Efeito Donald Trump. Partido Republicano em crise de identidade que o pode deixar sempre "minoritário"

por Graça Andrade Ramos -RTP
Donald Trump frente ao Capitólio, Washington,m a 6 de janeiro de 2021 Reuters

Adam Kinzinger, um congressista republicano de 42 anos, eleito pelo Illinois e opositor de longa data do Presidente cessante, não tem dúvidas quanto ao destino do seu partido se não conseguir libertar-se do vórtice Donald Trump. Irá tornar-se para sempre um "partido minoritário".

"Alguém que pensa que a coisa de Donald Trump a longo prazo vai ser a aliança vencedora e não alguém como eu, que é conservador, mas não ofende as pessoas e não anda por aí a atacar e a dizer que me devem tudo e que não incita revoltas, irá continuar para sempre um partido minoritário", defendeu noite passada na CNN, em entrevista de Chris Cuomo. Para sustentar as suas afirmações, Kinzinger lembrou que nas últimas eleições obteve 65 por cento dos votos no seu distrito enquanto Trump se ficou pelos 56 por cento.

O seu vaticínio está longe de ser consensual.

O partido tem estado no fio da navalha, sem saber se volta ou não a apoiar o ex-Presidente numa eventual recandidatura à presidência.

Há três semanas, no caos que se seguiu à partida de Trump da Casa Branca, um congressista republicano veterano, Tom Cole, do Oklahoma, dizia que a crise de identidade que abala atualmente o Partido Republicano superava a causada "pelo Watergate".

"Tenho sido republicano nos últimos 40 anos profissionalmente - por isso, logo a seguir ao Watergate - e digo-lhe que este está a ser o pior período de sempre", afirmou a 31 de janeiro entrevistado pelo New York Times.

Ao mesmo jornal, esta terça-feira, o senador republicano Mitt Romney, do Utah, o único a votar duas vezes contra Donald Trump nos processos de destituição de que este foi alvo, reconheceu que o ex-Presidente se mantém politicamente forte.

"Não sei se ele irá concorrer em 2024 ou não, mas se o fizer [pelo Partido Republicano], tenho a certeza de que irá ganhar a nomeação", garantiu. As sondagens, recordou, "mostram que se colocarem o Presidente Trump entre os republicanos, ele ganha por enorme margem".

Para muitos dos congressistas como Kinzinger e Romney, ver o partido apoiar novamente Donald Trump seria engolir um sapo monstruoso. Para outros tantos, seria a aposta certa e defendem Trump mesmo quando o atacam, como fez o líder da actual minoria no Senado, Mitch McConnel, no recente processo de destituição contra o Presidente cessante.

As sondagens ajudam estes últimos e fazem uma leitura diametralmente oposta à do representante do Illinois. Um afastamento de Trump poderia mesmo ser o toque de finados do Partido Republicano como mostrou um inquérito recente.

Nele, 37 por cento dos norte-americanos afirmaram-se prontos a votar num novo partido fundado por Donald Trump, com o Partido Republicano a ser relegado para um terceiro lugar nas intenções de voto. Até uma minoria democrata se assumiu trumpista - um estilo de Governo belicoso, errante e ziguezagueante, marcado pelo unilateralismo e pelo neoisolacionismo, que conseguiu bons resultados económicos.
O voto ao lado dos democratas
Enquanto membro do Congresso desde 2011, Adam Kinzinger não é um novato na política. Para ele, o apoio a Trump foi uma deriva do bom caminho a que o Partido Republicano habituou os americanos e sempre se colocou contra o ex-Presidente.

Estratégia que o levou a, juntamente com outros nove representantes e sete senadores republicanos, votar ao lado dos democratas no processo de destituição de Donald Trump devido à invasão do Capitólio a 6 de janeiro, que resultou na morte de cinco pessoas. A decisão teve desde logo consequências politicas. Pelo menos Adam Kinzinger e os senadores Richard Burr, da Carolina do Norte, e Bill Cassidy, do Louisiana, enfrentam moções de censura nas suas secções locais do partido.

A exemplo da divisão que atravessa milhares de famílias, a de Adam Kinzinger lamentou, mais do que o voto contra Trump, vê-lo juntar-se "exército do diabo" [o Partido Democrata e a comunicação social das notícias falsas, de acordo com Trump].

