Uma investigação conduzida pelo jornal Haaretz, esta sexta-feira, revelou que várias empresas israelitas continuam a vender software de espionagem a governos que violam os direitos humanos dos seus cidadãos.
Entre as várias empresas que produzem e vendem este tipo de programas estão o NSO Group e a Verint Systems. A investigação baseou-se em 100 fontes em 15 países diferentes, incluindo países onde muitos empregados destas empresas falaram ao Haaretz, na condição de anonimato. A investigação concluiu que as agências reguladoras em Israel, “que devem assegurar que os produtos não estão a ser utilizados para causas ilegais ou imorais”, não estão a impedir as vendas dos softwares aos governos, mesmo quando existem “provas evidentes de abuso”.
O Times of Israel ilustra que a empresa Verint, por exemplo, tem ajudado as autoridades em Moçambique a combater uma série de raptos ou no Botswana a impedir a caça ilegal. Mas vários ex-empregados da empresa revelaram que em países como a Indonésia o software está a ser utilizado para identificar pessoas homossexuais e de minorias religiosas, consideradas criminosas pelas autoridades.
O NSO Group, por sua vez, é conhecido pelo seu software Pegasus, capaz de aceder a qualquer dispositivo com sistemas iOS – sistema do iPhone – ou Android. A popularidade dos smartphones que possuem estes tipos de sistema tornou o software Pegasus num nome reconhecido mundialmente. Tudo o que basta para o programa se apoderar do nosso telemóvel é que o utilizador abra um link armadilhado, enviado por mensagem.
Os governos podem, assim, utilizar o Pegasus para aceder aos telemóveis dos seus cidadãos, ouvir as suas chamadas e até conversas tidas perto do telemóvel contaminado.
“Eu não consigo limitar as ações do cliente”, disse um empregado que aceitou falar em condição de anonimato. “Não posso vender um Mercedes a alguém e depois dizer-lhe para conduzir apenas a 100 km/h”. “A verdade é que as empresas israelitas não sabem como os seus sistemas vão ser utilizados a partir do momento em que os vendem”, admitiu a fonte.
A empresa esclarece também que cumpre com “todo o regulamento israelita” e que apenas vende o seu produto a “aliados de Israel e nunca aos seus inimigos”, apesar de o sistema ter sido detetado em vários países do Golfo que não têm qualquer tipo de relação diplomática com Israel - como o Qatar, Bahrain e os Emirados Árabes Unidos. A empresa refere ainda que a sua tecnologia foi desenvolvida com o intuito de “combater criminosos e terroristas” e nunca para “objetivos políticos”.
Casos de utilização do "Pegasus" contra cidadãos comuns
Ainda em agosto deste ano a Amnistia Internacional denunciou que um dos seus empregados tinha sido, alegadamente, um alvo do Pegasus, como parte de uma “sofisticada campanha de vigilância”. A organização terá conseguido identificar o dominio URL – endereço que permite identificar de onde foi enviado o Pegasus – do link malicioso enviado por mensagem WhatsApp ao seu empregado.
Ahmed Mansoor, um ativista para os direitos humanos dos Emirados Árabes Unidos (EAU), recebeu uma mensagem, em agosto de 2016, que parecia ser de uma fonte credível. Ainda assim, Mansoor suspeitou de alguma coisa e enviou o seu telemóvel para a Universidade de Toronto, no Canadá, onde seria analisado por especialistas.
De acordo com essa análise, as autoridades dos EAU tinham comprado o software Pegasus do NSO Group, considerado o programa mais poderoso do mundo do seu tipo. Caso o ativista tivesse acedido ao link no seu telemóvel, o virus daría acesso a todo o conteúdo do dispositivo (mensagens, fotografias, e-mails, contactos, etc) ao comprador do Pegasus, neste caso a polícia dos EAU, assim como à câmara e a ao sistema de áudio.
O New York Times noticiou, o ano passado, que o Pegasus também estava a ser utilizado no México para espiar os telemóveis de advogados, ativistas, jornalistas e políticos que estavam a investigar os potenciais crimes cometidos pelo governo. Uma das vítimas foi um advogado que representava as famílias de 43 estudantes universitários assassinados pela polícia mexicana. Outros casos incluíram pessoas que investigavam casos de corrupção por parte de vários diretores executivos de algumas das maiores empresas nacionais.
Vários estudos alertam para o facto de a tecnologia de espionagem israelita estar, hoje, a ser utilizada por mais de 130 países, seja por entidades governamentais ou privadas, com objetivos e intenções distintas entre elas que, em última análise, ditam a forma como o software é utilizado e quem é afetado por ele.