O chanceler alemão eleito este domingo irá enfrentar nos próximos anos os desafios de uma economia em recessão e da questão migratória como principais desafios. Mas as dificuldades poderão começar logo no momento de formação de um Governo.
As últimas sondagens apontam para uma vitória da CDU/CSU de Friedrich Merz, com cerca de 30 por cento dos votos, ainda que longe de uma maioria. Para governar, Merz terá de procurar parceiros de coligação, possivelmente entre os Verdes e os liberais (FDP), a designada “coligação Jamaica”.
Por outro lado, a “coligação semáforo” que liderou o país nos últimos anos está praticamente fora de questão. Não só não deverá obter o número suficiente de votos, como está condenada à partida pelo desentendimento entre Olaf Scholz (SPD) e Christian Lindner (FDP) que, de resto, desencadeou estas eleições antecipadas.
Na corrida à eleição de 23 de fevereiro, há ainda a destacar a ascensão de um partido de extrema-direita nas sondagens. A Alternativa para a Alemanha (AfD) deverá ficar em segundo lugar, com mais de 20 por cento dos votos, aquele que seria o melhor resultado de sempre a nível federal deste partido fundado em 2013.
As restantes forças partidárias já afastaram qualquer hipótese de coligação com o partido de Alice Weidel. No entanto, nas escassas semanas de campanha, o líder da CDU ensaiou um extremar de posições, ao apresentar um conjunto de propostas sobre a imigração que foi apoiado pela AFD. Caiu o “brandmauer”, a cerca sanitária que afastava há décadas a extrema-direita da aprovação de uma proposta no Bundestag.
Mas esta estratégia de Merz para conquistar votos à direita parece ter falhado. Nas sondagens após a manobra parlamentar, os conservadores da CDU/CDU recuaram quase 3 por cento nas sondagens, enquanto a Alternativa para a Alemanha subiu praticamente esse mesmo valor.
O resultado deste domingo irá ditar a constituição do novo Bundestag, mas também aquele que será o chanceler alemão, uma figura com um papel predominante na política nacional mas também europeia. Conhecemos os principais candidatos e o que defendem.
Friedrich Merz (CDU/CSU)
O líder da União Democrática Cristã (CDU) é apontado como o próximo chanceler do país. Rival de Angela Merkel, Friedrich Merz é em muitos aspetos a antítese da antiga líder alemã. De resto, Merkel não se coibiu de criticar o seu sucessor na liderança da CDU.
A antiga chanceler afirmou mesmo que “
não podia continuar no silêncio” após a votação da CDU ao lado da extrema-direita a respeito da imigração. “Mesmo sob condições difíceis, as maiorias não se podem formar com a AfD”, vincou.
Esta rara intervenção de Merkel atinge o atual líder do partido e adversário de várias décadas. Em 2000, Merz foi eleito presidente do grupo parlamentar da CDU/CSU, ano em que Angela Merkel foi eleita presidente do partido. Na altura, eram os principais candidatos à liderança partidária e Merz viria a estar afastado da política durante vários anos após anos de rivalidade com a então chanceler alemã.
Friedrich Merz numa ação de campanha na cidade de Vechta. Foto: Carmen Jaspersen - Reuters
O antigo banqueiro de 69 anos e quase dois metros de altura (1,98m) surge na ala mais tradicional e conservadora da CDU. Merz tem apresentado soluções para revitalizar a economia alemã, desde logo o corte de impostos e reduzir os gastos em subsídios e apoios sociais. O líder da CDU admite ainda rever o chamado “travão da dívida”, que esteve na origem da crise governamental que precipitou as eleições antecipadas.
Destaca-se também pela posição muito mais restrita em relação à imigração, algo que ficou patente nas últimas semanas, com o polémico voto ao lado da AfD. Merz defende, entre outras medidas, a revogação de passaportes para alemães naturalizados condenados por crimes, a redução dos programas de ajuda aos requerentes de asilo ou a restrição do reagrupamento familiar e a detenção de estrangeiros sem documentos na fronteira.
Friedrich Merz defende um apoio mais robusto à Ucrânia na guerra contra a Rússia e defende a renovação das forças armadas do país. A frase forte da campanha de Merz é a defesa de “uma Alemanha de que nos podemos orgulhar novamente”.
Olaf Scholz (SPD)
O atual chanceler alemão, o primeiro após 16 anos de liderança de Angela Merkel, procura uma muito improvável reeleição ao fim de mais de três anos no cargo. Nas últimas eleições federais, o partido ficou em primeiro lugar e liderou a coligação “semáforo”, com FDP e Verdes.
