Dilma afastada pelo Senado denuncia "farsa política e jurídica"

Dilma Rousseff denunciou esta quinta-feira o que considera ser a “sabotagem” de que foi alvo pelos partidos da oposição. Já após ter sido notificada da destituição da Presidência por 180 dias, assumiu-se “inocente” e insiste que o processo de impeachment não passa de um “verdadeiro golpe”.

Ana Sanlez - RTP /
Adriano Machado - Reuters

Dilma Rousseff compareceu na tarde desta quinta-feira no Palácio do Planalto para um discurso ao país. Disse-se vítima de uma “farsa política e jurídica” que culminou com a sua destituição por seis meses, por decisão do Senado brasileiro.

Para a Presidente destituída, “o que está em jogo não é apenas o meu mandato, é o respeito às urnas, a vontade soberana do povo brasileiro e a Constituição. O que está em jogo são as conquistas dos últimos 13 anos”.

Dilma Rousseff denunciou “os riscos de um impeachment fraudulento” e insistiu que o seu Governo “tem sido alvo de intensa e incessante sabotagem”.

"Desde que fui eleita, parte da oposição inconformada pediu a recontagem dos votos, tentou anular as eleições e depois passou a conspirar abertamente pelo meu impeachment. Mergulharam o país num estado permanente de instabilidade política, impedindo a recuperação da economia, com o único objetivo de tomar à força o que não conquistaram nas urnas. O meu Governo tem sido alvo de intensa e incessante sabotagem", acusou Dilma Rousseff.
Erros que não são crimes
A Presidente, que foi destituída com o voto favorável de 55 senadores, depois de uma maratona que durou mais de 20 horas, desmente os crimes pelos quais é acusada, nomeadamente as chamadas "pedaladas fiscais".

"Não cometi crime de responsabilidade, não há razão para um processo de impeachment, não tenho contas no exterior, nunca recebi propinas, jamais compactuei com a corrupção. Este processo é frágil, juridicamente inconsistente, um processo injusto desencadeado contra uma pessoa honesta e inocente", declarou.

"Posso ter cometido erros mas não cometi crimes. Estou a ser julgada injustamente por ter feito tudo o que a lei me autorizava a fazer. Os atos que pratiquei foram legais e necessários. Atos idênticos foram executados pelos presidentes que me antecederam. Não era crime na época deles e não é crime agora. Tratam como crime um ato corriqueiro de gestão", vincou a Presidente afastada.

Ainda segundo Dilma Rousseff, "a maior das brutalidades que pode ser cometida contra qualquer ser humano é puni-lo por um crime que não cometeu. Não existe justiça mais devastadora do que condenar um inocente. Esta farsa jurídica deve-se ao facto de que enquanto Presidente nunca aceitei chantagem de qualquer natureza".
"A dor inominável da injustiça"
O Governo de Michel Temer, o até agora vice-presidente que vai substituir Dilma no cargo, foi o principal alvo dos ataques da ex-líder.

"O maior risco para o país neste momento é ser dirigido por um Governo dos sem voto. Este Governo será a grande razão da continuidade da crise política", alertou.

A Presidente suspensa assegura que sempre exerceu o mandato "de forma digna e honesta" e garante que vai lutar "com todos os instrumentos legais de que disponho para exercer o meu mandato até ao fim".
Dilma Rousseff recordou os tempos da ditadura brasileira, quando foi vítima de tortura, para estebelecer uma comparação com o atual momento do país.

"O destino sempre me reservou muitos desafios. Já sofri a dor indizível da tortura, a dor aflitiva da doença, agora sofro a dor igualmente inominável da injustiça. Não esmoreço. Lutei a minha vida inteira pela democracia. Nunca imaginei que seria necessário lutar outra vez contra um golpe no meu país", lamentou.

No final deixou um apelo aos seus apoiantes: "Tenho a certeza que a população saberá dizer não ao golpe. O povo é sábio. Mantenham-se mobilizados, unidos e em paz. A luta pela democracia não tem data para terminar. Jamais vou desitir de lutar".

Dilma foi oficialmente notificada do seu afastamento pelo Senado ao início da tarde desta quinta-feira. Durante o discurso a Presidente afastada fez-se acompanhar pelos seus 22 ministros, além de senadores e deputados do PT.
No final, Dilma Rousseff saiu do palácio do Planalto pela entrada principal, onde cumprimentou as muitas centenas de manifestantes favoráveis ao seu Governo que se encontram acampados à porta do edifício e aproveitou para repetir parte do discurso oficial e atacar o adversário.

Dilma reforçou as críticas aos partidos da oposição, alertando para os riscos que corre a democracia brasileira. Traçou mesmo o perfil do Governo interino de Michel Temer como um Executivo totalitário, que vai “acabar” com todas as políticas sociais adotadas nos últimos 13 anos, além de “cair na tentação de reprimir protestos”.
Dupla notificação

Rousseff recebeu duas notificações oficiais sobre o seu afastamento por 180 dias, sendo que a segunda nota consiste num mandado de citação que estabelece o prazo para a presidente apresentar a sua defesa.

Os documentos contêm a assinatura do presidente do Supremo Tribunal Federal, Ricardo Lewandowski, que vai presidir a todos os atos do processo de impeachment a partir de agora.

As duas notificações foram entregues pelo primeiro-secretário do Senado, Vicentinho Alves, o mesmo responsável a quem compete entregar a Michel Temer a nota oficial de tomada de posse.
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