Dezembro: Tiroteio de San Bernardino, só mais um ou outra coisa?

Na cidade californiana de San Bernardino os funcionários de um centro social de apoio a pessoas com deficiência faziam uma festa de Natal para utentes e pessoal. Syed Farook e Tashfeen Malik acabavam de entregar a filha de seis meses à avó, mãe de Farook. O pretexto: uma consulta médica. Mas os planos eram outros. Dirigiram-se ao Inland Regional Center fortemente armados, com passa-montanhas, camuflados de guerra e um carro carregado de armamento e munições. Chegados ao local, de espingardas tipo AK-47 em punho, dispararam indiscriminadamente contra quem se cruzava com eles. Outro episódio de tiroteio na América das armas? Talvez não.

Os primeiros a chegar ao local foram os bombeiros de San Bernardino. No Twitter deixavam a mensagem de que se dirigiam ao Inland Regional Center, onde ocorrera um tiroteio que teria feito 20 vítimas. As contas finais falam de 14 mortos e 24 feridos.

A polícia local acrescentava pouco depois, na mesma rede social, que os suspeitos seriam três e que estavam em fuga num SUV (veículo utilitário desportivo) preto. Era então meio-dia, cerca das 20h00 em Portugal. Foram enviados para o local agentes do FBI e de outras agências e uma equipa de minas e armadilhas vasculhou todos os edifícios do complexo do centro de apoio.

O desenrolar dos acontecimentos foi seguido de perto pelas televisões e as imagens que chegaram perto da meia-noite, hora portuguesa, mostravam o final da perseguição policial, com o SUV imobilizado por vários carros das forças de segurança. Os atiradores foram abatidos em direto e tudo apontava para que se estivesse perante mais um episódio de violência isolada, semelhante a vários outros numa América onde armas de guerra se compram livremente em supermercados e feiras da especialidade.

Porém, escrutinadas as identidades dos atiradores, rapidamente as agências norte-americanas se voltaram para a pista do terrorismo. O que acabava por fazer sentido: os ataques de Paris tinham acontecido há pouco menos de três semanas e a liderança do Estado Islâmico, que reivindicou esses atentados na capital francesa, voltara a reiterar os apelos para uma ação contra alvos no Ocidente. San Bernardino, uma cidade com cerca de 200 mil habitantes situada no Estado norte-americano da Califórnia, cerca de 100 quilómetros a leste de Los Angeles, seria um alvo tão bom como qualquer outro, na perspetiva aleatória dos ataques terroristas.


Filipe Pinto, Marcelo Sá Carvalho - RTP (3 de dezembro)

Informado sobre o tiroteio, o Presidente Barack Obama alimentava uma das campanhas do seu segundo mandato deixando, via televisão, um apelo contra a venda arbitrária de armas: “Ainda não conhecemos a motivação dos atiradores, mas o que sabemos é que há coisas que podemos fazer para tornar a vida dos americanos mais segura e também que devemos caminhar numa base bipartidária a todos os níveis da governação para fazer com que estes (acontecimentos) sejam raros em oposição à normalidade”. Mas não era disso que se tratava.

Seria o próprio Obama, logo no dia seguinte, a abrir a via da tese terrorista. Talvez não abrir, porque os nomes árabes dos dois atiradores (não três, como inicialmente se supôs) já eram mais do que sussurrados pelos americanos. Depois de ouvir os assessores do Conselho de Segurança Nacional na Casa Branca, o Presidente falou aos media: “É possível que este incidente esteja relacionado com terrorismo (…) Sabemos que os dois indivíduos que morreram estavam equipados com armas e pareciam ter acesso a armas adicionais em sua casa. Mas não sabemos por que fizeram aquilo. Não sabemos neste momento a extensão dos seus planos”.

Era ainda um arco gigantesco aquele que abrigava as hipóteses das autoridades: o massacre tanto pode ter sido motivado por uma “disputa laboral” entre colegas de trabalho como por objetivos ligados ao terrorismo.
Meredith Davies, responsável do Departamento de Armas e Explosivos de San Bernardino, declarava horas após o ataque que o casal “se tinha preparado para uma batalha”. Uma tese reforçada pelo chefe do departamento policial de San Bernardino, Jarrod Burguan, que recusava a hipótese de se ter tratado de uma situação espontânea: “Teve de haver algum planeamento para que isto tenha acontecido. Não me parece que tenham ido a casa e colocado coletes à prova de bala só porque se lembraram”. Em casa dos atiradores, na zona de Redlands, foi descoberto um grande arsenal e material necessário à construção de bombas.

Seguiram-se dias de investigação intensa. Syed Rizwan Farook era inspetor e trabalhava no Departamento de Saúde do condado de San Bernardino. Nascido no Illinois, no seio de uma família oriunda do Paquistão, tinha 28 anos. Casara recentemente com Tashfeen Malik, de 27 anos, originária do Paquistão mas a viver na Arábia Saudita. Conheceram-se em 2013 durante uma peregrinação a Meca. Com a incógnita da motivação por detrás do massacre, começaram a surgir pistas que colocam pelo menos um dos suspeitos no trilho do terrorismo internacional.


Raquel Gomes, Dores Queirós - RTP (8 de dezembro)

Syed Rizwan Farook ter-se-ia “radicalizado” após contactos com terroristas no estrangeiro. A cadeia de televisão CNN citou fontes entre as forças de segurança para avançar que Farook mantinha um contacto regular com “ligações” suspeitas de pertencer a redes terroristas, quer através do telefone, quer através da utilização das redes sociais. De facto, não se sabendo se se tratou de um aproveitamento da situação, a 4 de Dezembro o estado Islâmico reivindicaria como seu o ataque de San Bernardino. Quarenta e oito horas após o ataque apontava-se também que Tashfeen Malik tinha jurado fidelidade a Abu Bakr al Bagdadi, líder do grupo extremista, através de uma conta falsa na rede social Facebook. O atentado passou a ser investigado com a etiqueta de “ato terrorista”.

A família de Farook, que participou numa conferência de imprensa convocada pelo Conselho das Relações Islamo-Americanas para repudiar o ataque ao centro de apoio social de San Bernardino, manifestou-se chocada face aos acontecimentos de quarta-feira. Farhan Kahn, cunhado de Farook, casado com a sua irmã, disse não fazer "ideia do motivo (...) Estou em choque. Estou muito triste de saber que pessoas morreram".

Entretanto, a investigação tem andado para trás e para a frente com a tese terrorista e, a 16 de dezembro, o FBI fez saber que não foram encontradas provas de que o casal fizesse parte de uma célula terrorista organizada ou mesmo que mantivesse qualquer contacto com grupos jihadistas no estrangeiro.