A governação de Scholz, de 66 anos, ficou indubitavelmente marcada pela invasão russa da Ucrânia, consumada escassos meses após a tomada de posse do novo chanceler alemão.
Este desenvolvimento marcou os últimos anos, sobretudo pela elevada dependência energética alemã em relação ao gás russo. Ainda assim, a Alemanha é o principal país europeu a fornecer ajuda a Kiev.
Olaf Scholz numa visita à fábrica da Volkswagen na cidade de Emden durante a campanha eleitoral. Foto: Carmen Jaspersen - Reuters
O SPD defende abertamente a reforma do “travão da dívida”, um legado dos anos de Merkel como chanceler. Para Scholz, essa medida dará uma margem que deve ser utilizada no aumento dos investimentos públicos em infraestruturas e para a transição ecológica. O líder dos sociais-democratas pretende baixar os impostos da maioria das famílias, mas aumentar taxas nos escalões mais altos.
Este partido defende ainda o aumento do salário mínimo de 12,41 euros para 15 euros por hora. Ou seja, cerca de 1.985 euros num trabalho de 40 horas semanais.
Não se situando tão à direita como o adversário da CDU/CSU, o partido endureceu a sua posição quanto à imigração. Caso vença as eleições, o SPD propõe-se a acelerar a deportação de requerentes de asilo cujo pedido tenha sido rejeitado e a manutenção de controlos fronteiriços terrestres.
Defende, no entanto, a manutenção da lei da cidadania, o que facilita a obtenção da cidadania alemã por estrangeiros.
Apesar da experiência dos últimos anos como chanceler, há quem defenda que Olaf Scholz deveria ter cedido o lugar de liderança do partido ao atual ministro da Defesa, Boris Pistorius.
Alice Weidel (AfD)
Numa altura em que a Alternativa para a Alemanha (AfD) ocupa o segundo lugar destacado nas sondagens, Alice Weidel é uma candidata de destaque, ainda que muito dificilmente chegue à liderança do país, uma vez que todos os partidos do espetro politico alemão se recusam a entrar em coligações com a extrema-direita.
É, no entanto, a líder preferida de Elon Musk, o influente membro da Administração Trump, dono da rede social X e da Tesla, que no mês passado declarou apoio à AfD nestas eleições.
Num artigo de opinião publicado num jornal alemão, Musk conjetura sobre o posicionamento político de Weidel: “A representação da AfD como [um partido] extremista de direita é claramente falsa, tendo em conta que Alice Weidel, a líder do partido, tem uma parceira do mesmo sexo do Sri Lanka! Isto parece-vos o Hitler? Por favor!"
Alice Weidel num comício de campanha em Neu-Isenburg. Foto: Kai Pfaffenbach - Reuters
Num país ainda muito marcado pelas cicatrizes do nazismo, Elon Musk diz que a Alemanha “ainda se foca demasiado na culpa do passado” e que o país se deve libertar do seu passado. O ativismo político do multimilionário norte-americano levou a uma
queda de 60 por cento na venda de veículos da Tesla.
Apoios internacionais à parte, Alice Weidel segue de facto a cartilha dos líderes de extrema-direita. A antiga economista da Goldman Sachs tem 46 anos e é fluente em mandarim. Ocupa a liderança da AfD desde 2022 mas é a líder parlamentar do partido no Bundestag desde 2017.
Destaca-se pelas suas posições a respeito da imigração, ao defender o fecho de fronteiras terrestres da Alemanha e o apelo às deportações em massa num plano de “remigração”. Ao contrário dos partidos mainstream, a AfD defende a manutenção do “travão da dívida”, ao mesmo tempo que quer reduzir impostos.
A nível de política externa, o Alternativa para a Alemanha é um partido próximo de Vladimir Putin e defende o fim das sanções contra Moscovo e corte radical no apoio militar a Kiev. Advoga ainda a retirada da Alemanha da União Europeia e que o país deve abandonar os acordos internacionais subscritos a respeito do clima.
Robert Habeck (Os Verdes)
Atual vice-chanceler e ministro da Economia e Ação Climática, Habeck desempenhou um papel central na solução governativa encabeçada por Olaf Scholz. O partido que lidera tem surgido muito próximo do SPD nas últimas sondagens, com cerca de 13 por cento.
Há muito que aproxima estes dois partidos. Os Verdes defendem a reforma do travão da dívida para promover mais investimento público, promovendo dessa forma uma transição do país para a neutralidade carbónica.
