Direito de voto de nativos americanos continua a ser violado nos EUA

por RTP

Embora os índios americanos representem um pouco mais de um por cento do total da população dos Estados Unidos e menos de um por cento de todos os eleitores registados, nenhum dos dois principais partidos está a trabalhar no sentido de assegurar o direito de voto desta comunidade nas eleições de novembro. A poucas semanas das presidenciais, o livro "Voting in Indian Country" revela como os direitos das comunidades indígenas, incluindo o direito a votar, têm sido sistematicamente violados ao longo de gerações.

Num ano atípico em que muitos norte-americanos, devido à pandemia, vão votar por correspondência, o papel dos eleitores foi tema de debate na corrida para a eleição do novo presidente dos EUA. Mas pouco se falou sobre os 5,2 milhões de nativos americanos cujos antepassados já habitavam o norte da América antes sequer de haver um presidente.

A participação eleitoral dos nativos americanos e dos nativos do Alasca é a mais baixa do país, considerando que só cerca de um em cada três eleitores qualificados desta comunidade (cerca de 1,2 milhão de pessoas) está registado para votar, de acordo com o Congresso Nacional de Índios Americanos.

No livro Voting in Indian County: The View from the Trenches, Jean Reith Schroedel, professor de ciência política na Claremont Graduate University, retrata os conflitos e as lutas pelos direitos de voto históricas e contemporâneas. Segundo o autor, os direitos das comunidades indígenas têm sido sistematicamente violados ao longo de gerações, com consequências devastadoras para o acesso ao ar e à água limpa, à saúde, à educação, às oportunidades económicas e à soberania.

"Entre o público norte-americano, há uma amnésia coletiva sobre as políticas vergonhosas dos governos dos Estados Unidos em relação aos habitantes originais do continente e aos seus descendentes", lê-se no resumo da obra.

Em entrevista ao Guardian, Schroedel afirmou que "uma coisa que poucos americanos entendem é que os índios americanos e os nativos do Alasca foram o último grupo nos Estados Unidos a obter a cidadania e o voto".

"Mesmo após a guerra civil e as emendas da Reconstrução (13ª, 14ª e 15ª), houve uma decisão do Supremo Tribunal que afirmava que os indígenas nunca poderiam tornar-se cidadãos dos EUA, e algumas leis usadas para privá-los de alguns direitos ainda estavam em vigor em 1975. Prepotências foram usadas de geração em geração para negar e não apenas diluir os direitos de voto e estiveram em vigor por muito mais tempo para os nativos americanos do que para qualquer outro grupo marginalizado".

Quando se fala da exclusão ou da supressão de certos grupos minoritários nos atos eleitorais nos EUA, os indígenas nunca são incluídos nos debates. Para o autor isso pode explicar-se porque "são uma população pequena" e "a maioria dos abusos mais flagrantes ocorrem rotineiramente em partes rurais isoladas, onde há pouco acesso dos media".

De acordo com o professor, isto é frequente e aconteceu recentemente no condado de Jackson, no Dacota do Sul.

"O conselho do condado acaba de decidir que vai fechar o centro de votação antecipada na reserva de Pine Ridge, alegando preocupações com a Covid, mas não vai fechar no local de votação em Kadoka, onde os brancos vão votar. Independentemente da intenção, isso terá um efeito absolutamente prejudicial na capacidade de voto dos nativos".

Além disso, o "Dacota do Sul, como muitos outros Estados, é um lugar muito difícil para os nativos votarem pelo correio". "Nas primárias, o número de pessoas que se registou para votar pelo correio aumentou em mil por cento no geral, mas não houve aumento entre as comunidades da reserva. No condado de Oglala, que inclui a parte oriental de Pine Ridge, a participação foi de cerca de dez por cento".
Votar por correio é mais difícil para os nativos

Embora a questão dos votos por correspondência seja uma constante nos debates e nas campanhas dos candidatos presidenciais, principalmente nas de Donald Trump, Jean Reith Schroedel diz que para os nativos americanos "votar pelo correio é um grande desafio".

A maioria das reservas "não oferece entrega de correio em casa" e, por isso, "as pessoas precisam de se deslocar para os correios ou locais de serviços postais - pequenas povoações que oferecem serviços de correio mínimos e estão localizados em locais como postos de gasolina e minimercados".

Por exemplo, na Nação Navajo, que abrange 27.425 milhas quadradas, existem apenas 40 sítios onde as pessoas podem enviar e receber correspondência. "Em West Virginia, existem 725. Mas não há nenhuma caixa postal na Nação Navajo com acesso 24 horas", explicou.

Segundo uma investigação do próprio autor, "toda a correspondência enviada dos correios fora da reserva chegou aos escritórios eleitorais dentro de um a três dias". Já quanto a perto de "metade da correspondência da reserva demorou de três a dez dias".

"Os brancos rurais estão a sair-se muito melhor do que os nativos americanos"
, concluiu.

Mas há mais: o Estado de Dacota do Sul exige que "as cédulas de correio sejam reconhecidas no cartório, mas não há notários nas reservas". Para além de que "o nível de confiança no voto entre os nativos americanos é geralmente baixo, mas cai drasticamente quando se trata de voto pelo correio".

E para os nativos que apenas têm identidade tribal, o problema é maior porque não têm endereço residencial e por isso não conseguem votar "fora do seu endereço".
Privação de direitos civis

É comum falar-se sobre a retirada de alguns direitos às minorias, em determinados Estados americanos, mas pouco se fala no caso do nativos.

As históricas leis que visam a privação de direitos civis aos afroamericanos, foram aplicadas em muitos lugares onde não havia negros, acabando por afetar os indígenas.

"Metade dos Estados com privação de direitos nos crimes mais graves não têm muitos negros, mas têm grandes populações de nativos americanos ou latinos", esclareceu.

De acordo com o autor, um dos Estados onde a supressão do voto dos nativos americanos é mais visível é o Dacota do Norte.

"O Dacota do Norte aprovou uma lei após outra, o que tornou cada vez mais difícil para as pessoas votarem, e eu acho que foi uma retaliação para privar ainda mais os nativos por se levantarem contra o gasoduto Dacota Access".

Já no Dacota do Sul "mais de um quarto dos eleitores registados em 2016 no condado de Todd - que é o Rosebud Sioux - foram eliminados em 2020".

Mas, para Schroedel, os Estados onde provavelmente haverá maior supressão dos votos dos indígenas são o Arizona, o Alasca, o Nevada e os Dacotas do norte e do sul.
pub