"Vais contra os teus princípios cristãos", pode ler-se numa carta manuscrita por uma prima, Karen Otto, e assinada por 11 outros membros da família.

Na missiva de duas páginas, que o próprio congressista entregou ao New York Times para publicação, a autora recorre mesmo aos termos tantas vezes usados por Trump, "tão, tão triste", para expressar o lamento. "Dececionaste-nos muito, a nós e a Deus".

Kinzinger está de consciência tranquila. Na CNN prometeu lutar com todas as forças para fazer regressar o seu partido ao "funcionamento normal", facto lhe permite "descansar com toda a paz". Mesmo se, como consideram muitos analistas, arrisca a sua carreira.

Adam Kinzinger, congressista republicano pelo Illinois Foto: Congresso dos EUA
"Ostracizado"

Antes de Donald Trump, eram raros os americanos que acusavam em voz alta o Partido Democrata de conluio com o diabo, mesmo que o pensassem. O Presidente cessante deu voz ao sentimento e à revolta de muitos para com alterações culturais impostas a partir de Washington, que não se deverão calar tão cedo.

No essencial, a carta dos primos de Kinzinger espelha o dilema de milhões de norte-americanos, descontentes com o sistema e que encontraram em Donald Trump alguém que diz o que pensam, ao contrário daqueles que alegadamente os representam no Capitólio.

Contactada pelo New York Times, a autora revelou que o congressista tem uma família extensa já que o pai tem 32 primos direitos. "Queria que ele fosse ostracizado", afirmou.

Karen expressou ainda a "vergonha" da família ao ver Adam enganado pelos "ideais socialistas" do partido democrata.

A Chris Cuomo, Kinzinger exprimiu satisfação com a publicação da missiva, prova, disse, da profunda divisão que atinge muitas famílias devido à política. "Estou contente que a carta tenha sido pública pois penso que as pessoas precisam de saber - quem não sentiu esta divisão na sua família, este é o melhor exemplo", explicou.

"Não tenho nada contra eles", afirmou sobre os seus primos.

"Quer dizer, talvez algum dia tenha de olhar para trás... Mas não sinto isso por agora. Não tenho qualquer vontade de falar com eles e consertar as coisas, isso é com eles", acrescentou. Financiamentos para que vos queremos

Nem a suavidade dos primeiros dias da presidência do democrata Joe Biden está a conseguir aparentemente reparar os efeitos do furacão que agitou diariamente a politica norte-americana e mundial nos últimos quatro anos.

Apesar dos esforços do Partido Democrata para o afastar da política, Donald Trump prometeu regressar e tem por enquanto o apoio popular para isso.

O dinheiro das corporações e dos multimilionários, que oleia a maquinaria política, poderá contudo vir a falar mais alto e a escassear para quem siga o ex-Presidente, fazendo pender a balança.

Esta quarta-feira, a Agência Reuters revelou que, de acordo com um relatório da Comissão Eleitoral Federal, em janeiro os 10 maiores grupos financeiros norte-americanos cortaram 90 por cento do seu financiamento aos congressistas. Mesmo tendo em conta que após um ciclo eleitoral as contribuições diminuem, este ano e em conjunto foram doados uns meros 13.000 dólares, menos de um décimo das doações em janeiro de 2017 e um vestígio face aos 10 milhões doados aos candidatos na época eleitoral 2019-2020.

Estas corporações, incluindo a Microsoft Corp, a Walmart Inc, a AT&T Inc e a Comcast Corp, haviam prometido retirar das suas listas de donativos os republicanos que apoiassem Trump na sua tentativa de reverter a vitória de Joe Biden, depois do ataque ao capitólio.

Significativamente, os dados recolhidos pela Reuters mostram que nenhum dos 147 congressistas republicanos que votaram a favor de Trump recebeu quaisquer financiamentos, quando nos dois anos anteriores tinham obtido mais de dois milhões de dólares.

Curiosamente, Adam Kinzinger foi um dos únicos contemplados com contribuições em janeiro, 5.000 dólares da General Electric.

A GE também doou 1.000 dólares ao representante democrata Rick Larsen, de Washington, ao passo que o outro republicano favorecido, o senador John Thune, do Dakota do Sul, recebeu 5.000 dólares do American Express.
pub