Robert Habeck numa ação de campanha em Berlim. Foto: Nadja Wohlleben - Reuters
O partido defende a eliminação gradual dos sistemas de aquecimento a combustíveis fósseis na Alemanha, uma política que levou a uma quebra na popularidade do Governo. Defende ainda o apoio à Ucrânia e a aquisição conjunta de armas na União Europeia.
O posicionamento nas sondagens coloca-o novamente como possível parceiro de uma coligação de Governo. No entanto, Robert Habeck, de 55 anos, poderá ter anulado essa hipótese ao criticar abertamente o candidato da CDU, Friedrich Merz, por se ter aliado à extrema-direita numa votação no Bundestag.
Habeck disse mesmo que as ações de Merz o “
desqualificavam” para ocupar o cargo de chanceler.
Christian Lindner (FDP)
Lindner também foi ministro do Governo de Scholz. De resto, foi a sua demissão que esteve na origem da crise política que levou à marcação de eleições antecipadas. Com uma posição conservadora do ponto de vista fiscal, o partido que se aliou ao SPD nos últimos anos opõe-se com veemência à reforma do “travão da dívida”.
Os liberais propõem a redução de impostos sobre empresas e querem apertar as regras para a atribuição de subsídios de desemprego. Por outro lado, querem adiar os objetivos climáticos firmados pelo Governo alemão e não concordam com a decisão europeia de eliminação gradual dos veículos movidos a combustíveis fósseis até 2035.
Christian Lindner discursa numa ação de campanha em Colónia. Foto: Thomas Banneyer via AFP
De destacar que o FDP corre o risco de ficar de fora do Parlamento federal alemão, muito prejudicado na opinião pública alemã pela divulgação do chamado documento do “Dia D”.
Quando foi demitido pelo chanceler alemão, Olaf Scholz, em novembro de 2024, Christian Lindner acusava o líder do Governo de criar artificialmente a crise política. No entanto, o próprio foi alvo dessa mesma acusação, uma vez que o documento do FDP
vindo a público delineava uma estratégia pós-coligação já em setembro de 2024 e alinhava narrativas para um cenário de rutura entre o SPD e o FDP numa linguagem de guerra.
Sahra Wagenknecht (BSW)
É a grande novidade destas eleições federais na Alemanha. A aliança Sahra Wagenknecht (BSW) nasce de uma cisão à esquerda, em concreto no partido Die Linke e obteve um resultado surpreendente nas eleições regionais que já disputou.
Sahra Wagenknwcht, 55 anos, filha de mãe alemã e pai iraniano, dá nome ao próprio movimento político que fundou há pouco mais de um ano. Em poucos meses, o seu partido já faz parte da coligação que governa duas regiões na Alemanha: Turíngia e Brandenburg (a primeira com o SPD e CDU, a segunda com o SPD).
Sahra Wagenknecht num evento de campanha em Erfurt. Foto: Karina Hessland - Reuters
Considerado um partido populista de extrema-esquerda, partilha ainda assim algumas das ideias comuns à extrema-direita, o que Wagenknwcht designou de “conservadorismo de esquerda”: se propõe ideias da esquerda ao nível económico, como o investimento em serviços públicos infraestruturas ou a aposta nos apoios sociais, adota uma posição anti-imigração e contra o apoio da Alemanha à Ucrânia na guerra contra a Rússia.
Poderá colher bons resultados entre possíveis eleitores da AfD e Die Linke, surgindo nas últimas sondagens à frente do antigo partido, Die Linke, e dos liberais do FDP.
Jan van Aken e Heidi Reichinnek (Die Linke)
A esquerda concorre a estas eleições com Jan van Aken e Heidi Reichinnek, que surgem nas sondagens com cerca de 5 por cento dos votos.
Jan van Aken tem 63 anos e já foi inspetor das Nações Unidas para armas biológicas, mas tem-se dedicado à carreira na política nos últimos anos. Heidi Reichinnek, de 36 anos, juntou-se ao partido em 2015 e é desde há um ano uma das líderes do grupo parlamentar do partido no Bundestag. A aposta da esquerda passa pela taxação dos mais ricos.
Heidi Reichinnek e Jan van Aken numa conferência do partido em Berlim. Foto: Sebastian Gollnow via AFP
Apesar da ameaça representada pela dissidência da antiga líder, Sahra Wagenknwcht, o Die Linke tem registado um
aumento significativo de filiados nas últimas semanas: pelo menos 23.500 pessoas desde o início de 2025. Este movimento parece ser uma resposta à tendência de crescimento da extrema-direita na Alemanha mas também ao paradoxo do BSW.