue anular a vontade de quase sete milhões de franceses. Fica de consolo à extrema-direita o pecúlio desses 6,8 milhões de eleitores a ano e meio da corrida para o Eliseu. Uma das manchetes da segunda-feira seguinte referia-se à FN como “um perdedor de peso”. O Presidente Hollande, o primeiro-ministro Manuel Valls e o líder da direita, Nicolas Sarkozy, sabem que sim.

Durante a semana, os discursos tinham endurecido, com dirigentes da esquerda a falar de guerra civil. Os resultados de dia 13 são recebidos com sensação de alívio, mas Marine Le Pen procura congregar os eleitores que votam extrema-direita à volta da ideia de que esta foi uma votação formidável para a Frente Nacional.

Algumas das leituras vão nesse sentido: Le Pen está a crescer e a capitalizar a insatisfação dos franceses que desejam conter o que pensam ser o avanço das comunidades muçulmanas no país. Foi isso que quis também sublinhar Marine le Pen, quando comparou os resultados com 2010: “As nossas listas passaram de 9,17 para 30 por cento”.

“Seremos a principal força da oposição” – gritou aos apoiantes, já a apontar às Presidenciais.

Há no entanto quem considere que os 30 por cento representam o teto máximo para a Frente Nacional, que a partir de agora não terá mais como crescer. Prevendo esse estado de espírito, Manuel Valls deixou um alerta contra o relaxamento: “Nesta noite, nenhum alívio, nenhum triunfalismo, nenhuma mensagem de vitória. O perigo da extrema-direita não foi eliminado. Não esqueci os resultados da primeira volta e de eleições passadas”. Também Nicolas Sarkozy vem nesta noite sublinhar que não se pode ignorar os resultados da primeira volta.

Nem tão pouco ignorar que este é um caminho que vem sendo pacientemente trilhado pela Frente Nacional, que acaba de triplicar a votação das regionais para o patamar dos 30 por cento. Resultado obtido depois dos 25 por cento na primeira volta das departamentais e 22 por cento na segunda.