Economia britânica vai "encolher" em cenário de Brexit sem acordo, avisa o FMI

por RTP
O processo de saída do Reino Unido deverá estar concluído a 29 de março de 2019, com ou sem acordo entre Londres e Bruxelas Hannah Mckay - Reuters

A menos de seis meses da saída do Reino Unido da União Europeia, o Fundo Monetário Internacional não esconde a preocupação num cenário de ausência de acordo entre as duas partes. Christine Lagarde, diretora-geral do FMI, diz mesmo que “espera e reza” por um entendimento entre Londres e Bruxelas, mas que a economia britânica vai sofrer, independentemente dos termos da saída. Também esta segunda-feira, a primeira-ministra britânica insistiu que o plano Chequers constitui a única saída para um possível entendimento com as entidades europeias.

Para a diretora-geral do Fundo Monetário Internacional, Christine Lagarde, a União Europeia e o Reino Unido ainda têm pela frente desafios “assustadores” antes de chegarem a um acordo.

Em conferência de imprensa a partir de Londres, a responsável do  FMI disse esta segunda-feira que a economia britânica irá sofrer com o processo de saída da União Europeia, independentemente do formato ou dos termos estabelecidos. No entanto, se essa saída acontecer sem um acordo definido, as consequências serão ainda piores para a economia britânica. 

“Nenhum acordo vai conseguir ser tão bom como o processo que permite a circulação livre de bens, serviços, pessoas e capitais entre Reino Unido e União Europeia, sem impedimentos e obstáculos”, frisou Christine Lagarde. 

No cenário de saída com um acordo estabelecido com Bruxelas, a economia britânica deverá crescer cerca de 1,5 por cento em 2018 e 2019, ficando atrás de países como a Alemanha e a França.  

“Sou uma otimista desesperada, espero e rezo para que haja um acordo entre a União Europeia e o Reino Unido. Quanto maiores forem os impedimentos para negociar um novo relacionamento entre as duas partes, mais caro [o processo] sairá. Isto deveria ser bastante óbvio, mas por vezes parece que não é”, referiu a diretora-geral do FMI durante a apresentação do relatório anual sobre a economia britânica.
Londres regista advertências
O ministro britânico das Finanças, Philip Hammond, também marcou presença nesta conferência e considerou que o Governo deverá ter em conta estes “avisos claros” endereçados ao Reino Unido.

“O Fundo Monetário Internacional clarificou que a inexistência de um acordo seria extremamente custosa para o Reino Unido”, disse o responsável pela pasta das Finanças.  

Philip Hammond referiu ainda que a ausência de um entendimento “colocaria em risco o progresso substancial que a população britânica conseguiu nos últimos dez anos, no sentido de recuperar a economia”.  
 
E, se um dos pontos que esteve na origem do próprio referendo para a saída do Reino Unido da União Europeia foi o desejo de encetar novos acordos a nível mundial com economias emergentes, o FMI avisa que esses mesmos entendimentos não seriam capazes de compensar os custos da saída da União Europeia.  

A economia britânica é a quinta maior economia a nível mundial mas tem vindo a desacelerar de forma significativa desde o referendo de junho de 2016, que ditou a saída do Reino Unido da União Europeia. Este ano, o crescimento económico do Reino Unido foi de 0,4% no segundo trimestre. Entre 2016 e 2017, a economia britânica foi a que mais desacelerou de todos os países do G7 e deverá manter essa tendência até à concretização efetiva do Brexit.  
Plano Chequers ou nada?
Em menos de seis meses o Reino Unido terá já abandonado oficialmente a União Europeia, Mas, neste momento, não existe ainda qualquer acordo que assegure um período de transição dessa saída devido aos vários desentendimentos não só entre Bruxelas e Londres, mas também entre as principais forças políticas, nomeadamente dentro do próprio Partido Conservador, que abarca com as funções governativas.  

A semana que agora se inicia poderá ser decisiva, uma vez que a primeira-ministra vai reunir-se com vários líderes europeus na cimeira informal de Salzburgo e todas as partes pretendem chegar a um entendimento o mais cedo possível.

No entanto, o encontro a decorrer nos Alpes austríacos na próxima quinta-feira, dia 20 de setembro, não deverá ter como prato principal a discussão dos termos do Brexit, mas antes a temática da segurança interna e controlo fronteiriço dentro do espaço comunitário. 

A solução para o embaraço político poderá passar pelo plano Chequers, que voltou hoje mesmo a ser defendido pela primeira-ministra britânica em entrevista à BBC. Theresa May considerou que apenas duas opções para o Brexit estão em cima da mesa e são viáveis para Londres: ou o plano de divórcio – conhecido por plano Chequers, apresentado em julho último – ou uma saída sem qualquer acordo.

Em declarações à televisão pública britânica, Theresa May disse que caso a sua proposta não seja aprovada no Parlamento, a única alternativa será “não ter nenhum acordo”. 

O plano de May prevê a criação de uma área de livre comércio para bens depois do Brexit, evitando dessa forma os controlos de alfândega, o que permitiria a Londres manter aberta a fronteira entre a Irlanda - membro de pleno direito da União Europeia - e a Irlanda do Norte, pertencente ao Reino Unido.

Na entrevista, May considera necessário um "movimento de mercadorias livre de fricções", sem alfândegas ou controlos reguladores entre o Reino Unido e a União Europeia dentro da ilha da Irlanda.  

Esta solução apresentada por Theresa May tem sido alvo de muitas críticas, desde logo entre os deputados mais conservadores como o antigo ministro dos Negócios Estrangeiros, Boris Johnson, que apresentou a demissão em confronto com a primeira-ministra britânica.

Num artigo de opinião publicado no domingo, Johnson teme que o caminho seguido nas negociações com a União Europeia termine num “acidente político espetacular” e que o plano Chequers implique que o Reino Unido "permaneça efetivamente na união aduaneira e grande parte do mercado único" de que está a sair, representando uma submissão à ordem estabelecida por Bruxelas. 
A questão irlandesa e o Brexit
O tema da fronteira é um dos mais relevantes para a resolução do impasse e o Governo britânico quer evitar essa medida de forma a não prejudicar o processo de paz entre os países alcançado há duas décadas, naquele que ficou conhecido por Good Friday Agreement. Cerca de 30 mil pessoas cruzam a fronteira entre as Irlandas todos os dias.  

Os responsáveis britânicos de matriz mais eurocética não querem que Londres continue com ligações à União Europeia sem qualquer controlo aduaneiro, uma vez que acreditam que tal ligação iria dificultar novos acordos comerciais do Reino Unido com o resto do mundo.

Por sua vez, também alguns responsáveis europeus rejeitam a possibilidade, uma vez que Bruxelas vê como indivisíveis as quatro vertentes das liberdades de movimento: serviços, pessoas, bens e capital. 

Nas últimas semanas, Londres tem estado a trabalhar na possibilidade de uma solução tecnológica que passaria pelo uso de controlos remotos no sentido de minimizar os controlos aduaneiros, evitando-se dessa forma a existência de uma fronteira física entre a Irlanda do Norte e a República de Irlanda. 

A questão irlandesa é nesta altura um dos principais obstáculos a ultrapassar nas negociações que se vão prolongar nos próximos meses, e que as duas partes pretendem ver concluídas até dezembro, tendo em conta que o processo de saída mais gradual teria de estar concluído a 29 de março de 2019.
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