Drones do Irão fornecidos a Putin têm componentes eletrónicos europeus

por RTP
Um agente da polícia inspeciona o que resta de um aparente drone suicida iraniano Shahed-136, em Kharkiv, na Ucrânia (6 de outubro de 2022) Foto: Vyacheslav Madiyevskyy - Reuters

Especialistas ucranianos desmontaram os dispositivos das bombas usadas pela Rússia para atacar a Ucrânia e encontraram diversos componentes de origem europeia. Esta informação foi apresentada pelo Governo de Kiev aos governos do G7, em agosto. Em mais de 600 ataques a cidades, os drones fornecidos pelo Irão continham tecnologia ocidental.

Pelo menos 52 componentes eletrónicos produzidos por empresas ocidentais foram encontrados no drone Shahed-131. Já no modelo Shahed-136 o número das peças europeias usadas subiram para 57.

Estes veículos aéreos não tripulados – UAV - têm autonomia de voo de dois mil quilómetros e atingem uma velocidade de cruzeiro de 180 quilómetros por hora.O levantamento da informação dos especialistas que desmontaram e investigaram os equipamentos resultou num relatório secreto de 47 páginas apresentado pelo Governo ucraniano aos aliados do G7, em agosto deste ano.

O jornal britânico The Guardian teve acesso ao documento que revela que cinco empresas europeias, incluindo uma subsidiária polaca de uma multinacional britânica, são apontadas como fabricantes de origem dos componentes identificados.

“Entre os fabricantes estão empresas sediadas nos países que aplicam sanções à Rússia: Estados Unidos, Suíça, Holanda, Alemanha, Canadá, Japão e Polónia”, notifica o relatório.

O documento também dá conta de que "o Irão já diversificou a sua produção através da utilização de uma fábrica síria no porto de Novorossiysk” e alega que “a produção de drones está a transferir-se para a Rússia”, nomeadamente para a região central tártara de Alabuga. Porém, Teerão continua a fornecer os componentes eletrónicos.

“O Governo iraniano está a tentar dissociar-se do fornecimento de armas à Rússia” e “não consegue gerir a procura russa e a intensidade do uso na Ucrânia”, argumenta o documento.

Segundo o relatório ucraniano, as informações aduaneiras demonstram que “quase todas as importações para o Irão tiveram origem na Turquia, Índia, Cazaquistão, Uzbequistão, Vietname e Costa Rica”.

A investigação não apresenta nenhuma sugestão que aponte irregularidades por parte das empresas ocidentais, que alegadamente produziram as peças identificadas. “A produção iraniana de UAV adaptou-se e utiliza principalmente componentes comerciais disponíveis, cujo fornecimento é mal ou nem sequer controlado”, deixa claro o relatório.

O eurodeputado Bart Groothuis, que integra a subcomissão de defesa e segurança do Parlamento Europeu, argumentou que tem havido “uma coordenação insuficiente” entre os serviços secretos da UE para gerir o uso indevido de componentes ocidentais. “Penso que muitas agências de inteligência europeias nem sequer estão a considerar sanções”, avançou.
E os componentes de fabrico ocidental são...
Entre a diversidade de componentes eletónicos encontrada nos modelos de drones abatidos estão peças com origem nos EUA, Reino Unido, Alemanha, Japão, Itália e Canadá, além da UE. 

As empresas que reagiram alegam, no geral, que não conseguem controlar o percurso total dos componentes que produzem.

De acordo com o relatório, num dos dispositivos do modelo Shahed-136 foi descoberta uma “bomba de combustível fabricada na Polónia pela empresa alemã Ti Automotive Gmbh, da qual a multinacional britânica TI Fluid Systems é a empresa-mãe”.

A investigação também deu conta de um “microcontrolador com memória flash incorporada e uma velocidade muito baixa - regulador de queda de tensão com inibidor fabricado pela empresa suíça STMicroelectronics”.

Num outro Shahed-136 foi identificado um “circuito integrado de um driver de rede buffer e um transístor fabricado pela International Rectifier, uma subsidiária da empresa alemã Infineon Technologies AG”.

Questionada pela publicação britânica, a empresa TI Fluid Systems não se pronunciou. Porém, sabe-se que o seu equipamento é vendido a retalhistas por toda a Europa. E a empresa já disse no passado que não vendia para o Irão.

Da empresa STMicroelectronics chega a argumentação de que trabalham “com mais de 200 mil clientes e milhares de parceiros em todo o mundo. Não autorizamos ou toleramos o uso de nossos produtos fora da finalidade pretendida”, afirmou um porta-voz.

A Infineon, por sua vez, declarou que “não vendia componentes ao Irão e que liquidou a sua operação na Rússia em março do ano passado. Porém, acrescenta que “é difícil controlar as vendas durante toda a vida útil de um produto. Ainda assim, tomámos medidas abrangentes à nossa disposição para garantir o cumprimento das sanções contra a Rússia, com o objetivo não só de cumprir a letra, mas também o espírito das sanções”.

No modelo Shahed-131, os especialistas ucranianos identificaram componentes de origem dos Países Baixos e da Suíça.

Entre as peças está um circuito integrado e um microprocessador fabricado pela empresa holandesa NXP Semiconductor e ainda um transistor de potência e circuito integrado da International Rectifier.

“Também foi encontrado um microcontrolador de 32 bits, um processador de 32 bits, um microcontrolador com memória flash integrada e um regulador de queda de tensão muito baixa com inibidor fabricado pela STMicroelectronics, e um chip rastreador GPS fabricado pela empresa suíça U-blox”, reporta o documento.

A U-blox já reagiu, afirmando que “condena veementemente a invasão da Ucrânia pela Rússia" e acrescenta que "imediatamente após a invasão da Ucrânia pela Rússia em fevereiro de 2022, o U-blox interrompeu todas as vendas para a Rússia, Bielorrússia e os territórios ocupados pelo exército russo na Ucrânia”.

Entretanto, um porta-voz da NXP Semiconductor alegou: “Não toleramos o uso dos nossos produtos em armas russas ou iranianas, ou qualquer outra aplicação para a qual os nossos produtos não foram projetados ou licenciados”.

O primeiro uso de drones Shahed foi registado em Kupiansk, na região de Kharkiv, a 13 de setembro de 2022.
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