Eleições locais na Polónia testam Governo e oposição em ambiente de alta tensão política

por Lusa

A Polónia realiza no domingo eleições locais num ambiente de alta tensão política, no primeiro grande teste aos partidos no Governo desde as legislativas de outubro, mas também à maior força de oposição após oito anos no poder.

No domingo, os polacos vão eleger as assembleias regionais, presidentes das câmaras municipais e milhares de vereadores, com uma segunda volta duas semanas depois onde nenhum candidato a liderar municípios obtiver mais de metade dos votos.

Estas eleições estavam marcadas para o outono passado, sendo adiadas por meio ano, oficialmente para evitar um conflito com as históricas legislativas disputadas em 15 de outubro, mas a sua proximidade leva a que sejam vistas como um teste aos atores políticos com leituras nacionais.

Menos de quatro meses após a posse do executivo, as eleições locais vão medir o peso dos partidos que formam a coligação governamental, que já começa a demonstrar divergências ideológicas, o que levou a que os liberais da Plataforma Cívica (PO), liderados pelo antigo presidente do Conselho Europeu e atual primeiro-ministro, Donald Tusk, os democratas-cristãos da Terceira Via e a Esquerda (progressistas) concorram separadamente, tal como tinham feito nas legislativas, vistas por analistas como as mais importantes desde a queda do comunismo em 1989.

Outro elemento de atenção tem a ver com o desempenho do principal partido da oposição, os ultraconservadores populistas da Lei e Justiça (PiS), que venceram as legislativas, mas não conseguiram maioria parlamentar após oito anos consecutivos no poder, cujo exercício é acusado de deriva autoritária, interferência no poder judicial e desafio aos valores europeus, conduzindo ao congelamento de verbas milionárias de Bruxelas, que Tusk tenha agora desbloquear.

Este quadro ajuda a explicar o motivo pelo qual a campanha foi dominada pelos grandes temas nacionais. Após a posse do executivo, a Polónia mergulhou num ambiente de grande tensão política, marcada pela tentativa de destruição do controlo partidário do PiS no aparelho de estado e afastamento de altos responsáveis públicos, alguns dos quais com suspeitas de natureza criminal, incluindo o governador do Banco Central, Adam Glapinski, que poderá enfrentar um tribunal especial por agir contra os interesses nacionais.

O próprio anterior primeiro-ministro, Mateusz Morawiecki, está a ser visado pela justiça, por suspeita de fraude na aquisição de equipamentos de proteção durante a pandemia de covid-19, depois de já ter sido inquirido pela maioria no parlamento por alegada utilização de `software` de espionagem para vigiar adversários políticos.

Nesta guerra aberta entre as forças do novo governo e o anterior, trava-se também um braço de ferro com o Presidente, Andrzej Duda, apoiado pelo PiS.

Desde que o Governo assumiu funções, Duda vetou a demissão de administradores e diretores da comunicação social estatal, que eram acusados manipulação informativa em favor do PiS. Depois, abrigou no seu palácio em Varsóvia o ex-vice-ministro do Interior Marius Kaminski e o seu vice Maciej Wasik, condenados a penas de prisão por abuso de poder e sob os quais pendiam mandados de captura, e insistiu nos indultos que já tinha concedido em 2015, apesar de uma decisão reiterada pelo Supremo Tribunal.

Além disso, mandou a proposta do Orçamento do Estado para o Tribunal Constitucional, cuja composição foi largamente definida pelo PiS, colocou objeções a uma remodelação do corpo diplomático e vetou um projeto de liberalização da pílula do dia seguinte.

A somar aos grandes embates das questões internas, a discussão é também dominada pela atualidade internacional, com a Polónia na primeira linha no apoio à vizinha Ucrânia face à invasão russa, ao mesmo tempo que mantém uma disputa comercial com Kiev devido à importação de produtos comerciais em condições que Varsóvia considera desleais. E, nos últimos dias, eclodiu uma crise diplomática com Israel, em resultado da morte de um polaco que integrava a organização Global Central Kitchen num bombardeamento israelita na segunda-feira na Faixa de Gaza.

Quanto ao PiS, procura reposicionar-se mas com dificuldades acrescidas. Os populistas, liderados pelo dirigente histórico Jaroslaw Kaczynski, contavam ser embalados para estas eleições por uma nova maioria nas legislativas, que não se verificou, o que poderá agora desmobilizar parte do seu eleitorado, que assenta nas zonas rurais. Ironicamente, foram os ultraconservadores que decidiram adiar esta votação no ano passado, quando ainda tinham esperança de manter o poder.

Há décadas que o PiS não vence eleições em nenhuma cidade com mais de 100 mil habitantes, embora normalmente obtenha um número de votos semelhante em todo o país ao do PO de Tusk: cerca de um terço, o mesmo que projetam as sondagens.

Em Cracóvia, a segunda maior cidade do país, o independente Jan Majchrowski, que governa o município há mais de uma década, anunciou a sua retirada da política, o que abre uma possibilidade para o PiS, com grande apoio naquela região, poder finalmente ganhar uma importante autarquia.

As eleições locais vão também medir a temperatura para as presidenciais, a decorrer no próximo ano, e às quais Andrzej Duda já não poderá concorrer por ter atingido o limite de mandatos.

O atual presidente da Câmara de Varsóvia, Rafal Trzaskowski (PO), é recandidato nestas eleições, com a esperança de renovar o seu mandato, mas também já com olho nas presidenciais, nas quais em 2020 esteve muito perto de derrotar Duda.

Em Varsóvia, Trzaskowski defronta o ex-governador regional da Mazóvia, que abrange a capital polaca, Tobiasz Bochenski, que na melhor das hipóteses poderá forçar o liberal a uma segunda volta, mas igualmente criar um perfil nacional, ao ser também ele um potencial candidato à presidência pelo PiS em 2025, no culminar de um ciclo eleitoral decisivo para o país, onde ainda faltam as europeias de junho.

Ambos poderão encontrar o popular dirigente da Terceira Via Szymon Holownia, atual presidente do Sejm (câmara baixa do parlamento), que foi um dos principais focos de divergência da coligação governamental ao adiar a votação sobre a liberalização do aborto para não ofuscar as eleições locais, o que provocou elevado desconforto nos parceiros de esquerda do executivo.

Apesar de todos estes níveis de análise, a votação agregada para as 16 assembleias regionais deverá ser a única que permitirá ilações nacionais.

Nas eleições de 2018, o PiS obteve 34% dos votos, com uma maioria absoluta em seis assembleias, e garantiu o controlo de mais duas, mas as sondagens indicam que não deverá melhorar este resultado, até pela dificuldade em obter alianças à direita, onde pontificam os ultranacionalistas radicais da Confederação, que tiveram um mau desempenho nas legislativas.

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